quinta-feira, março 28, 2013




 

Curiosidades sobre o navio-escola SAGRES

 



«SAGRES»



Num dos últimos números da «Chasse Marèe»,que assino(e que aconselho a todos os amigos que privilegiem o contacto com o historial náutico),vinha inserido um interessante artigo sobre alguns pontos da  história do navio-escola Sagres, que desconhecia.
Toda a gente «náutica» conhece esta «barca de três mastros», um dos últimos dinossauros  do tempos áureos das grandes navegações à vela. Emblema nacional, este navio-escola insere no seu velame a  cruz da Ordem de Cristo, insígnia que já as caravelas dos Descobrimentos levavam mar adentro.E com ela fomos por «mares nunca dantes navegados…nem sequer pensados».
Ora como curiosidade (para mim foi-o ) fiquei a saber que este navio ,lançado à água em 30 Outubro de 1934,fazia parte da encomenda de quatro  veleiros-escola  feita pela Kriegsmarine,depois da perda do Niobe.Navio–escola que se voltou no Mar Báltico em 1932(causando a morte de 68 instruendos). Os veleiros encomendados foram :o Gorch Fock(lançado em 1933), o segundo o Horst Wessel (lançado em 1936),o terceiro o Albert Leo Schlageter  (que é o actual Sagres) e o quarto, o Herbert Norkus,lançado em 1939.

                                              1º Gorch Forck 2-Horst Wessel  3-Albert Leo Schlageter
 A sua construção,levada a cabo debaixo dos requisitos mais severos, levou  a que as chapas (rivetadas e soldadas ) do seu casco atingissem o 10mm; o navio possuía  seis compartimentos estanques e a sua quilha  foi fortemente lestada.

                                                       
                                                                            Construção                                         

O Albert Leo Schlageter  terá sido construído em apenas três meses e meio. Fez a sua primeira viagem de instrução em 20 de Março de 1938. Não foi muito feliz nesta viagem. Ao fim de poucos dias abalroou  o paquete Trojan Star, tendo  de regressar ao estaleiro. O navio realizou, depois de reparado, várias viagens,  em 1944.Cinco meses depois ,navegando no Baltico, com 200 tripulantes,colide com uma mina  russa. Dezoito dos cadetes que estavam a amainar as velas (o tempo era mau) caíram.Uns sobre o tombadilho e outros água do mar gelado.Rebocado ,vai para Kiel. E  será depois transferido para Flensburg ,devido aos bombardeamentos ingleses.

 
                                                                
                                                                       Bota-abaixo
E como veio para a Portugal ?
Depois da perda da guerra as grandes embarcações  da Alemanha  foram entregues a diversos Países do lado vencedor. O GranFock  atribuído a URSS(rebatizado Tovarisch ); o Horst Wessel foi entregue aos americanos ; e o «nosso» Albert  Leo  Schlageter foi vendido por 5.000 Dollars  ao Brasil.Que o rebatizará  com o nome de Guanabara. O Guanabara ficará em mãos brasileiras durante treze anos, percorrendo 64.000 milhas em viagens de instrução, participando em várias regastas de grandes veleiros.
O embaixador de Salazar, António Teotónio Pereira foi quem conduziu  as negociações para que o Guanabara viesse substituir o velho Sagres. Salazar terá pago 150.000 dollars pelo navio- escola.

 SF  (Abril 2013)
Fotos: «Chasse Marèe» nº 248 ; aguarela do pintor de Marinha,Roger Chapelet.

                                                               

 

 

  

sexta-feira, março 22, 2013



 

Nova Mensagem

Hoje, amigo, deixa-me falar de um País
Que foi soldado pelo braço forte de Afonso

Curto da perna mas longo na bravura

Correu  com o moiro iroso que só da vida já cura,

E olhando para a praia ocidental

Afirmou: aqui vai nascer Portugal !

 

Hoje amigo deixa-me falar de uma pátria

Que teve um rei trovador

Que trovou cantigas de amigo

 Por Isabel perdido de amor;

Que as rosas não eram o bastante de lhe bastar

 Mas urgente fazer uma Pátria para ao mundo a dar.

 

Hoje amigo, deixa-me falar de uma pátria

Feita de um punhado de arraia- miúda

A erguer-se para dizer ao mundo inteiro

Que aqui não há lugar para nefandos andeiros

 Portugal não foi feito para vender

Portugal foi feito para ser; e a vida para o defender.

 

Hoje amigo, deixa-me falar de um império

Filho de uma pátria que queria ser maior que o mundo

Que teve um rei, pai de longínquos mares

Maiores de todo o olhar que fosse bem lá até ao fundo;

Neles rei algum mandava. Viu-se terra nunca sonhada

Que tanto a queria, o nosso El rei D. João Segundo.

