quarta-feira, maio 21, 2025

 (do livro PREIA-MAR)


DUNA


A verdade era que,

Aquela música sensual ouvida,

Ritmada com a vaga a enrolar,

Na areia da praia parada,

Parecia ser uma ordem

Para que os corpos se alinhassem ao comprido, 

E cumprissem a razão da sua diferença. 



Amei muito ao som da música (enlevo do mar). 

Quando disso me recordo,

Não choro de saudade. 

Ergo uma taça, brindo, e repito:


Oh! tempo bendito 

Tempo infantil;

De duna em duna

A sussurrar-te ao ouvido:

Ouves o mar a chamar por nós? 


E a duna foi a nossa cama florida

O doce colchão do nosso amor

Em festa....de vida nua,

No pulsar aflito sob a paz que vinha

 Do céu... 

E do mar que a areia de branco, debrua. 


SF



domingo, maio 18, 2025

 


         SIMPÓSIO  CÔRTE -REAL

Embora abalado com problemas de saúde, cumpri  aquilo a que me comprometera: estar presente e participar nas teses desenvolvidas no II Simpósio Côrte -Real,realizado na Biblioteca  Álvaro de Campos de Tavira, promovido pela Comissão de Estudos Côrte Real da Sociedade de Geografia de Lisboa 
Foi um Simpósio muito interessante que, naturalmente, teve o apoio da Câmara Municipal de Tavira. Tudo correu dentro de uma organização impecável onde pontificou o Almirante Alexandre da Fonseca, presidente da Comissão de Estudos Côrte -Real. Uma “navegação perfeita”.



O Simpósio teve momentos excelentes e muito interessantes, outros não tão relevantes,mas sempre a justificar a presença de muitos interessados.
Pela minha parte apesar de limitado, creio que as coisas me correram bem. Julgo que a posição que defendo há muito, está mais consentânea com a realidade da Exploração do Nordeste do Continente Americano.
O livrinho que apresentei  no Simpósio, está ,para os que possam estar interessados em adquirir (porque o julgamos de importância  justificada)a disposição, pedido  directamente ou ao CASCI.


 

E durante o evento só me vinha à cabeça a falta de capacidade da CMI de Ílhavo em realizar o SIMPÓSIO DA PESCA DO BACALHAU (repetido anualmente ou bianualmente),  trazendo a Ílhavo figuras de destaque, estudiosos desse período, interessados em  dar conta da sua visão sobre  partes da história ainda empoeiradas ,discutindo-as como merecem, mesmo nos capítulos ainda resguardados, ou. ainda enovoados.  Arrastando o nome de Ílhavo para os títulos informativos da comunicação social, relevando a preponderância das nossas suas gentes (juntando-a  muitas outras que. nela participaram as quais, certamente , nos trariam visões diferentes da que comumente temos)

Veremos se os próximos Autarcas tomam atenção a esta sugestão que, reputamos, do maior interesse.


             Senos da Fonseca


Nota:estas fotos foram captadas por ilhavos presentes)
 




quarta-feira, maio 07, 2025






E cá vou resistindo......


 Tenho de me curvar, e aceitar com enorme relutância, e(muito) pouca resignação ,os estragos que a longa vida(que todos demos por impossível) são  visíveis. Começo a ser uma sombra de mim mesmo.

Tento resistir.

Estes últimos tempos foram de um trabalho louco. Começar às nove ,e entrar noite dentro até às duas,.....tr~es....quatro da madugada, foi o meu dia a dia deste início de ano.

Porque perdi qualidades, certo é que hoje demoro a fazer as coisas e enervo-me com extrema facilidade.

Tinha de acabar a “ Monografia do Barco Moliceiro” a história dos duzentos(....) anos do Barco Moliceiro (que começa no primeiro tipo aparecido Séc. XVIII que, mostrarei em plano geométrico  e em modelo materializado) onde sistematizo todo o historial deste ex.libris lagunar ,numa abordagem diferente de tudo o que foi feito até hoje. O livro, cujo parte gráfica (Rui Bela) foi imensamente trabalhosa, teve no final, surpresas que me obrigaram a abordagens (aprendizagem )de novos saberes,  inéditos. Será apresentado no MMI no próximo dia 21 de Junho.


Ora quando estava praticamente na recta final eis que aparece(no início do ano) um convite a que não pude (nem quis) eximir-me. Bem pelo contrário.

