sexta-feira, maio 31, 2013


 

«Cantiga de amor»

 Por esta ria adiante
Vai vogando o meu olhar…

Ai vai atrás de ti, meu amor,
Com ele vai o meu penar.

 
Por esta ria adiante
Vai meu coração dorido
Ai vai atrás de ti, meu amor,
Dizer-te  que estou perdido.

Por esta ria adiante
Vão minhas palavras ao vento
Ai vão atrás de ti, meu amor,
A chorar o meu lamento.

 
Por esta ria adiante
Vão a correr minhas lágrimas
Ai vão atrás de ti, meu amor

Meus olhos  cegos de mágoas.

 
Por esta ria adiante

Vai  com ela o  meu alento
Vai atrás de ti, meu amor

Matar meu olhar sedento. 

 
Por esta ria adiante

Vogo eu pelas estrelas guiado
Vou atràs de ti, meu amor,

Enlaçar teu corpo amado.

 
 Por esta ria adiante…

Vai o meu choro, vai meu pranto.

Vão atrás de ti, meu amor.
 Eu fico aqui no meu canto.

 
Fico aqui à tua espera;

Na ilusão da aurora
Ou no crepúsculo da noite,

Fico aqui, só, desejando

Que o labirinto do tempo
Desfaça a terrível demora.

 
Volta amor; volta!
Ai amor… foste no vento

Deixaste-me  tão vazio e só

A lamentar minha dor,
De não ter outra dor

Que a de não te ter eternamente.

 SF (Maio 2013)

terça-feira, maio 28, 2013


 

O meu tamanho visto ao espelho, de facto, engana-me.

Cada vez que tudo «isto» avança -e ai, avança…avança….- vem–me à ideia uma frase que,ou li em qualquer parte ,ou a criei no meu espírito. Vá lá saber-se tanta coisa que já li…
Ora é verdade: a vida é coisa séria demais para ser vivida sem intensidade. E sem honestidade ética. Só  vivendo-a nesses estados de graça permanente, vale a pena o sacrifício de «aqui» aportar por uns tempos.

E ter por isso direito a belos momentos. Como este em que martelo a máquina infernal, á janela, em silêncio a percorrer o ondulado da ria. Silêncio livre que olha os vales e os ecos da montanha lá ao longe,sem medo de ser perturbado.

Sempre á espera de cantares novos. Venham eles… ou não …

Percebo pois, cada vez menos, que haja pessoas (como muitas que conheço), que passaram uma vida a olhar, única e exclusivamente, para o seu umbigo. Não digo até que não tenham sido bons(excelentes desempenhadores de oficio).Mas só isso…e mais nada.
Sentido ? Nenhum….Viver servo  de uma contemplação do seu redor.«Isso» chega?

Não  viver (?) mais do que a simples vulgaridade :– «levar a vida».
Levar para onde e para quê?

Ora gaita! Se falassem, os cães também diriam o mesmo .E até as flores.
Esta inconsciência absoluta, materialista, de alguns, choca-me.

E falo com eles circunstancialmente, porque para despertá-los …já é tarde.

E lá vou para outra palestra. Faço já isto,como quem bebe um fino….e no fim: arrota (com licença!).
Que raio: se ao menos as ditas fossem  pagas ,como as  do Mário Soares….
Ele a vender a «banha de cobra» com aplauso e com umas coroas para a Fundação.Eu sem aplauso (que se veja) e afundando-me…Pois nem sonhando com outra vida, mesmo assim ela me parece merecedora de deleite.

O meu tamanho visto ao espelho, de facto, engana-me.   

SF (Maio 2013)

segunda-feira, maio 13, 2013







Postal da «Casa do Bico» nº12

A Joana Maluca

 

Aqui sentado no meu canto à beira ria plantado por mim, com um sonhado e não escondido propósito de um dia poder gozar a velhice, desgastado do corpo que não dos sentidos, inebriado por esta ria tão inquieta quanto eu, mas muito mais prodigiosa na oferta de sensações que dela podemos extrair e guardar. Esplendorosa em si,uma espécie de ante sossego do além, mas aqui já. Hoje «Imenjà» das águas vivas, reluzentes, cheias de vida.. E agora que já pouca beleza extraio da vida, é ela que (me) consola nestes momentos – eu sei lá?! – se os poderei chamar de criativos. Pelo menos, aqui, criar, significa sonhar, querer, desejar. Sonhar com as palavras que gostaria de dizer, e que, se afinal não digo, é porque me falta o estro.