 
Hoje amigo deixa-me falar de uma pátria

À procura dos berços onde o sol nasce

Seus feitos espalhados em canto imortal

Camões a mostrar ao mundo que o globo era Portugal;   

E Pessoa a dizer que a fé foi instinto da acção

De serem possíveis todos os caminhos impossíveis   

 

   Hoje amigo deixa-me falar de uma pátria

 Onde intrusos mostrengos ousaram entrar e porfiar.

Três vezes o francês entrou

Muitas mais o espanhol veio na noite de breu

Sonhando um povo conquistar

 De um país que não era o seu.         

 

Hoje amigo deixa-me falar de uma pátria

Que deuses malévolos um dia castigaram:

Que desgraça que vileza fazer gládio da natureza.

Para baixo a morte; para cima a vida, ordenou Pombal

E de novo se fez, fazendo –se,  Portugal.

Renascia o sonho de revelar o Santo Graal.

 

 Hoje amigo, deixa-me falar de uma pátria

Que desde enão caminhou pela bruma

No sonhos de um quinto império acreditado,

Desfeito no farfalho da maré, à praia atirado

 Tempo foi. Séculos correram

Nem primeiro nem segundo, tudo se foi à uma.

 
Hoje amigo, deixa-me falar de uma pátria

Onde entraram robots sem rosto, homens sem alma

A espezinhar o seu povo, a calcar as suas gentes

Uma troyka de mostrengos vinda lá dos confins do mundo

Para nos dizer que já nada é certo, senão saber o que se não quer:

Que tais mostrengos deitem a nau ao fundo.

 
Mas hoje amigo, já chega de te falar desta pátria

Amedrontada à beira mar posta a entristecer

Sem trabalho e sem pão. É tempo de dizer basta

 É tempo de dizer não. Fazer da voz uma canção

E da canção uma arma, Não para ser império de novo então.

Mas para se ser livre e dono da sua pátria.

                                                        [ Escravo, isso(!) não!

SF

segunda-feira, março 18, 2013


 

Amigos,Senhoras e Senhores:

 Contactado para saber da minha disponibilidade em colaborar com o Chio Pó Pó, em esta nova e muito louvável  iniciativa,  perpassou pela minha cabeça a interrogação: porquê eu a abrir, tão intencional quanto honroso ciclo?

Encontrei de imediato resposta para a minha questão: é das normas começar-se pelo mais fraco, e em crescendo, apresentar aqueles de mais significativa dimensão e notoriedade. Assim sendo, aqui estou humildemente, na tarefa de dar o pontapé de saída para este recuperar do tempo perdido. Que bem pode desenhar, se tiver a continuidade  previsível, o àgora  .O fim do período mais negro da história cultural das gentes de ílhavo.

Desde logo o meu agradecimento: e com ele o meu abraço aos mentores desta relevante instituição: o Chio PóPó, instituição de tão velhas e largas tradições. Desde a irreverência que levou á sua aparição, já lá vão mais de uma centena de anos ,até ás acções (Carnaval e outras)num passado ainda presente  na memória de todos nós. A minha gratidão  e a minha inteira disponibilidade para o que entendam possa ser útil á Instituição .De igual modo o muito obrigado a todos quanto colaboraram neste esforço de, na verdade, consertar algo que vai mal.

Aqui estou amigos, nos minutos qua a «régie» destinou, para me apresentar (?!) e responder á momentosa questão: o que tenho feito pela Cultura Ilhavense e Suas Gentes?

Ao que tenho feito (?), respondo: – vou fazendo! Pouco. Será certo. Mas que força tem um homem na caneta para lutar com o mostrengo de onde sopraram os ventos apocalípticos que foram vergando o embondeiro da cultura dos «ílhavos», até o colocar de rastos? Tenho-o feito, pois, modestamente. Mais por apego afectivo que por  mestria  de artesão da escrita. Mas já Torga o dizia: escrever é o maior risco, pois se constitui réu no Tribunal  em que serão juízes os leitores futuros das gerações vindouras. Serão pois, a esses, que deixo a tarefa de me avaliar.

Nasci há 74 Anos. Naquela histórica casa da Arcebispo Bilhano: – não porque lá tenha nascido, mas pelos painéis monumentais  de azulejaria que exibe na frontaria, os mais belos que conheço retratando as minhas gentes. Nascer então, aqui, em Ílhavo, não era bem o mesmo que ir ali ao S.Pedro, de Aveiro, e vir depois a assumir a alforria de ser «um ílhavo nado e criado» na terrinha da lâmpada. Criado, ainda vá. Mas não, «nado». Desculpem lá, mas os ílhavos de hoje são cagaréus diluídos Eu não, sou de Ílhavo de corpo inteiro. Nado para ir de mar em mar, a sonhar.