E assim, se a saúde permitir(vá lá só mais um bocadinho!) lá estarei em Tavira no IIº Simpósio Corte-Real, organizado pela Sociedade de Geografia, a defender algo que há muito tento provar .O  início da pesca do bacalhau nos mares da Terra-Nova pelos portugueses, comumente aceite ,pelos historiadores, ter acontecido  no Séc. XVI, terá acontecido ,sim, muito antes : Séc. XV  (ou até mais cedo)





                                                                                       

sábado, abril 19, 2025


 

Os Borda-d’água


A discussão em volta do círculo onde se fazia o repasto: – porque aquela gente das Companhas não se sabia fazer ouvir baixo, fosse porque quem fala alto tem sempre razão, fosse com medo que o marulhar do mar lhe comesse os sons e lhe «abortasse» a ordem, versava não só o azar ou a sorte da pescaria do dia, as peripécias do lanço, mas e também, as previsões sobre o tempo que faria «amanhã». O pescador sabia ler o tempo e ver nos sinais que vão acontecendo, deles retirando as conclusões para o que o espera, amanhã, em nova arremetida. É um saber adquirido – e transmitido – de geração em geração, passado de boca em boca, de pais para filhos, expresso em rimas a preceito.
Absorto, perscrutando insistentemente o mar e o céu, barrete enfiado na cabeça, escupindo o sarro que lhe unguenta a boca, atento na «lua trovejada augoirando que «trinta dias será molhada», espera que não venha com vento pois, é certo, «com vento do leste não dá nada que preste». A lua e as suas posições servem-lhe para calcular a prenhez da companheira, mas e também lhe indiciam o estado do mar: – «lua fraca»… «o tempo irá mudar», pensa… e logo inspira a cachimbada, sorrindo-se do tempo adivinhado.
Se o «vento norte é rijão, chuva virá à mão»; se for, «de inverno sim, de verão não».
Se ao pôr do sol estiver «vermelho no mar»… certo que haverá «sol de rachar».
Quando lá longe vê uma ave que se aproxima e lhe desperta a atenção, logo conjectura: «em terra a gaivota… é que o temporal a enxota»… ; mas se descortina «estrelas a brilhar», então, «marinheiro, vai p’ró mar». Se «a manhã vem com arco»… «mal vai o barco»; mas «miragem que espante»… teremos… «vento de levante». À noite «trovão solto, no céu reboa»… violento temporal, nos apregoa»…
Dá de «emborcar» mais um copo, mas com tino, pois «quando ao pescador, dão de beber», ou já está moído, ou o vão moer».
Eis que a «aurora surge rubra»… é… «vento ou chuva»… ; se «primeiro chuva, e depois vento», à cautela mete dentro»; mas se o «vento vem antes da chuva»… deixa andar que não tem dúvida».
Interrompe o linguajar para olhar o sopro do vento pois sabe que, «volta direita, vem satisfeita»… ao passo que… «volta de cão traz furacão». Não tem muita importância, pois «sardinha de Abril, pega-lhe no rabo, deixa-a ir» e mesmo «não é boa a solha que o pão não molha».
«O vento é de rachar»… aguarda, pois «depressa deve calar».
Dia para ele é aquele do «rosado sol-posto, cariz bem disposto», bem diferente da «vermelha alvorada… que vem mal encarada», pois que «lua à tardinha, com seu anel», dá chuva à noite, ou vento a granel»; é tempo de amarrar o barco e ir-se abrigar, que «barco amarrado não ganha frete».
Se há «arco-íris ao anoitecer», certo é termos «bom dia ao amanhecer»; «arco-íris ao meio-dia», é certo, «chuva todo o dia».
Tudo ao pescador/Arrais serve para ajudar na previsão: o marulhar da onda, o das nuvens, o seu esfarrapar ou o seu engrossamento; os cinzentos claros ou escuros das massas de algodão indicam- lhe as probabilidades do lanço de amanhã. O Arrais é o guardador do rebanho. Inventar palavras para o descrever(?!): para quê se já foram escritas as mais belas, por Maia Alcoforado, vertidas com o coração, pois, quando falava do mar, Alcoforado sentia o cachoar enraivecido das suas águas batendo contra a muralha do peito, aniquilando-lhe as saudades.

Do «Arrais» disse:

“Barrete negro, da cor dos aguaceiros, encafuado na cabeça até à encapeladura das orelhas, de borla caída a um lado sobre o ombro, a pendular sorumbática despretensiosa ironia…
Cachimbo à amurada golfejando novelos de fumo em espalhafatosas cabriolas, que até pareciam de carvão a arder na fornalha enorme dum navio de longo curso.
E a embrulhar-lhe o peito, mais rijo que um cepo, o blusão de flanela salpicado de cores, onde arrecada a onça mail’o cachimbo, os lumes e o lenço d’Alcobaça – quase tão grande como as bandeiras do “mariato.



domingo, março 23, 2025

 





(Do livro « Filinto Elíseo-O POETA AMARGURADO)


------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

A história da fuga dos pais de Manuel do Nascimento

(futuro Filinto Elísio) para Lisboa

A cena passa-se na borda da água, onde se percebe uma embarcação em preparo de viagem. Manuel Simões, de manaias, camisa ao xadrez, descalço, barrete pousado no ombro, está a embarcar sacos, a estivá-los no fundo da embarcação.


Maria Manuel (avental garrido, xaile traçado e preso na cinta, canastra sobraçada entre o braço e a cinta) entra claramente esbaforida.


