segunda-feira, janeiro 13, 2025

 NA REGIÂO DE AVEIRO. NO BAIXO VOUGA LAGUNAR 

João Paulo Crespo 



O título do livro “Na Região de Aveiro. No Baixo Vouga” era já suficiente para me despertar a atenção e o incluir nas leituras diárias. Sendo da autoria de João Paulo Magalhães Crespo, colega a quem me liga, um conhecimento de seus progenitores, especialmente a seu Pai, eng. Magalhães Crespo, por quem mantive consideração e até admiração (porque um qualificado engenheiro), mais interesse me motivou fazer uma abordagem ao livro.




Li-o, pois.Sendo um livro  de memórias da actividade profissional do João Paulo M Crespo, exercida na Zona Agrária de Aveiro onde assumiu as funções do “Projecto do Vouga”, as memórias cronologicamente registadas e contadas, vão dos  primeiros passos de  intervenção no “Projecto de Execução  do Sistema Primário de Defesa do Baixo Vouga Lagunar ” (1991), até 2024, ano em que  termina a sua  actividade profissional, com o sentimento (esperança) perante o Concurso Internacional para a concretização da execução do referido plano que, finalmente(!!!), aquilo porque tanto lutou vai, finalmente, passar do papel a obra.

Ainda há pouco tempo elaborei um pequeno livreto sobre uma matéria que me despertou muita curiosidade: – o “Plano de Navegabilidade do Vouga”. Nascido no tempo de Pombal, foi  o  estudo da sua viabilidade, concretizado, no reinado de D. Maria.

Nesse plano era já aflorada a importância económica da zona do Baixo Vouga(3.000 ha)  provinda  dos seus férteis terrenos, onde a interacção  do homem com o meio geográfico(sempre em mutação na relação, terreno  com a água  do salgado lagunar) teve (e tem ) de ser constante para manter (e até melhorar) a produção agrícola do interland lagunar.

No livro de J.P Crespo, apercebemo-nos que, tal como naquele tempo já longínquo pombalino, as dificuldades burocráticas, o tramite dos processos num constante rodopiar por gabinetes, é desesperante para os técnicos planificadores proponentes, que ficam a aguardar, esperançosos, o “será agora que o “Vouga” vai avançar”.

Pelas páginas das memórias de Crespo, vê-se como as esperanças, quase por norma, repetidamente se finam ou, quando muito, se limitam a intervenções pontuais de amplitude muito reduzida.

O problema da subida e consequente extensão das marés, consequência do aumento das condições de acesso ao Porto de Aveiro (com notável incremento e com projecções que indiciam exigir o aprofundamento do canal de acesso e barra, a níveis até há pouco impensáv
eis),vai aumentar a necessidade de se tratarem as defesas das margens interiores, para manter uma gestão sustentável do solo e dos ecossistemas , evitando o seu encharcamento pelo salgado. 

Crespo esclarece na Agenda de Inovação para a Agricultura (2020) que,”sendo os agricultores os verdadeiros gestores do território, assumem uma especial importância  no baixo Vouga Lagunar ”.... e assim continuar a acreditar num sistema....simples de produção de um “regadio sem rega” ,em que a água salgada procura reclamar para si  o seu território e a “minha” teimosia  a procura contrariar até quando e enquanto me for possível”, alertando para importância do “Projecto de Defesa Primária do Baixo Vouga ”(enunciado e  em circulação em despachos estéreis ministeriais,  há mais de duas décadas ) . Na “linha do tempo”, Crespo aponta 2023/2024 como anos do Concurso Publico Internacional para Execução da Obra.

Será que o “Vouga vai avançar?. ....apetece-nos repetir.

Em resumo:um livro de memórias de um excelente e esforçado profissional ,apaixonado pelo Baixo Vouga-Memórias que se leem com muito prazer, e gosto porque, muito bem equacionadas, são excelentemente desenvolvidas em linguagem sucinta ,escorreita e directa, não maçando, antes despertando  o interesse ao tempo em que  enriquecem o conhecimento do ecossistema onde nos integramos. Que é preciso preservar.


