quarta-feira, junho 29, 2011




À laia de explicação

Com este revisita à Xávega quis, no fundamental, perceber-ou melhor,dar-me conta - do que tinha mudado nestas ultimas cinco /seis décadas.De uma atiividade febril,juntando homens e animais na borda, cena que deslumbrou  Unamuno,que a classificou  como «a ruralização do areal»,já nada resta. Das  que Raúl Brandão  descreveu,magistralmente, verdadeiras telas impressionista encharcadas de cores vivas e quentes ,em que  o  homem liberto das  brumas é apreciado e glorificado,, em  pontilhados andantes, breves, fortes e fugases,já só resta a natureza. As plavras de RB faziam emergir  desses homens  a luz  cujas côres( as palavras) retratavam as emoções.Agora ( já) só pressentimos fantasmas geometrizados, envolvidos em côres desfocadas, plasmados  numa paisagem quase desértica na qual se esvaiem gentes e animais, de antigamente. Quase tudo mudou .Concluo eu, triste e (ou) nostálgico. Já só resta o alteroso e desafiador, meia-lua : do qual  delírios mais febris   evocam  dever ter sido «a nave em que os aqueus arribaram a Tróia.As naves homéricas».


Ora, ora: nado e criado aqui na beirada, queiram vossências acreditar,eu o juro 
Julgo que a melhor maneira, depois de descrito canhestramente o que hoje vivi,nada  melhor que aqui deixar a recordação das Artes  Grandes (a Xávega de antigamente),e deixar ao leitor paciente o tirar conclusões .O exercício que Vos proponho e para o qual quero contar com a vossa boa vontade ,foi feito,já lá vão anos -muitos!- para uma  finalidade concreta.Coloco em confronto os dois clichès.

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O Lanço na Xávega em outros tempos(Iª Parte)


Era um espectáculo que atraía multidões, postadas ou alapadas no areal a ver os preparativos, a observar curiosas, as decisões tomadas pelos Arrais a olhar o mar, a tentar decifrar os seus arremessos e enleios. E que depois, atónitas e espavoridas, e até incrédulas, a observar os empinanços do meia-lua a romper a vaga por entre um coro de gritos e imprecações, vozearias e esgares das mulheres especadas, hirtas, erguendo braços e face ao protector, a clamar piedade ao Divino, até o mar deixar de zangalhar o barquito que lá ia, longe, deitar as redes, à sorte.

 
       
                                              «O Barco de Xávega»


Era deslumbrante no seu todo, o lanço da Xávega. Começava com intenso movimento, uma espantável e louca azáfama enrolada no turbilhão dos gritos e imprecações das gentes. E continuada com o portentoso clímax da entrada no mar, do meia-lua. Viviam-se momentos de ânsia partilhada, aquando do «estripar» do saco permitindo ver o inebriante espectáculo do peixe em «faiscante» estertor; e tinha momento de ingénua gratificação para os mais novitos, na «recompensa» de poderem encher o «baldito de lata da praia», com um ou outro lacrau subtraído à rede. Para os graúdos ficava a abundância do pilado fêmea com que enchiam os nassos para, à noite, se empanturrarem com o saboroso pitéu.

 Mas tentemos a descrição do «Lanço na Xávega».Ainda  sabendo ficarmos longe de o retratar com rigor, por carência de fôlego e arte, para dele dar a grandeza impressiva do estendal das emoções que perpassam ao longo do seu desenrolar.
                                    
 
 O arrais

 
À ordem do arrais, embarcadas as últimas voltas das «calas»
                          

trazidas em rolos nos varapaus pelos moços da Companha, desfilava a rede em «estranha procissão», carreada aos ombros por toda a tripulação.

     

                                          




                           procissão


             



           Embarque da tralha   
                           

Entra primeiro «a manga», depois «o saco» e, finalmente, segue-se «a manga» de retorno.A «tralha» :-assim se diz na gíria da beira mar. É chegada a hora do meia-lua, com todo o aparelho a bordo se fazer à pancada do mar.
 Para o levar á borda  é puxado pelos bois para a sua beirada,

 
                                             Bois e homens na água


deslizando sobre tarolos que vão sendo sucessivamente apostos na sua proa. Chegado mais perto da rebentação, os homens de terra metem-se pelo mar até aos joelhos, e colocam a embarcação já muito perto do farfalho da maré. O Arrais - que não tira o olhar do mar esquadrinhando todo o seu movimento -, espera pelo período das «três vagas sucessivas», a que se seguirá um espraiado. Passada a última vaga, ouve-se o grito: é agora… é agora!…


     

          Homens e animais entrando no mar

A Companha, em terra, dá então o último empurrão com a «muleta» (vara com aguilhão) que enfia na bica da ré (no descanso da muleta).Ou à mão, utilizando as bossas da embarcação ligadas as «armelas» - num esforço hercúleo para desenvencilhar o meia-lua da areia, e, desse modo, o colocar a flutuar. Com o cabo da fateixa enfiado nos «golfiões», evita-se a «atravessadela» fatal.
 Eis que a primeira vaga vem beijar a embarcação enquanto se grita num esgar de vozes roufenhas: agora… agora !!!