Manuel Simões

Que é lá isso?!… vens p’rá aí desentoada, com uma guita maior que o reçoeiro do «Ti Esse»… . Que trazes tu na alma, por raios e coriscos? «Inté preces» que viste lobishome, mulher inquieta, de corpo e brilho faiscante no teu olhar de mar, sempre às voltas… sempre às voltas.


Maria Manuel

Pois se te parece, …não é para menos. Olha (!) vim da Ti Josefa «Aparadeira», que me garantiu as minhas desconfias: estou grávida, Manéu! E agora? (mal o Manel ia para começar a falar, atalhou) – olha amigo, não… não estragues a tua vida por mim. Os teus não me querem, e não vale a pena pores-te de barréga com eles, por mor de mim…


Manuel Simões

(Manel, agarrando a Maria e cingindo-a a si, com alteração de tom de voz, irritado…)

É!… . que é lá isso. A mim ninguém me estraga a vida. Eu não vou fazer a vida com a minha mãe. Ela é que tem de Te aceitar. E sem banguinisses…


Maria Manuel

Pois… mas começam logo, nos diz que disse, que eu era uma bardaleira estouvada, que não era mulher de boça… olha vai ser um palratório por essa borda abaixo.


Manuel Simões

O raio… é que vai. Olha estou cá a inquisilar: p’rá semana vou levar a enviada, «Manuel do Nascimento». Tu, se não tens medo, vais comigo. E eu que já andava com ela ferrada há muito, se o pensei, melhor o vou fazer. Maria!… vamos ficar por lá… . Isto por aqui não interessa a ninguém, e muito menos aos que vão nascer.


Maria

(Maria libertando-se e levando a mão ao peito, como a se inquirir)

Medo eu, Manéu?!… nem ó vida!… nem chari-lo. Leva-me para o fim do mundo contigo, que eu vou a cantar «corre corre ligeirinha / vai mai-lo teu amor / quem tem medo fica em casa / quem ama vai tratar da vidinha». Vamos homem da minha vida. Ai rico: perco-me nos teus olhos, mareio-me nas ondas do teu cabelo, vivo para te ouvir chamares-me: – Maria!


Manuel Simões

Combinado, prepara a trouxa, e terça, vens aqui ter. Arrancamos com o sol, e vamos por aí abaixo.


Maria

(fazendo um gesto doce, como que envergonhada pela revelação)

Olha e como se vai chamar o rapaz?


Manuel Simões

Eh!… mas como sabes que é um rapaz?


Maria

Atão não sabes que as crianças feitas à beira mar, são sempre rapazes? Lembras-te que a lua estava redonda?


Manuel Simões

E que nome vamos pôr ao «verdugueiro»?


Maria

Olha!… como disseste que o barco se chamava?…


Manuel Simões

«Manuel do Nascimento»…


Maria

Pois aí tens… . não podia ser melhor. Vamos. Adeus… (encostando-se ao ombro do rapaz, despedindo-se, beija-o com ternura e paixão. O sol desaparece e a lua espreita lá na serra derramando uma luz ainda adormecida sobre a área lagunar. Tempo para num surdo murmúrio o mar se fazer ouvir, num quebra mar suave ao espreguiçar-se no areal da praia.)




2ª Cena



(Cenário representando a mesma embarcação. Apenas o lateral, onde se pode ler, à proa, «Manuel do Nascimento»; só que agora, a navegar, no mar. Na embarcação vão embarcadas duas figuras: Manuel Simões e Maria Manuel. Simulada, a vela está erguida, fazendo parecer que a navegação se faz em alto mar)


Maria

(lançando um olhar sobre os longes).

É lindo o mar! Será que é nesta imensidão, neste azul tão azul, onde nos sentimos intrusos, que encontramos a paz com nós mesmos? Ah!… se o mar nos engana, quem na vida nos alenta? Sabes, meu homem, gostava de ter aqui um ramo farto de camélias brancas para oferecer ao mar. Ao oferecer-lhe o ramo, queria ver o vento roído de inveja, ao vir cheirar a doçura da flor. Aqui, parece que sou imensa; do tamanho que enxergo, e não da pequenez, que realmente sou. Quero levar comigo, e com ele sonhar, o último horizonte: o teu filho. Tão longe, tão longe, parece-me que o sinto. Estou perto, sou eu a fonte.


Manuel Simões

Eh!… rapariga tu hoje estás poeta… ainda pegas o vício ao cachopo…. E ele em vez de trabalhar, vai é papaguear para os salões dos coroados, da «porcalhota»…


Maria

(apontado o longe com dedo)

Olha homem (!) como sabes nesta imensidão, descobrir o caminho certo? São aqueles pássaros alados que to dizem?


Manuel Simões

Não, Maria: tenho aqui um relógio de sol que me diz para que lado vou. E de noite te direi o resto. Vá… tira lá uma bucha, que já tenho o estômago a dar horas.