Senos da Fonseca (Jan 2025)




sexta-feira, janeiro 10, 2025

 


O apagão  da nossa história não foi corrigido...



Em 2007 escrevi então sobre o MMI, o que reproduzo abaixo.,Hoje voltaria a repetir tudo, e do mesmo modo.  Ainda há pouco me pediam informações sobre o historial de Ílhavo.É um facto: transmitiu-se (e a farra continua) a  dar-se ideia de que só soubemos ser gente nos “bacalhaus. Apagou-se uma boa(a maior e mais significativa parte) da nossa história.


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Museu 4

O livro «Museu com Memória» que elogiei no Blog anterior –ponto final ! – contém abordagens que ,no meu entender, necessitam de alguma fixação.

No final do livro, numa espécie de ensaio antropológico,Elsa Peralta produz um estudo de cariz académico ,ao principio demasiadamente pesado - tantas são as citações evocadas em procura de uma roupagem para o Museu de Ílhavo- peso que à medida que o ensaio se desenvolve, é aliviado .Não sei se muitos leitores o irão levar até ao fim, Seria bom.

Algo me justifica uma observação.

A prof. Elsa insiste, um pouco, na história das cisões, dissidências, conflitos representacionais contidos na história do Museu, o que me parecem considerações um pouco excessivas.

Assinala o que lhe parece ser um pouco de incongruência entre o Rocha Madahil que tinha protagonizado uma imagem de Ílhavo enquanto comunidade do mar - a história mal contada do brasão –e a sua proposta de uma exposição de uma panóplia de temas, desde a etnografia á cerâmica, passando pelas artes e pela industrias locais ,para a celebração da terra e das suas gentes. Estávamos, pois, longe de um museu marítimo, diz-nos.

Ora eu penso –e não tenho aqui o espaço para o justificar –que esta leitura pode ter um pouco de imprecisão, provavelmente consequência do entendimento do que significava,naquele tempo ,a memória marítima, a guardar .Qual era, pois?

Em 1922, altura em que Madahil propôs,(de um modo pomposo mas completamente errado no conteúdo histórico)o Brasão, ou em 1933 ,altura em que define as bases para o Museu ,por exemplo, não haveria ainda qualquer memória para guardar da Faina Maior, o projecto museológico em que assenta, hoje, o Museu , fazendo da mesma a memória privilegiada a salvaguardar. Porque essa faina –sublinhe-se - mal tinha, naquelas datas, ainda começado .E nem se entenderia ao tempo, a relevância da nossa posição (dominante na execução)na mesma. Ou até se escamoteasse a identificação com a referida saga, por razões que seria interessante abordar, mas não aqui. Falo da parte da Faina Maior que ainda não foi abordada, e que inevitavelmente um dia o será ….

Na altura Ílhavo teria em termos de memória  a guardar para memória futura :

 dez séculos de laguna ; três séculos a desbravar novas terras, inserindo gentes completamente diferentes, no ser e no modo de estar, aqui chegadas; três séculos de migração em condições singulares, que nos identificaram como individualidades diferenciadas das restantes; três séculos de actividade numa industria em que a arte era a vocação que a distinguia, entre todas. E séculos de individualidade no trajo, de uma riqueza e diversidade notáveis, que tinham sido assinaladas no século anterior, e ainda presentes ao tempo.

Que escolha fazer, com tudo isto ?Essa era a questão.

A preponderância de João Carlos ,e do seu pendor artístico, ou da identidade com os ícones glorificados, na altura, gente da borda (Thomé Ronca , Ançã e outros), eram as compreensões do que pareciam ser  o principal a guardar ,a que se lhes juntava a memória do traje.