Contaram-me que acabada a ocorrência – feliz para os meus, já que a mim ninguém me perguntou (?!) – abri os olhos desmesuradamente ao meu Pai a quem a «Alicinha» tinha passado o puto loiraço. Já gordinho e anafado logo à nascença. Como a perguntar: e agora pá? O meu Pai, que sempre me falou, só e apenas verdade, ter-me-à olhado e dito: Oh rapaz prepara-te; olha que a vida traz muitos trambolhões. Promitentes estas palavras. Ainda eu gatinhava e dei um trambolhão que bem poderia ter sido o primeiro e o ultimo. A «Ana Padeira», que me idolatrou até ao seu desaparecimento, deixou-me cair pelas escadas abaixo, e vim parar ao passeio. E conta-se o milagre (os milagres, é bem certo, acontecem sempre aos que neles não acreditam). Quando pensavam o pior, o puto não chorou. Estava, era, como que distraído. A olhar, espantado, para os azulejos. Como que absorto, interiorizando aquelas gentes .Apaixonado. E lá veio outra profecia: o rapaz vai ser homem de paixões mudas, interiores.E hoje revejo: todas as afeições  guardo-as bem no interior. Só finjo o que de facto não amei. E só não amei o que me não valia a pena amar.

A partir desse dia, os trambolhões sucederam-se. Começava então a minha vida que seria, bonita mas insólita, coquette q.b., desafiadora, plena de aventura. Nela convergiram e se misturaram desafios que hoje, olhando para trás, me arrepiam. Mas sempre nos maus momentos me lembrei do aviso: as guerras só terminam no fim. As batalhas ganham-se e perdem-se. E só no fim se faz a contabilidade.

Claro que os grandes desafios estiveram intimamente ligados á vida profissional. Tenho a consciência absoluta de que pouco ou mais nada, havia, aí, para fazer. Foi lindo e preenchido demais o sonho de quem achava que nem no céu há limites. E como não os encontrei, houve tempo para me ensaiar de outras maneiras.

Enche-me de orgulho o tempo que dei de mim à vida cívica. Quis o desafio, sempre e só o desafia – e nunca porque me ofereci ou promovi – conduzir-me ao epicentro de várias e decisivas batalhas nas mais significativas Instituições de Ílhavo. Trinta anos, com algo de comum: com elas ultrapassar momentos de crise profunda. Todas as Instituições que me vieram para à mão, curiosamente ou talvez não!, encontravam-se à beira do precipício. Nunca me convidaram para um passeio de facilidades. Nelas não fui – longe disso!- um presidente visitante, mas um presidente próximo, presente. Nos trinta anos em que me dei às Associações da minha terra, em cada uma delas, a minha presença e actividade, toda a gente o sabe, foi diária. Em cada uma delas houve uma guerra a vencer. General que se preze não deixa a linha da frente a cabo raso para se esconder na trincheira. Por isso foi sempre a mim – e só a mim! – que me coube lutar contra o desinteressado, ignoto e despeitado poder. Começou em 68 e só acabou em 2012.  

No desempenho dessa actividade estiveram sempre presentes as minhas gentes.Com o passar dos anos esse deslumbramento pela cultura dos «ílhavos» (não se confunda nem restrinja, mas inclua-se, a actual saga histórica bacalhoeira) seduziu-me pela sua dimensão e grandeza. E pela sua singularidade.

Começou essa paixão, quando aluno da minha Tia Vicência, na Gafanha de Aquém, percebi logo que aquelas eram outras gentes. Mas elas também singulares e autónomas. No Colégio, a minha pesporrência literária cedo se desenhou com o Prémio Dinis Gomes. Dizem os livros (o prémio) que guardo, e leio religiosamente vezes sem conta, os «Costumes e Gente de Ílhavo» : ao Joãozinho Fonseca pela sua precoce admiração e exaltação dos valores de ílhavo»                                              

A vida não me deu tréguas mas eu sempre lhe roubei tempo para alinhavar ideias no papel. Que ia, anarquicamente, arquivando. Lia tudo quanto fosse livro para me amanhar com essas grandes figuras do ílhavo de um outro tempo.

Nas Instituições, paralelamente ao seu engrandecimento e afirmação, procurei que os aspectos culturais estivessem sempre – mas sempre em todas elas,- em paralelo com a sua afirmação. Quis sempre levar as Instituições às gentes, porque não há Instituições vazias de pessoas. Não é este o momento para revisitar esses tempos e essas lutas. Apenas dizer que no tempo da outra senhora (a actual não me parece nada melhor) o Illiabum enriqueceu-se com a presença das mais eminentes figuras da cultura lusa. E até as marchas S Joaninas, então iniciadas, visavam uma iniciativa de recolha de trajos. Orientada pelo Arq Quininha para criar o Museu do Trajo de Ílhavo. Que seria grandioso. Trajo que em nenhuma parte vi melhor, nem vislumbrei maior identificação entre a fatiota e quem a enverga. Adiante...quer na AHBVI, quer no CVCN, quer no Casci, todas viveram tempos para, de um ou outro modo, promover a cultura e a solidariedade entre as nossas gentes.