Mesmo defronte aos meus olhos – ali mesmo! –, ficam as terras da Joana «Maluca», figura histórica por quem sempre tive largo apreço. Como  tive –ao menos – «talento» para cimentar amizades que duraram uma vida, essa qualidade historicamente registada na figura da Joana, atrai-me. E há muito, depois de ter  contado a «estória» das visitas do José Estevão à grande senhora (vide www.senosfonseca.com clicando na janela Factos & História, em Palheiro de José Estêvão),  apetece-me dar um retrato mais preciso da Joana. 

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Às vezes não chega, a um indígena, ser maluco. Para sê-lo é preciso parecê-lo. Ora a Joana Rosa de Jesus «a Maluca» não só o não era, como nem o parecia. A alcunha, coitada, ter-lhe ia vindo de ter casado com um dos primeiros foreiros do Senhor de Vagos, o pastor José Domingos da Graça «o Maluco».
A Rosa de Jesus era uma «Gramata». Nascida em Ílhavo, em 1788, era originária da família dos Gramatas, lá do Arnal, cujo avô, o Tomé Francisco, fora um dos primeiros foreiros que nos fins do século XVII se teria vindo estabelecer para aqueles terrenos arenosos que bordejavam o canal que ia lá para os lados de Mira. Ora o certo é que o Tomé Francisco tomou o nome de «Gramata», que era o nome por que eram conhecidos aqueles terrenos lodacentos que tinham vindo lá das entranhas da ria, e onde apenas parecia capaz de nascer e se desenvolver, uma erva marinha, conhecida por gramata: «diz-se a qual mó do meio produz junco e hoje pela continuação da maré salgada já o não produz, mas sim erva que chamam de “gramata”, apetitoso manjar para o gado».

Em 1883, a Joana «Gramata» e o marido «o Maluco», que teria vindo lá do sul de Vagos, fazem, o aforamento da «Quinta do Feijão», local preciso onde hoje se encontra situada a Capela da Sr.ª da Encarnação(aqui mesmo exctamente no «azimute» da minha proa.
A Joana, já então conhecida por Joana «Maluca», cedo ficará viúva. Não sem ter botado à vida nove rebentos, que lhe darão a bonita prole de 66 netos. Viúva aos 48 anos, irá casar com António Sousa Pata.
Não teria sido fácil ao José da Graça convencer a sogra a dar-lhe a filha. «A Gramata», já gente de sinal, olhava para o rapaz, pastor das castras enfezadas e raquíticas, e tentava inquirir o que «ele» teria de «seu».Ou  dos seus, tanto fazia.
Ora numa noite estrelada enquanto fixava as luzinhas lá no alto, acudiu ao José – rapaz esperto – uma ideia que logo ao outro dia botou em prática. E enquanto na eira da «gramata» ia respondendo aos «quesitos» da mãe de Joana, não esteve com meias medidas.Colhendo na mão umas espigas de trigo, atirou à «Gramata»:
-Olhe Sr.ª amiga: eu pareço um pelintra a vadiar aqui com o gado por estes areais. Mas não colha o gato pela cor do pêlo. Que a casa de meu pai é tão abastada e tão rica, que à noite há tantas luzes a iluminá-la, como grãos que tenho aqui entre mãos».
E logo ali, a convencida e crédula sogra, aprazou casório.

A Joana, embora de perfil varonil em que uma teimosa barba lhe cobria o queixo realçando-lhe o tipo, era, contudo, uma aprazível e simpática mulheraça. Mulher ridente, faladeira e sempre bem disposta, fumava viciosa e deleitadamente charutos, que amigos e comensais, da sua lauta e farta mesa, lhe faziam oferta, mantendo o stock sempre abastado.

Abria com regozijo a porta aos políticos, recebendo amiúde José Estêvão que se fazia acompanhar pelos ilustres que o vinham visitar ao seu palheiro da Costa-Nova. Indo de barca, passava a ria atracando na mota da passagem, em terrenos que confinavam com as terras da Joana.