Quando na verdade Ana Maria Lopes, na sequência de «À glória desta Faina», indica que o caminho a seguir passaria por o museu poder e dever estar melhor representado no sector da pesca à linha (1989), a ideia, valorizada com o então recente desmoronamento daquela actividade, acontecido em anos anteriores, tornou mais premente a necessidade de a preservar ,embora se tenha tratado de um período passageiro da história , embora épico :- pouco mais de sessenta anos, numa história de dez séculos!... .Todos perceberam que esta opção seria  correcta, mas seria ainda mais correcta se ,as outras memórias, pudessem caber em outros projectos complementares (por exemplo polos museológicos). Induz-se do livro que, para a escolha daquele caminho, foi preponderante o condicionalismo das instalações, muito limitadas no espaço disponível, a exigir uma escolha de síntese museológica..

Mas pensaria A.M.L. que a questão etnográfica ligada á memória do traje não valeria a pena ser equacionada, pondo-a por isso, completamente de parte? Desconheço o que pensa. Até porque A.M.L será uma das últimas pessoas existentes (locais) com conhecimentos suficientes –e seguros – de a sistematizar, e até, de lhe dar corpo.

O que se passou depois ?!…

É a própria autora do Ensaio, Elsa Peralta, quem, logo no inicio, nos ensina que os museus são uma expressão ideológica da nova ordem politica .E quando a história chega por sua mão – por ela contada - a 2001 ,parece ter-se esquecido que foi isso mesmo que sucedeu., e nesse período entra por caminhos bem escusados, de glorificação .A história do Museu, de facto, a partir dali, tomou então outro rumo, imposto por uma nova ordem politica –local – que toma a seu cargo a definição da especificidade da memória a guardar. Claramente uma definição que interessava ao poder politico aproveitar, mais preocupado com a divulgação externa da imagem do Museu, do que com identificação interna com as gentes locais. O Museu passou a ser mais fora do que dentro. Ao sobrevalorizar a Faina Maior, esquecendo praticamente, a memória da outra Faina, a Menor(?!) - só agora timidamente recuperada na exposição temporária da «Diáspora» - esqueceu-se uma aventura com que nos identificámos de corpo inteiro. E onde espalhámos,país fora ,cultura própria ,bem identificadora. 

A leitura da Faina Maior não compreende apenas a versão que dela temos dado. Já o disse por várias vezes. Este olhar, aqui, é a nossa leitura,mas não é a única leitura.

A escolha está feita.Mas o percurso não está encerrado. Por muito que se pretenda fazer passar essa ideia

Voltaremos a falar disso .

Senos da Fonseca(2007)


quinta-feira, janeiro 09, 2025

 



Em 2025, lê-se e noticia-se que, LIBERDADE, foi a palavra do ano em 2024.Por vezes , certamente por quem não a desejou e não a quer. Mas certamente, por muitos que a desejam, que a abraçam e que lutam para a defender, custe o que custar.  Certo é que a LIBERDADE não chegou a todos. A LIBERDADE não está, só e apenas, no expressar livremente o que pensamos, queremos ou repudiamos. Está também na exigência  que todos tenham o direito de ter uma vida digna que lhes permita lutar por uma igualdade de oportunidades. O acesso universal ao pão que mate a fome de ser livre. E por isso não há, ainda, a LIBERDADE que eu queria.


                                                                                              

                                                      

                                                                                            

                                        LIBERDADE


                                                                           Foste a gaivota

                                                                           Que de mansinho, a esvoaçar                                                                                               

                                                                            Num dia d’Abril

                                                                            Nos mastaréus desta Caravela, feita País

                                                                            Por entre perigos mil

                                                                            Suave, vieste em nós, pousar 

                  

                                                                                                   Sabia que irias chegar

                                                                                                   Podias ou não, demorar 

                                                                                                   Ou partir para longe e voar               

                                                     

                                                                                                      (Era preciso ousar)


                              

                                                                              Onde andas hoje?!