E os trambolhões …continuaram.

 Homem avisado vale por dez. A cada um deles seguia-se a raiva de fazer mais e melhor. Guardado estava – com data marcada se as asneiras da vida o não obviassem – começar a verter para o papel, em definitivo, o «saber» (o meu, por isso utilizável para o fim que entendesse). Dei início a essa nova etapa, um ano depois do programado. Mas com ganas de pelo menos chegar à minha «Monografia de Ílhavo». Nunca trabalho num só livro. Por vezes interrompo para deixar acamar as palavras e as ideias. Certo de que um dia ali voltarei. Os meus livros são as amantes de nunca me consegui afastar. Olho para eles com um misto de orgulho e admiração. Como olhei para o primeiro corpo nu de mulher amada, de um modo apaixonado, sabendo que um dia qualquer me iria dele (e deles!) separar. Dou-lhes toques e retoques, carinhos. Conto-lhe segredos todos os dias. Por isso, antes da Monografia, trabalho de evidente fôlego, fruto de anos de conquistas de saberes, interpretação e interiorizações, foi surgindo ao público «Nas Rotas dos Bacalhaus». Sei o pecado original deste livro. O desafio empolgou-me. Creio ser este, um livro completamente diferente de tudo quanto foi editado na matéria. Tem uma Parte II. Não sei se haverá tempo para lhe dar corpo e fim.

 Entretanto havia que cumprir a promessa dada, em jovem, ao Prof Guilhermino. Feita em um dia em que organizávamos a Biblioteca daquele seu aluno que o deslumbrara ainda no banco da sua Escola:- Mário Sacramento. Foi aí, então, que prometi cumprir o seu pedido (ou sugestão),de um dia relembrar esse grande «ílhavo» Alexandre da Conceição. Sublinhando aquilo que considerava um anátema no historial de Ílhavo: – referir  o pecado original desta terrinha, hoje mais do que nunca reafirmado em toda a sua dimensão, de Ílhavo ser melhor madrasta que mãe. E fiz, ainda, outra e maior, porque bem mais difícil promessa a cumprir: repor a verdade sobre Filinto Elíseo (outro «ílhavo», poeta maior entres os maiores, pátrios). Ando com ele há sete anos. Das minhas mãos está (praticamente) acabado.

Mas no entretanto, prestei modesta, mas sentida e verdadeira homenagem a esse «grande….grande» mestre de civismo e «ilhavismo», o Prof. Guilhermino Ramalheira, meu particular inspirador. 

 Foi aí que o arraias «Labareda » me saltou ao caminho : o tipo e as gentes que rodopiaram á sua volta, e a recuperação dos «ilhavismos», todo este enleio,toldou-me a programação.

E como fugir a retratar a minha «Costa Nova», luxuria desavergonhada para os meus sentidos? E fi-lo dum folego. Um mês creio. Pouco mais. A Costa Nova tem um papel preponderante de pousio benfazejo para as maleitas da alma. Um céu esplendoroso, um mar azul infinito onde só o farfalho da onda destoa. A Ria vaporosa e fresca cativa-me. Gosto de a espreitar. Sou um empedernido «voyeur» seu. Ali cumpri o meu destino. Não aquele que as ciganas leem na palma da mão, mas aquele que nos está gravado na profundeza do ser. Determinado apenas pelo modo como deixamos os sentidos reagir ao mundo que nos envolve. A Costa-Nova envolveu-me. E deixei o Filinto em conserva, à espera. Deixei-me envolver, e perder a cabeça, pela «amada». O que é raro. Mas a Costa-Nova, e em especial a ria, foram o regaço que sempre encontrei disponível, acolhedor e terno, em todas as horas. Regaço onde lavei as chagas que o surrar da vida me foi abrindo. Aprecio-a tanto na pujança da prenhez da preia-mar, como desperto para a resistência dos lenhos de água sobrantes que o seu choro, despejado diariamente no mar, deixa a descoberto. Gosto tanta de a ver toda vestida de um azul fulgurante,como de a desnudar para lhe deixar aparecer a intimidade das suas linhas que parecem desenhadas a compasso, tal a harmonia das suas curvas e contra curvas. Gosto de apreciar a sinfonia do nascer do dia: vislumbrar aquele barbazanas a espenujar-se dos restos do algodão da neblina matinal, que a serrania lhe impõe para melhor o esconder. Para logo aparecer por cima do espelho da ria, disco de zarcão iluminado a ouro, a projectar-se no palheiral riscado a rigor, encharcando-o de luz. Gosto de recordar a lomba dos meus tempos. Dessa lomba de segredos de amor jurados para a eternidade, a não durarem mais do que um escasso verão; dessa lomba de um areal alourado, semeado de «carneirinhos» perfumados, testemunha de tantos beijos roubados, num depenicar de avezinhas a sair do ninho. E tantas vezes, aconchego nupcial para atrevidamente se ir mais longe, influenciados pela maresia que funcionava lascivamente como afrodisíaco provocador. Mas gosto sobretudo do seu luar. Quando o sol se apaga no poente, e a ria é um banho prateado que nos tolhe e amarra. Inebria. Sinto-a como um descrente que entra na capela Sistina, olha o «céu», e fica absorto, alma em oração titubeante, sentidos perturbado pela grandeza, em silêncio interrogando-se. E  se ????