(Maria, célere, estende um pano, tira de um pote de barro uns rojões e, de uma saca, umas padas de trigo. Destapa uma bacia, aonde, por entre uma molhanca alourada, acremente avinagrada, se descortinam uns peixes de escabeche. Tinha, aspecto e perfume, de enloilar os deuses do mar esfomeados. Comendo vão falando, enquanto Manuel tende a ostaga, retesa um pouco a escota, e fixa o rumo. A luz desce, e é quase noite. Aproveitando a aragem nocturna que sopra para terra, a embarcação avança rápida. Ao crepúsculo, Manuel indica a foz do Mondego, lá ao longe, nas três milhas de resguardo. O vento moderado, batia-lhes nas ideias e inundava-lhes a secura humana do afastamento. Cada vez maior. Terão saudades dos que ficaram? Talvez… mas que interessam essas saudades para a nova vida que procuram (?!).


Maria

Manéu!… agora, de facto, a vida parece-me um tresmalho emaranhado. Tem sentido se o estenderes todo. Como fica depois de cada lanço, é, apenas e só, um novelo.


Manuel

Olha Maria: eu por vezes sonho demais. E é – eu sei lá(?!) – esse sonhar em demasia, que me retira o ser totalmente feliz. Olha! a vida é como esta viagem:– cheia de solavancos. Mas contigo a meu lado, eu sei porque a quero viver. Se aqui não estivesses, sei lá por onde andariam os meus sonhos.


(De manhã, cruzam Nazaré. E pela tardinha, antes de anoitecer, vislumbram as ilhotas lá ao longe. A aragem da noite a refrescar, é daquelas que não apaga, antes atiça, a paixão. Incendiando os corpos…

Maria aconchega-se e enleia-se no corpo do Manuel. E vogam os dois, corpo dentro do corpo, abraçados naquela bela e tranquila noite, sob um céu de Abril onde as estrelas pareciam pirilampos esfogueados. E apenas o marulhar quebra o doce gemido dos ais. É tão grande este silêncio circular, rente ao mar, onde tantos por lá ficaram mudos e quietos, que apenas se ouve um sussurro arrastado)


Maria

Quem te ensinou a falar com o vento, amigo?


Manuel Simões

Foi o coração. Que cuida de tanto o olhar e sentir… Parece que nunca chego a desembarcar dele. Os seus anúncios, neste sáfaro oceano, nem sempre saem certos. Às vezes o decifrar, sai-me às avessas E então, é o caldo entornado. Zangamo-nos, eu e ele, e é um «mar de aflições», até que lhe passe o escarcéu. Ando dois dias sem lhe falar. É… é difícil de entender o vento! Muda mais vezes que uma mulher…


Maria

Ei… …eh! raios: o que estás p’raì a blasfemar? Olha Manel as viages são sempre assim sossegadas?


Manuel Simões

Nem sempre… nem sempre (como que a recordar). Na última, o meu moço esqueceu-se da almotolia do azeite. Chegados à Barra, já que tínhamos de esperar pela maré, mandei-o à vila, a buscá-la. Vá maneia-te antes que chegue a maré: disse-lhe eu. Mas demorou tanto, o simprinhas, que eu, com medo de perder a maré, larguei sózinho para Lisboa. Disse-me, quando voltei da viagem, depois da pregação que lhe fiz e de uns cachaços com que o abanei, que só terá pensado: então o sr. Mestre, não esperou, e vai sem o azeite? Na viagem, sózinho, apanhei trabuzana desarcada. De saltar, encabritar, e tive mesmo de entrar em Peniche, nos limites. E o raio do malino, só preocupado com a falta que me fazia o azeite. C’atè ele (!)… o zamparilhas… fundeou por ali, até ao meu regresso


Maria

E não tiveste medo, sózinho?


Manuel Simões

Ora vai-te… …qual medo (?!): um barco é feito de tábuas, as tábuas não vão ao fundo, logo, raio (!), um barco não vai ao fundo.

Olha Maria: o mar é meu amigo; o mar é sempre amigo dos que o respeitam. Aos homens, bem os podes desrespeitar. Cortam os chavelhos e não se vê. Mas o mar, esse (!), se lho fizeres, perde-te o completo respeito. Há barcos pequenos que levam gente de grandes sonhos; e há barcos grandes que trazem gentes, já sem sonhos. Um barco carregado de sonhos é mais leve. Carregado de desilusão, até lhe apetece ir para o fundo. Vá… vai descansar, que amanhã estaremos em Belém a entregar o «Manuel Nascimento».


Maria

Vou sim Manuel, mas deixa-me perder o olhar errante neste pôr de sol, e deixa-me agradecer à natureza esta viagem. Quero sonhar com tudo que me encheu os olhos e a alma; quero, a sonhar, rever tudo o que vivi e tudo o que senti, mas de um modo ainda mais límpido que este azul do mar que vem lá das suas entranhas. Quero voltar a adormecer à porta da infância.


(e recita olhando o mar, o oiro da luz brilhante do pôr do Sol refletido nos olhos meigos, de um verde d’água inocente)


Fim de tarde ao acaso

Pintada, nem eu sei por quem

Nunca vi tanta cor, tanto amor

Sem gritos ou palavras, tanta alegria,

O mundo me parece fantasia


(Aconchegada, Maria enrosca-se no corpo de Manel, que a envolve como dobra do lençol; dos lados de terra vê-se já, surgir a luz loura do luar, a serpentear na ténue agitação do mar).