                                                                              Em que longes

                                                                              Semeias sonho ou ilusão (?) 

                                                                              Que mar, que rosa dos ventos

                                                                              Que arte,

                                                                              É preciso percorrer

                                                                              Para dizer: NÃO!

                                                                              Que Tu não existes,

                                                                               LIBERDADE,

                                                                               Se em qualquer parte 

                                                                               Houver alguém a chorar por pão,

                                                                               Que mate a fome de ser LIVRE

                                                                               

                                                                              Mas se em mim não Te sentisse, 

                                                                               Ou contigo não sonhasse

                                                                               (Que voltarás um dia) 

                                                                               Que dor, que verdade  

                                                                               Que ia ser de mim (?), sem Ti

                                                                                Meu amor 

                                                                               Ó LIBERDADE !

 

                                                                                                     SENOS DA FONSECA

                                                                                              



 

                                                                                                            


sábado, janeiro 04, 2025

 Voltando à La Grand Pêche



As leituras de livros acumulados neste período, vêm decorrendo a bom  ritmo . O frio lá fora, uma gripe ameaçadora, a lareira acesa, a companhia de um bom whiskey, contribuem para navegar em demanda de novas aprendizagens.

Um dos livros que persegui há uns bons 20 anos,   que me obrigou ,por diversas vezes  a ir a Lisboa, à BN, editado em França, em 1901 ,chegou finalmente “no sapatinho”. Uma verdadeira bíblia sobre a pesca dos BACALEOS na Terra-Nova, da autoria de Adolph Bellet, repousa já aqui na secretária. Nunca desisti de o adquirir. Porquê? – perguntar-se-á...



 

                                La Grande Pêche de La Morue – A.Bellet


Ora bem... 

Sempre defendi a tese, principalmente na Sociedade de Geografia depois de editar  “Joao Álvares Fagundes”  e logo após edição de “ Os Últimos Terranovas Portugueses” (e já antes  no ”Rota dos Bacalhaus” ) de que existem questões por esclarecer sobre a inter-relação ,das navegações  no Atlântico Norte (Teive, 1452,Vogado,1462,João Corte Real ,1472,Teles,1474,Ulmo 1486, Duarte Pacheco (?) e provavelmente muitas outras)e a presença de pescadores portugueses nas paragens daquelas mares.
A questão no deambular das leituras de então (somada a tantas conversas com meu Pai e com o meu Prof Luís Albuquerque) pôr-se-ia nos seguintes termos: 
Naquelas viagens (propositadamente pouco documentadas) os referidos navegadores à procura  de um desejado caminho ,mais curto, para as Índias, preocuparam-se  em descortinar novas hansas, novas terras. Teriam já encontrado nesses mares,  pescadores Bascos (normandos) em procura da baleia(espécie que primordialmente lhes interessava)  e também, navios portugueses em demanda do bacalhau, que teria desaparecido  dos mares  ingleses, onde pescavam após o tratado firmado em 1355, por Afonso IV .Isto é : a data que vem sendo apontada pela demanda dos bancos da Terra Nova(pelos bascos e portugueses) em procura  da baleia e  do e  do bacalhau ,terá sido Séc.XVI, ou estes pescadores portugueses que acompanharam os Bascos já por aqueles mares andariam, muito antes?

A carta de privilégio concedida a Álvares Fagundes(1520),ao contrário das cartas concedidas a João Fernandes Labrador(1499) ou a  Gaspar Corte (1500) ( que apenas “indicavam terras a descobrir”,) eram bem diferentes .A carta concedida a Fagundes, indicava, explicitamente  já antes da partida, “ o nome de ilhas, e terras descobertas por Fagundes”. Atendendo á demora na obtenção de tais privilégios,a referida carta teria sido solicitada em fins de Séc. XV.