 Demorou-me um Verão a retratá-la. Foi o livro mais fácil de escrever. Pois se eu a conhecia de cor e salteado (!). Já lá vão quatro edições. Como todos os outros livros, esgotadas. Sou pois um autor feliz. Por as minhas gentes, afinal, interessarem a tantos outros.

Senti por essa altura o desespero de quase não ter tempo para clarificar e registar para os vindouros, essa grande aventura das gentes lagunares (onde os «ílhavos» foram cartaz de proa).E a sua genialidade em criar embarcações únicas. Desfazer mitos e asneiras ditos pelos maiorais da história pátria, nesse caso errados, foi tarefa que me não entibiou. Na vida sempre o afirmei: ou sabe-se, ou se está calado. E tive a rara felicidade de dar à estampa as embarcações sublimes, na sua forma e na finalidade. Qual delas a mais bonita e elegante. Um engenheiro que sempre privilegiou a forma e a adequação á finalidade, não poderia deixar de se galvanizar com a descoberta. Por isso, saiu o livro «Embarcações que tiveram o seu berço na Laguna». A vida esperou e houve tempo. E até tempo de ganhar um prémio da Academia de Marinha, enfileirando na saga de Sarmento Rodrigues.

E quando este prémio me honrou – eu que nunca esperei por outros prémios que não o meu gozo pessoal! – já então  alinhavava a figura desse «ilhavense/aveirense», João Sousa Ribeiro que me empolgara com  o seu  portentoso altruísmo. Homem de uma grandeza épica, de um saber antológico, e de uma afirmação ímpia de cidadão, S.R. conquistou-me a vontade e atenção. Vesti o gabão, e num ápice, fui buscá-lo ás profundezas do esquecimento. Todos o citavam. Poucos ou nenhuns, sabiam o seu historial, a sua grandeza humana. Enorme! Ora e pronto. Tinha de acontecer. Virgoleira que vai á guerra, volta mulher feita e experimentada. Senhora de todas as artes e manhas.

Não, não esqueci quem profissionalmente me deslumbrou. Quem me levou a saber coisas que me justificaram o aceitar, sem corar- muito pelo contrário! – Chamarem-me de engenheiro. É intolerável, inacreditável, e vergonhoso que  Ílhavo   não faça perdurar para os vindouros  um dos dois maiores engenheiros civis do seu tempo: o eng Ângelo Ramalheira. Prestei-lhe preito, homenagem e sincera amizade.

Amigos:

A minha estadia na Casa da Costa Nova permitiu-me (e permite-me) noites de regalada beleza. Deslumbramento com esse luar de feitiço em que um homem sonha intrometer-se, e ir com o cheiro da maresia à procura do impossível. Na cadeira postada na varanda que criei naquele absurdo paraíso, parecia-me (e parece) esquecer-me de tudo. Mesmo o de tocar a vida com a mão. A minha liberdade está na minha capacidade de isolamento. Deixo a vida e sinto que é possível viver o amor primeiro, a glória, a derrota. Fico ali longe das asperezas e da insinceridade do fingimento humano. Naquela cadeira estrategicamente posicionada na imensidão da ria, esqueci sempre o que me oprime. Ali ganho forças. Liberto-me.

Fui (e sou!), um ser desgarrado. Porque completamente livre: de tudo e de todos. Imagino-me um escravo que à força do pulso ganhou a liberdade. O maior bem da vida. Tive nesta uma posição estética. Não posso deixar de assim lhe chamar: os insultos ou até impedimentos com que me tentaram ofender, não chegaram a ultrapassar mais do que a soleira da minha indiferença.

Vivi (e vivo!) ali, noites em que a vida vai, foge, vem, e me enlaça. Desejei sempre ter artes para dar mão ao enlevo. Dar o amor às palavras: o mesmo que minha mãe deu quando me teve. Quietinho no sussurro dessas noites, chegam-me notícias de amores que não voltam; sonho que me poderiam fazer crer, utopicamente, ainda ser possível. Embalado na quietude dessas noites, parece-me ouvir tambores ao longe anunciando novos mundos. Onde não se fosse feliz por querer, mas por ser. Tão só!

