Por
cá vamos indo…
Cá por casa tudo continua como
«Ela» gostaria que estivesse. Coisas com as quais respeitosamente, eu
concordava, a que me fora moldando ao
longo dos anos de uma vida partilhada intensamente. Houve altos,houve baixos?:
claro, mas apenas alevanto de vento
que logo passava; para o que bastava uma abordagem,doce, pelo meu lado «ronca».
Uma sabedoria de vida que nem todos conseguiam
facilmente abarcar : o convívio fácil
com as pessoas fáceis, para com quem tinha -sempre!–um gesto ou uma palavra de carinhosa
brincadeira, quando não um dito que
transformava uma maledicência num sorridente remoque; mas bem ao contrário a fuga às gentes
artificialmente emproadas que
dificilmente tolerava. Tudo na Z. era natural transparente e frontal. Demasiadamente
frontal.
Agora : os sapatos deixados á
entrada, desalinhados, é uma das poucas
liberdades que desde já assumo transgredir. Não havia meio de me
corrigir: entrava e logo iam sapatos
para aqui ,casaco para ali, calças para o varandim: à medida que entrando no
meu refúgio respirava a sensação de eu, só
eu ,e mais ninguém, tinha o direito de transgredir as regras da boa arrumação .
Pacientemente zangada, ia apanhando tudo e colocando o rol no local aonde ao
outro dia, eu encafuava o que lá estivesse e me fosse distribuído para vestir. Poderia ser amarelo, azul às riscas,
o que quer que fosse: - eu vestia (ainda que fosse uma meia de cada côr). E
agora, grande trabalho é o meu,este, de aprender onde estão as coisas. Apesar de que
ultimamente, pressentindo o desfecho, me foi dando referências do local de
armazenagem..
No meu luto interior ( e só esse é meu!)
recordo-lhe a dimensão solidária, o dar-se inteira e integralmente a todos –mas
é que era mesmo todos …tantos!!!-que dela precisassem, independentemente do
preço que muitas dessas atitudes nos acarretassem. Tomada a decisão, assumíamo-la por completo.
Por isso o nosso meio «familiar»
era grande e preenchido. Se não pudemos fazer melhor, não foi porque nos eximíssemos a uma ou outra tarefa por mais difícil que fosse, para o concretizar. Apenas porque não foi possível,
fazer melhor, dentro das circunstâncias.
Espantosamente dedicava aos seus
animais ,a mesma dedicação que dedicava aos seus. Não ia a lado nenhum sem a
sua companhia. Podia tentar convencê-la a ir a um longo passeio: ia se os «meninos também fossem». Ponto final! O mundo da Z. era o
seu mundo próximo. O dos seus.
E assim não havendo outra hipótese, um dia fomos –finalmente! – todos. A trabalheira para meter nos hotéis(em França e Espanha) os
cachorros embarcados em malas, foi coisa épica. De outro modo os passeios ,só
poderiam ter o máximo de duração dois dias.
Casaco,calças,ou outro, de que
eu me esquecesse uns meses, desapareciam como por encanto. À pergunta : então
onde está «aquilo»?. Ora : olha
dei a quem mais falta tinha delas que tu….Eu encolhia os ombros, claramente
satisfeito….Um dia um ladrãozito entrou-me na casa da Costa.Quando foi apanhado
e fomos chamados á GNR para prestar
declarações, às tantas dei que tinha vestido um belíssimo casaco de cabedal,meu. Claro que perguntei: de quem é esse
casaco ? É seu :gostei muito dele,respondeu-me.
Tire-o ,já…E quando o rapazola cumpria a ordem diz a Z…: deixa, que o casaco até o tinhas esquecido
na Costa. E ao «rapazinho»,faz-lhe jeito. E fica-lhe bem. A ti já te estava
apertado, ora….
Fisicamente a Z. era um
poder do senhor: agarra aí…e eu dizia,
como é que te atreves?…e afinal era
eu que desistia. Esquerdina, tinha uma
força desusada naquele braço ,e ai de quem o quisesse experimentar.
Bem poderia aqui estar até amanhã
a falar de pequenas incidências da nossa vida em intimidade que se prolongou
por mais de sessenta anos.
A secretária onde escrevo começa
a estar um pouco desarrumada. Como eu. A vida também começa a desarrumar-se
dentro de mim. Nunca me subordinei a nada e agora o vazio toma conta de mim.
Emocionalmente ,sinto-me
equilibrado. Sobre factos futuros, não tenho curiosidade de maior. Sobreviver.
Os condenados sabem, que amanhã
ou depois, os espera o cadafalso. Aos ditos a decisão humana substituirá a
interferência do destino .Seremos
nós diferentes desses condenados, só
porque aspiramos a uma morte sem data pré-anunciada?
Prossigamos, então, nesse
intervalo, surpreendendo-nos mais a nós do que aos outros. Viver a vida por
inteiro, é impossível. É ficção.
Vivamos a vida arrumando
vivências, saudades, memórias, sem abdicar de viver o resto com dignidade. Aspergindo
a monotonia da inconsistência dos dias, acreditando que só
vale morrer de pois de ter amado. Mas não apenas…
Vejo para aí tantos louco a
fazer-nos acreditar que acreditam nas
suas delirantes loucuras, que começo a sentir
estar a perder a minha pobre
lucidez. Os meus sentimentos são fortes de mais,mesmo para quem arranja
argumentos para os colocar em causa. O que os meus sentimentos podem, é estar
errados com a vida.
SF
2 comentários:
And those who were seen
dancing
Were thought to be insane
by those
who could not hear
the music.
Friedrich Nietzche
...em tempos dificeis....
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