 



                                                      Mar dos Bascos


Ora, nesta bíblia de Bellet (1901), o autor refere documentos (vários) que provam que a ida dos Bascos (Normandos), e Bretões, em demanda das baleias desaparecidas do “Canal ou do Mar Britânico”, se teria verificado cerca de um século antes da viagem de Colombo(1492) (fazendo referências a documentação  histórica com data dos anos de 1600, 1755 e seguintes)

 R.P.Fournier ,na sua” Histoire et Comerce des Colonies anglaises de l´Ámerique “afirma:

La peche au Banc de Terre-Neuve a étè pratiquée de tout temps para les Français et longtemps avant que les Anglais se fasent etalis dans lílle de Terre -Neuve(...)avant que Christophe Colomb êut d`ecouvert de Nouveau Monde”.

Citando a carta de Sebastien Gavet a Henri VII (rei de Inglaterra em 1497) “ ces terres sont appelées du nom  de Isles de Bacaleos” (nome comum usado pelos Bascos para designar o bacalhau ).

Assim, parece ser claro que o conhecimento daquelas paragens terá sido muito anterior à viagem de Colombo.

Se é certo que há unanimidade em terem sido   os bascos que, “decidiram a emposta “ aos mares da América setentrional,  acompanhados pelos pescadores portugueses que pescavam o bacalhau nas águas inglesas desde   (após acordo firmado por Afonso IV em 1353), então poderemos admitir que, muita informação sobre aqueles mares (não sobre as terras e hipotéticos ligações a outro continente) teriam  já chegado ao conhecimento de  D. João II.

Assim é de colocar em cima da mesa que, o possível início das pescas nos Bancos da Terra-Nova se ter já verificado no Séc.XV (meados /fins de 1400).

O que expus em  “João Álvares Fagundes”,( e que escandalizou alguns historiados de “boas leituras e pouca reflexão “ ,quando na pag .99 afirmo “desde 1470 os portugueses de Viana e Aveiro já visitavam aquelas paragens”, parece-nos  perfeita mente correcto e lógico.

Poderíamos se fosse essa a intenção, ir mais longe. O que reproduzimos vem estar de acordo com o inserido por Pizzigano na Carta Náutica de 1424 (elaborada segundo indicações portuguesas) e dos registos de muitas terras portuguesas                                                                                                                                                               no Planisfério de Cantino  (que tem por detrás de si uma interessante história).




                                 Extracto do Planisfério de Cantino(1502)




A primeira viagem com o fito de conhecer aquelas paragens, efectuada por Diogo Teive(1452),seguiu exactamente  a rota norte (normanda), o que poderá ter a sua razão nas informações dos pescadores portugueses que acompanhavam aqueles.


 

                                Viagem de Teive


Em resumo: tudo leva a indiciar  que, os pescadores do bacalhau da Terra-Nova, chegaram àqueles mares antes das navegações das descobertas da costa nordeste do continente americano.



Senos da Fonseca




quarta-feira, janeiro 01, 2025

(QUANDO O   INEM ...ERA OUTRO....)


O parto na «labrega murtoseira”


E lá voltou o tempo tristonho, de uma paz podre, belicoso, que, mais do que incomoda, envelhece (-nos).

Há que reagir à maldade dos deuses. E saltar fora do afecto modorroso dos lençóis quentinhos, e … «navegar».

A ria está quieta como um gato enrolado, esquecido de si e do que se passa à sua volta. No nosso tempo, meses que tinham R, eram meses de «cricalhada». Esta semana, apesar do dito R estar no mês, agora, as autoridades vieram decretar proibição do «crico», fora de casa. Parece que aquela alga que pinta de vermelho, adiantou o período de proibição. Por isso a ria está vazia, como mulher visitada pelo dito. E logo posta de lado pelos amantes. Raio desta cambada. Bem podiam afagá-la, acarinhá-la, e renderem-lhe visita. Ao menos de cortesia. Ingratos. 