Perdi-me em noites –e dias (!)- porque sol da Costa Nova traz com ele os orientes da imaginação, a contar as indeléveis pegadas que fui deixando para trás. Retratei-as. E intui o poeta quando nos diz da íntima certeza/ de que tudo é verdade /o que de nós disser/ a mudez da saudade. Fazia-me bem dizê-las, indiferente a ter ou não nascido para poeta. Sem vergonha de me ensaiar. Doía-me mais não as ter dito.

E sem ter propensão a estados poéticos delirantes – que fique claro!- arregimentei umas palavras, catei-lhes o fel e vinagre, e botei-as ao papel. Primeiro timidamente. Aquilo saía-me (e sai-me) num espasmo. Dava-as à Zida *uma excelente declamadora que nunca se quis afirmar publicamente, senão uma ou duas vezes, e pedia- lhe que mos lesse. E ou os rasgava ou os alinhavava no Blogue, ouvida uma ou outra opinião. Um dia alguém os juntou, chamando-me a atenção para a dimensão. Eram já centenas, sem que soubesse, um ao menos (!), de cor. Senti que tenho uma imaginação perigosa, porque volátil. Perco-a, porque são tantas as sensações que me deixo embaraçar pela quantidade.

Uma coisa fique claro: mesmo nessas horas de sonho, nunca perdi o norte:-a vida vive-se vivendo-a. Não a abastardando.

Aqui chegado, curvo-me perante a V/ amabilidade em terem vindo viver estes momentos comigo.

Atraso a vida sabendo que a morte tem pressa. A magana já me levou o que de melhor tive. Que espere.

Rotularam-me, vai para meio século, de «homem polémico». Perseguiu-me este rótulo. Que maneira porreira e simpática de me chamarem incómodo, ou até outras designações menos sociáveis. Fui preso três vezes por «agressão e ou desrespeito à autoridade. Julgado e ilibado. A Srª Pide distinguiu-me como «um elemento perigoso para a nação». Assim o atesta o processo e a inquirição. Mandou que o Comando da unidade onde me encontrava, exercesse sobre mim apertada vigilância. Era eu o Comandante. Respondi ao ofício garantindo que o referido oficial, será seguido dia e noite. Pudera!: eu até dormia com o referenciado e putativo revolucionário de pacotilha.

Com todas estes desvarios, não escrevi o livro que sempre quis –e quero !-escrever.

«PUTA DE VIDA»

SF – 2013 (CHIO PÓ PÓ )

 

segunda-feira, março 04, 2013

POSTAL nº 6
 
                                   
 
José Estevão e a «Joana Maluca»

Ria de um azul amansado pela brisa que lhe encarquilhava a pele. Hoje, a Ria não tinha levado o fato que deus lhe deu, «a passar a ferro». Dias !...O ar estava poeirento e as serranias deixaram de avistar, retirando dimensão ao vale de água que de Ovar até ao  Porto de Mira  se aninha  a seus pés.

Botadas as pernas ao caminho, que se fazia já tarde, fui tocado pelo vento até às portas da Costa-Nova. Depressa me encontrei com o «Palheiro»  que muitos, por engano, pensam mesmo ser o original, do celebérrimo José Estevão.
E parando, relendo as palavras de Eça que estão gravadas à sua portagem, dei comigo a imaginar o que teriam sido esses belos tempos da descoberta e feitura do local baptizado por Luís «da Bernarda», de Costa-Nova. Para que se não confundisse esta (a nova), com a Costa Velha de S. Jacinto, pousio dos primeiros meias-luas que achaparam as Artes Grandes ao mar.

Aquele «Palheiro», na verdade, foi o que serviu de habitação ao filho do grande tribuno, Conselheiro Luís Magalhães. Erguido sobre o anterior que seu pai tinha comprado, em 1840, ao mercantil de Viseu, Marinho de seu nome. Que teria sido umas das primeiras simplórias edificações erguidas na Companha dos «Barretos», aquando da sua  aterragem na praia, após a escapadela de S. Jacinto.
José Estevão descortinara desde logo grande potencial no lugar estratégico que os Barretos «descobriram». Se fosse feita estrada para Aveiro, ou ligação a Ílhavo, digna desse nome, o escoamento do peixe e o acesso das Companhas estava muito facilitado.
José Estevão afirmaria  ter comprado o Palheiro para repouso de sua Esposa D. Rita Moura Miranda[1]. Mas o certo é que sempre que a vida atribulada do incansável tribuno, o  permitia, José Estevão refugiava-se no seu tosco palheirinho, a que foi fazendo alindamentos e melhorias, à procura de merecido repouso. E como nos diz o seu filho, Conselheiro Magalhães, era no «quarto voltado ao mar por onde entrava a maresia», que José Estevão trabalhava as suas ideias para aquelas que foram as maiores peças oratórias de que há memória na história parlamentar portuguesa. 