Quando acorda, Maria Manuel, de repente, dá-se conta que está no Tejo; vê a Torre de Belém de que tanto já ouvira falar, e sente uma espécie de despertar da alma, ao vislumbrar, nas redondezas, inconfundíveis «ílhavos» que carpinteiravam nas suas embarcações, carenadas. As suas gentes! Deslumbrou-se com a imponência, a lindeza do Jerónimos… …Sol de pouca dura, pois foi a breve trecho solicitada para dar um salto à proa, para o passar cabos. O que fez sem se fazer rogada, ou sequer acanhada. Depois foi anichar-se contra a antepara do castelo de ré. A cidade de que tanto, por outras bocas e desde menina, ouvira descrever, parecia-lhe húmida. O fresco da primavera parecia-lhe mais intenso do que o da sua terra. Do outro lado a margem. O que seria? uma ilha? não sabia… . Talvez mais tarde… o tempo parecia que ia mudar. O estai da frente paneou… . bateu forte, e fez estremecer o «Manuel do Nascimento», empurrando-o contra a muralha. Maria, levou a mão ao ventre, e logo se interpôs a tentar evitar novo assalto. O “barco era já” o seu Manelito, e ela queria protegê-lo de todos os embates.

Manuel tinha um grupo aguardando a sua chegada, para entrega da embarcação, documentos, e lista de carga)


Maria

(espantada seguindo com o braço o horizonte)

Olha: Lisboa, parece ser mais aldeias encalavitadas, que bairros como os nossos. Longos braços a desceram daquela colina abaixo. E tantos… tantos… campanários. Olha Manel! parecem bafientos… abandonados. E as gentes? As gentes do império? Fugiram?… .


Homens da faina no cais

(falando para o Manel)

Então… e a viagem? Que carga trazes contigo?… …parece bem derreada… Que tal é a embarcação?… arrastada ou ligeirinha?


Manuel Simões

Maneirinha… do melhor… saído dos estaleiros do mestre Caramonete. O barco é uma maravilha como todos que saem das mãos do afamado mestre caraveleiro, o Caramonete que, com enxó, é capaz de fazer, de um pinho, um palito.


(Pelo braço do Fragateiro Real, o Manuel foi puxado para o interior do armazém. Era tempo de conversa a sós. O João Fragateiro, assim se chamava o mestre, abriu um mata-bicho. Sentando-se, entregou as quatro moedas de ouro, preço aprazado para a viagem de «varar o mar», que só os “ilhos” tinham a ousadia de fazer. E logo se preparava para acertar um novo “varar o mar”, o marear de uma outra enviada vinda lá da laguna, quando o Manel o interrompe, cerce…)


Manuel Simões

Não mestre. Ó’esculpe…: mas olhe!… quero mudar de vida. Vou ficar por aqui, tentando a minha sorte. Mais caseiro… claro. Para isso trouxe a mulher. Vou assentar arraiais aqui, botando-me à sorte. Aquilo lá por cima, com as águas inquinadas, vai uma mortandade. A vida na ria morreu. Tanto prometido, e tão pouco dado. Deus foi avaro. E até ingrato, com as minhas gentes. Vou tentar as companhas da tarrafa…  Sempre deve haver lugar para mais um: tenho bom corpo, e conheço das artes aboiadeiras. Estive muitos anos na Xávega. Sei ler o mar, e sei descortinar-lhe o arrepio dos cardumes.


Fragateiro real

Olha Manel! Que vens acompanhado – e que a companhia é um hino à beleza, luxúria para os olhos, tentação para o corpo – isso já eu tinha visto. Não rapaz… eu não sou cego. Guarda-a, pois emproados como o da tua mulher, são raros. Mas olha: se então o que queres, é ficar por aqui, sempre te digo que cada vez há mais embarcações a descarregar no porto de Lisboa. Vindas dos brasis, das índias, a trasfegar para toda a Europa. Eu – fragateiro-mor, real – preciso de gente hábil para trabalhar com o carreto, a carregar e a descarregar os navios. Se quiseres o lugar de mestre de uma das fragatas – olha!… a que trouxeste – é para ti. Sei o que vales. E enquanto não arranjais pousio, telhado, a mim foi-me concedido habitar na casa da Ribeira da Naus. Desta idade, sózinho, se quiserdes, podeis lá ficar comigo, até se governarem. Tu e a tua mulher. Como se chama, ela? ah! …já sei: ouvi-te chamá-la de Maria Manuel… bonito nome, em bonita mulher, rapaz(e sorri abraçando o Manel).


Manuel Simões

(separando-se do Fragateiro)

Pois aceito mestre; é muita bondade sua. Bem as coisas começam a bulir, e o Manelito do Nascimento, vai nascer em boas palhas… . reais… .


João Manuel

Que dizes… não entendo… o nome não é o da embarcação que trouxeste…? É… não é…?!