Mulher activa, empreendedora, boa na arte de negociar, rapidamente a sua casa emerge como das mais poderosas e ricas da região. Benfeitora, é ela que cede os terrenos da sua quinta onde se virá a instalar a capela da Sr.ª da Maluca, dotando-a com algumas imagens de oráculos, devotos, que amigos de Aveiro lhe teriam oferecido.

A Joana «Maluca» virá a falecer em 28 de Janeiro de 1878.

 

SF (Maio 2013) 

sexta-feira, maio 10, 2013


 

A morte da Cina «Resende» ou

O ZIG-ZAG da vida

Esse temível anunciador de más noticias a cuja companhia por causa dos outros me submeto ,tocou cedo para me dar a má nova (?)  que também a Cina Resende ,não tinha conseguido furtar-se à  morte anunciada. Que a  é aquela terrível doença.
É mais uma amiga da geração anterior que desaparece. Vão começando a escassear os poucos que ainda navegam aos empurrões, por cá.
Nos últimos contactos tidos com a Cina, a propósito da doença da Zida, admirava a firmeza da sua convicção,que me parecia alicerçada numa fé inquestionável. Eu ficava amargurado se por acaso lhe dava nota da insinceridade com que amargamente lhe queria demonstrar que também ainda «acreditava», quando o certo é que nunca acreditei desde o primeiro dia.
Mas a verdade é que nunca sabemos quando somos sinceros nesta vida do faz de conta. Eu talvez nunca o seja. Custa-me dizê-lo : mas é a verdade.
Porque continuadamente dá-me a impressão que sou outro, que penso como outro, que vejo a vida como outro.
Olho para o que se passa á minha volta e vejo-me mero espectador de um espectáculo para que não paguei.
A Cina sempre me pareceu uma rapariga que amava demasiadamente a vida.
Não sei onde li um dia qualquer, um poeta  dizer que se se amou qualquer coisa, pode bem morrer-se. Estas  poetas são de um lirismo confrangedor.
Eu que não sou – nem quereria ser – poeta, digo o contrário: quem assim ama a vida, não tem  dia para morrer. Nunca!
E assim vai aqui mais um intervalo doloroso da minha vida. Não por ser uma pessoa muito chegada à Cina ; mas porque me custa ver morrer quem não merece.

Desapoquento-me escrevendo isto. Se eu tivesse fá zangava-me com Deus. Como não tenho, fico-me : –  cansado de descrença.
SF

quinta-feira, maio 09, 2013



                                              
                                                                           

 
Postal da «Casa do Bico»- nº 11
Maio chega e com ele a época do tresmalho. Abro a porta, respiro o ar da alva, fresco e poderoso, e assisto ao despertar da ria. Atiro os olhos para a água enquanto o corpo não ganha coragem para os acompanhar. Os meus olhos sempre foram uns felizardos: têm sempre tudo o que por vezes nego ao corpo.
Na paisagem que desde logo se encharca de sol, reparo (ou imagino) como deveria ser bonito, outrora, o avistamento do prado da Joana «Maluca». Sem nada que colhesse a linha do horizonte, nessa atapetada planura onde teimosamente despertavam umas vergônteas enfezadas que demoraram gerações até se transformarem nos verdejantes milheirais lagunares, o olhar só esmorecia nas faldas serranas do Caramulo. Que hoje ainda daqui avisto por cima do casario da Srª da Maluca. A maresia invade-me os poros limpando-me do cheiro «a raposinhos» de uma noite entre vale de lençóis, curando-me dos achaques das viradelas (que travessuras já as não há!...) nocturnas.
Manhãzinha cedo e já lá vai uma azáfama no estender dos tresmalhos do «choco» no lençol azul das águas lagunares. Mesmo aqui, à minha porta, a um braço de distância. Colho a máquina de imagens paradas, e disparo. Maré enche, e é tempo de metodicamente desenrolar a meada e estendê-la numa lonjura que ultrapassa os 300 m. Atravessada a bateira, esta vai descaindo; e o arrais, agora que já usa o motor e é o único tripulante a bordo, deixa correr, entre a concha da mão, o cabo e bóias superiores. E o cabo e lastros inferiores, que depois na água, com a ajuda da corrente ficarão na vertical, fundeados pelos ferros e poitas intermédios, levantados pelas bóias sinalizadoras. Aboiadas a cada pano mergulhado. O «choco» que nestes meses invade a laguna (num prodígio de vida que as mutações lagunares não matou, e renova a cada época) virá paulatinamente em procura do «manjar dos céus» que sabe posto na mesa, com pompa e circunstância, nesta borda poente lagunar, onde desovará. E eis que, de repente, o pobre que se julgava convidado «vip», se enfia pela malha larga das albitanas; numa aflição com o traiçoeiro convite, procura recuar, libertar-se, e fugir. Quanto mais gesticula com os «braços» mais se enreda na malha miúda entralhada nos cabos superiores e inferiores.
Estendida a «arte» – aqui a palavra ajusta-se perfeitamente ao ofício – o arrais mergulha ferro e fundeia. Momento para descanso a  enredar-se nos pensamentos da vida. Fumando cigarro após cigarro, ficava  à espera que a maré vire para recolher o redame.    
 