Isso não o impedia de visitar, diariamente, as Companhas. Para se informar do andamento das capturas, e assistir, deslumbrado, à heroicidade e destemor daqueles homens a entrarem ou a saírem, batendo na rija vaga. Eram um exemplo vivo de que também na Terra havia deuses menores, dignos de um  Olimpo. Sempre que uma daquelas almas era atingida pelo desfavor da vida e levada perante o Tribunal, José Estevão vestia a toga e chegava-se à tribuna para erguer o seu vozeirão em defesa do infortunado pescador. Era ainda, a José Estevão, que os pescadores solicitavam intercedência para contratualizar, com os financiadores da Companha, os magros rendimentos do «quinhão», sempre avaramente concedido pelos senhores do capital.

Mutas figuras da política, e das letras, eram assídua presença do seu Palheiro.

José Estêvão fazia gala em ali receber muitos dos seus amigos, entre os quais Mendes Leite, companheiro de Coimbra e do exílio, fiel e inseparável companheiro; Sebastião de Carvalho e Lima, um espírito de rara energia e grande honestidade; Agostinho Pinheiro, seu companheiro de imprensa; a família Pinto Basto que lhe era muito chegada, e muitos outros: os Regala, os Viscondes de Almeidinha, os Mourões, o Arcebispo Bilhano, os Alcoforados, e tantos outros.
José Estevão apressava-se então a enviar recado  à sua grande amiga Joana «a Maluca», senhora dos terrenos que ficavam à distância de um atravessar directo da ria. A Joana Rosa, era uma mulher de luta. Mãe de nove filhos, avó de sessenta e seis netos, A Joana  era uma mulher irrequieta, mexida e brava, cuja estatura estava bem de acordo com o seu feitio. De compleição algo máscula, senhora de boa e desenvolta faladura, sabia bem receber.Com fidalguia, com lauta e bem recheada mesa, onde requintadamente espalhava vitualhas de apurado regalo, para o paladar e para o olho. Vinham em primeiro os escabeches numa molhanca de vinho onde os ditos tinham curado a adquirir sabores divinais. Para tentear apresentava uma casta de avinhados salpicões a que o fumeiro tinha dado cor de um rosa terra aveludado capaz de  tentar o mais enfastiado. Seguiam-se as caldeiradas do melhor peixe que o mar criava, a nadarem num azeitado açafrão, temperado com um pouco – q.b – de um branco bairradino. Ainda o repasto ia a meio. Vinham fumegantes  as caçoilas «negras» de aradas, com a chanfana, que previamente escaldada na hortelã era, depois de forte marinadela, cozida em vinho de boa cepa. Eram no mínimo três, as fervuras necessárias para obter o apurado sabor. Vitualha que aquelas gentes gandaresas tinham trazido consigo e se viria a mostrar emblema local. Tudo regado no melhor bairradino, a escorregar, fresco e macio, aveludado, pelas gargantas dos comensais.

 Terminado o opíparo repasto, o grupo vinha para o alpendre sentar-se em cómodas espreguiçadeiras, onde se gastavam horas na moedeira, enquanto se reconfortava o espírito com puros havanos, que a dona de casa distribuía, servindo-se e degustando ela própria, um excelente puro.

Lá para a meia tarde os convivas levantavam ferro, agradecendo o excelente repasto, e numa curta atravessadela das terras da «Maluca», arribavam à tasca da «Norta», espécie de estalagem de fim de curso, posto para recolha e tratamento dos burricos, enquanto no altar da venda se bebericavam uns copos para retemperar a alma, e vivificar o corpo. Ali se reuniam almocreves recuperando forças para o tropear nocturno das serranias traiçoeiras. Ali, pescadores beberricavam o último copo antes de botar pés à vila. O dia nas Companhas tivera duas idas à maré, e os corpos estavam doridos, a pedir enxergão. Mas só há noitinha chegavam a Juncal Ancho, e era, pois isso necessário, meter combustível para a viage… Havia, ainda, uma ou outra pescadeira, que depois de desorçar a canastra ao portal, não enjeitava encostar a barriga ao balcão e pedir à Ti Norta :

 -vá tiazinha; dê-me ai um traçadinho para me tratar as fraquezas deste corpo arrebentadinho, moidinho, quase a deitar os bofes pela boca…. ai vida .