Manuel Simões

– É… é!, mestre; mas é o nome, também, abotado ao filho que a minha mulher traz na barriga. E olhe: – Vossemecê vai ser o padrinho.


Fragateiro Mor

– Serei… serei, …Manel, para inveja de umas sobrinhas, pedinqueiras, que andam a fazer as contas ao que o meu suor ganhou.



Senos da Fonseca




sexta-feira, fevereiro 21, 2025


  TEMPO DE REFLEXÃO


Dirão uns que pretendo com este apontamento «imitar» Alberto Souto com as suas 101 ideias para "Um Futuro para Aveiro ».Se falarmos em motivação,,,incentivação ....etc,talvez. 

Creio que, contudo, aqueles que me conhecem mais de perto, constatarão e podem testemunhar que, há muito – mesmo muitos anos – venho insistido na necessidade de se dar uma volta a Ílhavo, virando o seu alinhamento histórico, perpendicular à ria, para um novo alinhamento urbano ribeirinho, paralelo ao Canal do Boco.

Estão aí anunciados os candidatos às próximas  Eleições Autárquicas que acontecerão este ano. Resolvi expor (concentrando) as ideias que venho defendendo, algumas visando uma ligação mais intensa e mais inclusiva das Gafanhas. Certamente que, às ideias sugeridas, os gafanhões terão eles, mais sabedores e com conhecimento mais próximo dos problemas – de acrescentar (ou reinvindicar) ideias para criar  um novo futuro.

Aqui vai, pois, a minha reflexão sobre como, não num mandato, mas em dois ou três, (os necessários) se poderia dar nova face ao  novo « ilhavo », agora sem o mar para procurar novos designios


------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Ílhavo e os Novos Desafios


1- Estudo das vias (por este e oeste) que permitam libertar o centro da cidade de movimento de veículos em trânsito.

2- Criação de um Plano de Urbanização  abrangendo a zona ribeirinha, que vá da Ponte da Água Fria, à Coutada, com a criação de uma centralidade (soberana) na Malhada, onde, no local da antiga Seca do “Milena”, seria instalado um Centro de Lazer /Hotel.




3- Aquisição negociada de todos os edifícios (estabelecimentos) sitos na lingueta do antigo “Peixoto” ao edifício ”Rocheiro“. Criação de um jardim público na continuidade do jardim Henriqueta Maia.

4- Recuperação e requalificação do edifício do antigo Colégio.

5- Aquisição e terraplagem de todos os edifícios sitos na chamada” garganta dos Amadores”, criando zona verde paralela à área do ponto 3.

6- Negociação/aquisição para instalação na casa “Henriqueta Maia”, de um centro cívico polivalente.

7- Estudo de requalificação do “esteiro da Malhada”, e do terreno anexo, até ao acesso à Ponte de Juncal Ancho, para fins de lazer com o aproveitamento lagunar.




8- Negociação com o proprietário, para aquisição (se possível?) do terreno da antiga “Seca  Abreu”,(hoje Pacoal ) para instalação de um Parque Desportivo Municipal/ Multiusos, Forum ou outro.

9- Libertação da zona histórica da cidade de circulação /estacionamento, de viaturas automóveis. Edificação de quatro parques de estacionamento de proximidade dessa zona que permitissem albergar viaturas de não residentes e visitantes. Criação de um sistema de transporte não poluidor, rápido, eficiente e constante (período a fixar)

10- Recuperação (privada ou camarária) de edifícios “históricos” degradados.

11- Estudo plano de aproveitamento da área da  Malhada contigua ao esteiro (recuperado ) como área (e infra estruturas) para espectáculos, festivais com elevada dimensão, retirando estes da área central da cidade. 

12- Plano para localização de espraiados lagunares contíguos a áreas de  habitabilidade (sempre desenvolvidas paralelamente  ao designado Rio Boco).

13- Plano para tratamento urbano de toda a zona ribeirinha oeste, desde a Gafanha da Boavista à ponte da Gafanha da Nazaré.

14- Plano urbanístico que vá da Avenida da Srª do Pranto até às Moitas onde se inclua forte componente de habitação social.

15-Criação de uma extensão da AHBVI na Gafanha da Nazaré (especialmente e desde logo serviço ambulâncias)

16- Criação de um plano de apoio às Instituições (Associações) concelhias, apoio fixado em planos anuais apresentados e avaliados por Comissão a constituir para o efeito.

17- Instalação de uma extensão do MMI, sita na Costa Nova, para instalação do Museu da Ria e das Artes Grandes (embarcações, artes, história).

18- Criação (participação de privados) de passeios lagunares no Canal do Rio Boco, tendo por base o esteiro (requalificado da Malhada), entre Vagos – Gafanha Nazaré (e até Costa Nova) com programas de visitas acertadas ao Museu Vista Alegre, Museu Marítimo de Ílhavo e Museu da Ria e das Artes Lagunares (a criar).

19- Negociação/aquisição da Quinta dos Moimentas para um Plano Habitacional em a desenvolver (etapa a etapa).