          
E vai pensando no estupor da vida...
 
Na véspera tinha ouvido um pissofoque, na TV, a pregar aos «peixes». E o Zé «Lavanco» –  assim se chama este «camarada» da manhã – começa a pensar nestes «pissalhos» que lhe atormentam as noites perdidas em frente da sua prosápia, com que  atiram a «tinta de choco» aos olhos do zé povinho, para lhes encaldeirar a vista. E o que é certo é que os peixes – pensa o «Lavanco –, andam muito eslabaçados. Esfraldilhados de todo, parecendo como o choco deixarem-se enrodilhar no redame do palavreado chinca.
 Estes codres só olham para cima, e nunca – mas é que nunca, porra! – os fraldocos olham para baixo. ! – pensa o «Lavanco»: este cardume não é como o de peixes. Que olham para cima para baixo, e p’ró lado. Isto é cardume  de «chaputas»...
Nesta cambada há mesmo uma peixaria, matuta o «Lavanco» : os ditos «roncadores» que só têm prosápia, arrogância e chança: pissalhos!!!!. Mas também há dos «pegadores».É o que há mais. Parasitas, labajões; cambada de inchuns. E os «voadores» que só têm ambição no sentar do cu … Mas há também –oh! se há! – muitos «polvos»: traiçoeiros … badalhocos. Monte de boseiros.
E com isto a maré vira. Um dia a maré também há-de virar…. sacanas!…. foi pensando  o «Lavanco», alevantando-se , cuspindo  nas mãos, disposto a ir à rede.
E de volta, trazido com a maré, bateira atravessada à corrente, deixa-se descair a norte, enquanto mete os panos dentro. Emalhados lá vêm os «chocos» que ainda darão um trabalhão do «caraças» a libertar para a caixa.De interior enegrecido pela tinta que as presas vão largando no estertor final…  ( como o povo, atirado para o caixote… pronto para ser vendido a «merkel & companhia»).
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E estava eu pronto a recolher a penates, como um xana, e eis que chega a Zefa. Hoje, sem companhia da amiga, é quando a língua mais se lhe destrava….
-Ah rico!!!! Vossemecê está esgalfo dos olhos.
-Pois Ti Zefa.Aqui a ver o «tresmalhar» dos «chocos»…
-Olhe que o tresmalho é como mulher na cama, diz a Zefa, maldosa no olhar ainda malandreco. E continua : «alinha-se» com a enchente (e só nesta), encosta-se e dá as albitanas a charir. O home augadinho, marra. A gente, auguenta e faz que foge.O calhandras bardaleiro, atiça-se, e depois é um badanal. A vagalhoça invade-nos a cama, espincha que espincha, e só desemalhamos quando estamos derreados. Ás vezes  arrecuava. E eu logo lhe dizia:
-Ah! Nem adregues….livra-te ! Atão não dizas tu que peixe que passa a borda…já não sai. Vá maneia-te, antes c’a maré vire.
 
- Ah! Ti Zefa que você deve ter sido chaleira de bom lume, atirei eu….
-Olhe amigo: se não há bom lume assoprasse-lhe. A carne não é como o peixe: é pecadora. E só um santo de pau carunchoso é capaz de resistir ósdepois dos louvados (lambiscos está Vossemecê a entender?)
-Ora...ora... se entendo. O pecado foi a melhor coisa que o homem inventou depois que Deus (um bom sarrazina), dele se fez desentendido.
SF (Maio 2013)

            Os nós da vida.... ..  INQUIETUDE... A VIDA COMO ELA É ...  Neste cantinho recomendado que, a natureza prodigalizou, e que a e...