Ora num desses belos fins de tarde, no tasco estava o valentão, bazófio e inquisilador, o Bisnaga «Tovão», almocreve de mau génio, beberrão, homem de má fama, com contas largas nos costumes  que o conheciam da vermelhinha das feiras assinaladas. Era lá das bandas de Viseu. Já encilhara o burrico. E pronto, entrou tasca adentro, já de grão na asa, pronto a escorropichar mais uns tintos. Bate forte no «altar» da loja a pedir com os seus habituais maus modos e de um modo enfatuado: – vá maneie-se, velha de um raio. Que é tarde e tenho de trepar a serra. Verta-me aí dois de três; que um é para a cova de um dente danado. 

Só que no momento a «Norta» tinha distinguido no arco da porta o Sr. José Estevão que surgira prazenteiro e respeitador, dando as boas tardes à gente de bem que ali parava. José Estevão procurava o arrais Thomé Ronca, para que este o levasse, a si e aos convidados, ao outro lado. E a «Norta», grande amiga do político, logo virou as costas ao «Bisnaga», leda para cumprimentar «os Senhores» importantes que vinham com José Estevão.

Logo o Bisnaga estrebuchou de danação, mostrando ganas de semear alarido, a meijengrar alguma. Nada boa:

-Que é lá isso, desatender-me a mim, homem da cidade dos Bispos, para atender este fidalgote apressado… Para eles tenho uma folhinha de matar bácoros, que abre num ápice a barriga a fidalgos bem aviados. Daqueles que ficam à porta e não entram, para não sujarem as botinas mulherengas.

José Estevão manteve-se hirto, impassível, levantou o peito, cofiou o farto bigode,  preparado para responder ao malino:

-Olhe lá ó andarilho lá da serra? Você não é o mata burricos lá de Mangualde? Pois olhe que eu não o conheço senão pela má fama, e não estou nada interessado, em conhecê-lo. Vá á sua vida que eu vou à minha.

-Ora! ora…, atira o «Bisnaga : ora aqui os homens – já eu o sabia – são tipo ovos-moles. Ouvem o ronco do mar e mijam-se pelas pernas abaixo…

De uma mesa lá do canto esconso ergue-se uma figura, alta como uma torre, homenzarrão tão cheio de força que os seus olhos mesmo que meigos infundiam silencioso respeito.

Postado em frente ao Bisnaga, o Thomé Ronca mete-lhe uma manápula ao ombro enquanto troveja:

-Que é isto? Pariu aqui a galega, ou foi a mãe deste burriqueiro que o veio deitar fora? Olha lá ó chibante – se voltas a dizer o que quer que seja dos homens da minha terra, acabam-se aqui as fanfarronices. Já hoje e aqui mesmo.Com desprezo voltou as costas ao almocreve, dirigindo-se ao altar, pedindo um traçado à «Norta». O Bisnaga julgando-o distraído, deu de fazer rapola e em grande restolhada, rapa da vara que sempre o acompanhava, e dá de despejar o lódão. Uma varada mesmo ao endireito do ombro do Thomé. Só que este desconfiara do mafarrico, habituado a atacar pela noite, às escondidas. E num ápice, lesto, voltou-se. Com a manápula habituada a enlaçar o reçoeiro, enganchou a vara. De imediato puxou por ela o marau, e com uma punhada, aplicou tamanho bofetão ao burriqueiro que este foi lançado por cima do altar da tasca,indo aterrar, de borco, entre as pipas bairradinas. O Thomé foi lá buscá-lo. O  asno abria a boca como rã à procura de ar fresco. Agarrando  o fraldoco  pela cilha que lhe atava as calças, arrastou-o de borco, lançando-o borda fora, à ria.

-Aqui d’el rei quem m’ acode. Eu sou da serra não sei nadar. Acudam….à d’el rei!!Salvai-me que eu dou-vos azeite: – dizia o «Bisnaga» esbracejando na água.

-Atão mijas-te ou não, fraldoco?      

E aproveitando o sopro do Norte, os convivas de José Estevão, rindo-se da restolhada, lá embarcaram para a Costa Nova, abicando ao palheiro à porta do qual a D. Rita esperava o grupo dizendo:

-Que lauto banquete. Vindes bem refastelados, vejo eu. Agora para a noite ireis ter uma canjinha da tainha de pinta amarela, com um grãozinho de arroz em fio de azeite.

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Quem me contou esta estória que verto em rabiscos lavrados pelo meu punho? Advinhais, estou certo .Pois a Zefa. Estória que ouviu a seu pai nos invernos inteiriços,  a charriscar lume, a catar um ou outro feijão que boiava à tona do caldo, à espera de apuro.

A Tibéria, essa, ficara em casa, Que os artelhos chiavam de mal sádios. Excessos; excessos da boca, porque nesta altura já não há bródios ou funções  que espaireçam.  

SF (Março 2013)



[1] Consultar em www.senosfonseca.com (Factos & História) «A história do Palheiro de José Estevão».

POSTAL nº 6

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