20- Estudo de requalificação da Rota das Azenhas, com a um programa de reedificação das mais notáveis.

21- Estudo conjunto com a Junta Freguesia da Gafanha da Nazaré para criação de uma centralidade citadina.

22- Estudo e construção de uma réplica de um lugre de madeira da pesca do bacalhau, recuperando a história da construção naval da Gafanha da Nazaré. Criação de um centro Histórico interpretativo da Saga Bacalhoeira .

Senos da Fonseca (.Jan 2025)


PS – Muitas destas propostas foram longamente discutidas com o meu amigo arq. José Paradela, chegando a pensar-se apresentar um plano simples, mas elucidativo, para os pontos 2) 8) e 13), entre outros.


segunda-feira, fevereiro 10, 2025

  Maria de Jesus, a «  PINTA-CRISTOS»



A Maria de Jesus Neves, universalmente conhecida por «Maria Pinta - Cristos» na sua Terra, era uma boa mulher. 

A Maria de Jesus, muito conhecida, costumeira reparadora de imagens de oragos, espécie de cirurgiã esteta-ortopédica graças a uma invulgar habilidade, tinha solução para conserto de toda e qualquer maleita que, por desmazelo dos fiéis ou por maladia vinda com o passar do tempo, atacasse ainda que mesmo, «aqueles» em quem, habitualmente, se procurava remédio para as humanas desditas, mas que, coitados, só faziam milagres em casa alheia. Para isso os clérigos da região, e até os de fora, procuravam a curadeira de santo, pois como veremos a fama da Maria ultrapassou as fronteiras da nossa santa terrinha. Maior que a dela só conheci a do «Ceguinho» …
A Maria «Pinta-Cristos» tinha o seu atelier, ali no Beco que hoje ostenta o nome da Prof. Maria Vidal -que ao tempo ainda nem sequer ali morava –, mesmo em frente à casa dos meus avós, Vão já lá muito mais que dez mãos, de anos. Miúdo, ia sentar-me no rebate de granito que dava para o ambulatório de santo, seguindo com curiosidade as suas «intervenções»: braços, pernas, cabeleiras, retoque de narizes, acentuar das bocas celestiais, e até novo design para a reparação dos mantos dos oragos; todos (e tudo) …que, entrassem  envelhecidos e ou alquebrados, saíam das suas mãos, prontos – se esses mundanismos já então se realizassem – para concorrerem a uma quaisquer «Sky Fashion ».
Era muito simpática, a Maria de Jesus:  baixota, bonacheirona, sempre muito escofenada, sempre a bulir, cara marota muito redondinha de onde se salientavam duas maçãs camboesas muito vermelhuscas, a adoçar-lhe o rosto, a Maria dava indícios de ter sido, em nova, uma muito bonita e atraente mulher. Sempre de xaile preto impecavelmente assente, maleta na mão onde levava os santinhos para despacho ao recoveiro, lá ia muito afogueada e cumprimentadeira, num passinho miúdo, muito rápido e ágil, rua abaixo, lá para as bandas da “Praça”. 
Mas de onde teria vindo a sua fama, badalada de paróquia em paróquia?
Vamos lá contar o que ouvimos contar num seroar daqueles tempos, em noite de trovoada,  sentados em cima dos cobertores de papa, luzes apagadas, apenas iluminados por um daqueles candeeiros de petróleo de chama bruxuleante e mortiça, no intervalo da reza, rogando intercepção de protecção, a Stª Bárbara, enquanto no fogo se punham a arder raminhos de alecrim retirados ao bouquet pascal, muito próprios–entendia-se–para protecção a raios e coriscos.        
Ora um certo dia, apareceu à Maria «Pinta-Cristos» o cónego Justino Belchior, da Murtosa, trazendo uma Srª do Rosário que, apresentava forte traumatismo craniano com mossa avultada na cabeça, sem cabeleira própria de senhora dos céus.
O Pª Justino deixou a santa ao cuidado da Maria que, desembaraçada, logo encontrou meio de fazer uma craniotomia, para o efeito enxertando uma batata (jovem) na cabeça da dita, fixando-a na terra cota por fios barrentos. Depois de tudo bem amaciado, a Maria reconstituiu, amaciou, alourou e encaracolou os fartos e caídos cabelos da Senhora, sobre os quais depositou a aura que pareceu rebrilhar ainda mais.

Foi a Santa colocada na Igreja da Srª da Natividade, na Murtosa, onde os devotos fiéis admiraram e elogiaram o trabalho dos liftings levados a cabo pela reputada esteticista.
Era o tempo em que, acabadas as sementeiras do batatal, começava a despontar das areias revolvidas por suado empenho daquelas gentes da beira ria, um viço verde-escuro sobre o qual se faziam opinativas previsões. À cautela ia-se junto dos santos pedir intervenção para que a época fosse frutuosa, bem diferente da do ano anterior. Não se augurava nada de muito bom. Os terrenos continuavam encharcados pela danada da ria, e por mais moliço e escasso que se lhes despejassem em cima, por maior revolto que com eles se obrasse, parecia que aquelas areias sujas do lodaçal, não havia maneira de se tornarem ventre frutuoso.