… e  o meia-lua lá vai, mar adentro …

     

         ....e lá vai mar adentro

até se sentir que o barco já abóia. Os remos entram então na água tentando em luta desesperada chegar o mais rápido possível à segunda vaga. O Arrais, que não larga o «reçoeiro» já que este lhe serve de controlo para o correcto posicionamento do barco, de frente para a vaga (evitando assim a «atrevessadela» que seria fatal) ordena, invectivando: - temos maré… força… força… seus calões… desse jeito «aguilhoando» o amor-próprio dos remadores e «camboeiros». Por vezes o barco parte lesto demais; é preciso travá-lo; cia… cia, ordena o Arrais, para que desse modo, «borregando», se espere pela vaga. «Trilha!… trilha», grita então, dando a ordem para fixar o remo, e assim se «amainar» o impulso.

             

E eis que a montanha de água se abate com fragor na proa recurvada, altiva e desafiadora (!) do meia-lua, que se «encabrita» até às alturas, num ângulo medonho que chega a superar, por vezes, os 50/60 graus, ficando apenas apoitado de popa.

         
                                                  meia-lua encabritado

 O farfalho da vaga despedaçada pelo encontrão com a proa que a rasga, faz a água galgar e cobrir a embarcação, «esparralhando-se» por sobre os homens que não param de remar, pés retesados nas «recoveiras», em derradeiro supetão para fugir da quebra do mar. O Arrais, de barrete em punho, grita: rema, rema… estamos safos.

E o meia-lua, lesto, atrevido, toma o rumo do poente, lá para o largo, deixando atrás de si o «reçoeiro» que ficará «preso», entregue aos camaradas de terra.

 

                                   
                                       Juntas em «intervalo» 
Passada a pancada do mar - o ponto crítico de toda a manobra – onde se não percebe se é mais de enaltecer os bravos, se espantar com o seu demente atrevimento; ou tão só respeitar e admirar a intolerância da natureza agreste. Vencida aquela, o barco navega então em águas calmas, avançando compassadamente, parecendo espairecer do esfalfe da luta tremenda, desarcada e hercúlea; e lá vai empurrado pela força dos remos até ao calamento, momento em que, findo o cambo do «reçoeiro», depois de largado o saco, é tempo de «abicar» à praia. Não sem que antes se responda ao Pai Nosso reclamado pelo Arrais, que, cabeça descoberta, em acto de fervorosa prece, roga a intercepção do «Altíssimo» para que lhes conceda uma «boa pescaria», no que é imitado por toda a Companha.

Posta (toda) a rede na água ao correr do mar, está na hora de arribar. O «calado`» (espécie de segundo do Arrais, e seu prometido sucessor) vai largando o «cabo de mão da barca» até se chegar à praia. A manobra de aproximação é muito delicada, exigindo toda a atenção e destreza do Arrais, olhos permanentemente postos nas vagas que lá vêm. Se o mar é de lama, o Arrais ordena o volteio.E a embarcação vem nessa posição - de popa - varar (achapar-se) à praia, ficando de novo voltada para o mar, pronta para nova sortida. Se o mar está de «vagalhoça», o Arrais não arrisca; ferra «a volta na bica da  ré» e, de pulso firme, vai folgando ou retesando o cabo, conduzindo habilmente a manobra, «guiando o meia-lua» até encontrar a «folga da vaga» que permita varar de queixos, entrando pela praia dentro. A tripulação, lesta, salta para a areia, esfusiante de alegria; as parelhas de bois com o chicote solto - o «trambelho» - «chegam-se» para permitir enlaçar as guias, e assim, «alar» a embarcação, puxando-a para cima sobre os rolos. Para que depois de volteado - aproado ao mar - «descanse» bem lá no cimo da duna. Onde a maré não tem «esfolfe» para lhe chegar.

                                     

                                                                            meia lua varando de queixos

(cont)





















































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