Ora um belo dia o sacristão, intrigado, veio alertar o beato de que, ali, mesmo debaixo do tecto, havia milagre. Da cabeça aureolada da Srª da Conceição, despertava viçoso pé de batatal que dia a dia parecia crescer. O abade Justino Belchior logo foi inquirir e não foi preciso sherlockolmear muito para se aperceber da marosca. Tipo esperto, sabedor que para a produção de fé, um simples acontecimento estranho tem mais efeito que mil sermonários, anteviu, ali, um belo instrumento para a evidenciar. E por outro lado, sabe-se lá, tirar os seus proveitos, obter alguma prebenda, para quem como ele, simples abade da vila, tinha levado uma vida a pregar com os bolsos sempre vazios, a exalçar ser  dos pobres  o reino dos céus, o que convenhamos, é boa prática a recomendar ,mas má para usar.   
É certo que ao tempo ainda não havia internet. Mas soprado de boca em boca o milagre, as gentes começaram a acorrer á igreja, para ver, com olhos de ver (!), o anúncio, do que diziam ser os sinais de um bom ano de colheita.
E logo o interesseiro Belchior percebeu que estava ali o seu S.Martinho. O S. Martinho do passal paroquial. E se o pensou logo o insinuou:

- Que sim senhor, mas que era aconselhável ¬- dizia - trazer umas dádivas para melhor conquistar a mandadora dos sinais. Que nisto de santo há-os mais agradecidos e os interesseiros....

E o certo é que por coincidência – ou outra coisa --- lá que as há …há… – nas terras  gafadas, o desenvolvimento da palha do batatal prenunciava colheita como há muito se não via. E foi um carregar para ofertar à Senhora; sacadas de milho e batatas, frangos, carninha do bácoro recentemente esganiçado, esmolna em moeda de lei. Enfim, tudo o sacrista recolhia ,animoso que o Sr. Abade se lembrasse, neste fastígio de fartura, do seu acólito.
O celeiro encheu; e até verteu fora, dando para ir ao mercado, a Estarreja, para mercadejar o excesso e, desse modo, recolher o suficiente para comprar uns tarecos lá para a casa do pobre cura, que, coitado, também era filho de cristãos, e de há muito ansiava por uma sédia onde pudesse abusacar-se finda a jorna espiritual, na sombra do seibão do passal.

Época feita, apurada a colheita, o povo andava cada vez mais chançudo na sua Senhora; e achava que Lhe deveria ser grato. Por isso, sempre que ia de visita, levava-lhe espórtula  que deixava na caixa colocada para tal fim, aos pés da santa.
Espantoso foi que, terminada a colheita,  de um dia para o outro como que por milagre, o batatal na cabeça da santa, tenha desaparecido. O astuto Belchior, em noite azada, tinha extirpado o caule que grassava por entre o cabelame da santa, e tudo tinha voltado ao normal.
Triste andava o sacrista. Acabara-se o milagre, e para o ano as coisas não prometiam repetição, que nisto de milagres não se pode ser mãos largas e torná-los banais.
E um dia resolveu queixar-se ao cónego:

- Pois é Sr. Abade... Não há bem que sempre dure. Os bons tempos de fartura foram-se. Para o ano temos de voltar aos caldinhos, leves de conduto.

- Oh! zamparilha (!)...homem indigno do convívio com a santidade!.... descansa, homem - returque o P Justino Belchior, fitando a cara do azabumbado acólito - para  o ano o milagre vai ser o do milhal. Prepara o celeiro ,disse maroto, o abade Belchior que, nos entretantos já  tinha vindo a «Ívalho»,acertar com a Maria «Pinta-Cristos»– não fosse longa a lista de espera!–,a operação da trepanação a levar a efeito na estação do defeso,  consistindo  em substituir a batata por uns grãos de milho envoltos em cera de grilo, muito apropriada para derreter no momento certo .

E a Maria de Jesus nem percebeu as razões para operação tão esquisita, e até nem alcançou das razões porque é que o Padre Belchior, sempre tão forreta, lhe pagou o trabalhinho a dobrar. E que,ainda por cima, lhe deixou um saco de avantajadas batatinhas, tão agradecido se mostrou pelo bom trabalhinho feito pela «Pinta-Cristos».

O certo é que, fosse no segredo dos confessionários, quebrado, fosse em algum parlatório em fim de lauta jantarada, o certo é que a manha foi ao conhecimento de outros colegas do abade Justino Belchior.
E à Maria «Pinta Cristos» começaram a chegar os pedidos mais esquisitos para delicadas intervenções de enxerto cranianos, todas com uma particularidade comum: SER COISA DE GRELO ...
  
            Senos da Fonseca



 (do livro PREIA-MAR) DUNA A verdade era que, Aquela música sensual ouvida, Ritmada com a vaga a enrolar, Na areia da praia parada, Parecia...