Mas hoje era dia de charla. E muito me admirei quando ao meu encontro, além da Zefa e da Bernarda, vinha uma outra vistosa faininha, logo apresentada como a Joana «Labrega».

 -– Olhe cá: – para mudar de conversa, trouxemos a Joana «Labrega». Para ouvir uma história, linda. Mesmo linda. Vai ver. Aqui, a Joana, foi filha do arrais murtoseiro Agostinho «O Capa Cavalos». home daqueles que dizia:

Ah! mar estás a roncar (?)… espera que já  te mijo  em cima….

O Agostinho era casado com a Deolinda «Patacão». Ora às tantas esta emprenhou, e o certo é que passou muito mal, a rapariga.

E vai um dia a coisa complicou-se. Chamada a manobradeira do sítio, a ti Tuna «a Parideira», esta logo percebeu que a criança estava atravessada na «vaga», aos baldões e não havia maneira de a trazer cá para fora. Nem com «reboque». Chamando o Agostinho de parte, segredou-lhe:

– Temos aqui um estupor de lanço que ficou no peguilho. Se não levamos a Deolinda a Aveiro, já, ao hospital, vossemecê fica sem rede e sem peixe.

– Mas como (?) … balbucia o arrais que nunca se vira num momento daqueles. Sem estrada, sem transporte só lá para a noite dentro… se

 – É tarde, interrompe a Tuna. Muito tarde. Temos uma.... duas escassas horas. C’a Deolinda não óguenta mais. Vá pedir ao Ti Rigueira «o Murtoseiro» que ele leva a pobre, a Aveiro, na sua bateira «Labrega». Não há outro como ele, a voar sobre a ria, Ti Agostinho. Vá (!) meneie-se raio de homem, parece um xana, aí especado.

O Agostinho deu da perna e passado um pouco voltou com o Rigueira «Murtoseiro» que logo ordenou:

–  Vá, peguem na cachopa e levem-na ali à borda, que eu vou preparar o «camarote». A «Labrega» era uma daquelas bateiras que os murtoseiros traziam com eles, para os lanços do «saltadouro». Elegante na sua bica, toda «embreada», servia de «casa» ao pescador. Que lhe armava no castelo de proa, o toldo espalmado (pata de rã) com que se protegia do vento frio da noite. O Rigueira aconchegou a manta, armou o toldo, e quando trouxeram a Deolinda, foi só poisá-la ao de mansinho,ao de labaró, na «Voadora». Assim se chamava a «Labrega». Toda pretinha, só com o raminho a enfeitar a cruz erguida na bica da sua elegante proa. A «Labrega» do Rigueira era a única que tinha uma vela bastarda, calcada à proa, na sarreta, e verga atirada bem lá para o alto.

Vela enfunada, bem calcada no punho a esticar a testa da vela, escota na mão a comandar a «enchidela», toste bem ferrada, e a «Voadora», era, nas mãos do experimentado Rigueira, uma galgadora da ria.




O Agostinho sentado no «traste» olhava pela Deolinda deitada a seus pés. E os três embarcados atiraram-se à emposta. Punho da escota bem ferrado, cabo do xarolo de sotavento laçado na sarreta barlavento, trilhado nos dedos de pé para comandar a orça, num ápice chegaram ao canalete do «Oudinot». Mas aqui, a Deolinda, fosse pelas batidelas da bateira a adoçar a vaga, fosse pelo respingos da ria que entravam, bateira adentro, diz sentir que:

– Ai meu Deus e nossa Senhora do Bom Momento, «ela» já deu volta e vem aí……

O Rigueira acosta a «Labrega», fundeia numa revessa e pede ao Agostinho (que lívido, hirto, ficara, para ali especado).

– Vá, que a «rede está à borda» e é preciso separar o «mexoalho» do peixe branco. Salta lá para trás homem, estipor que só tens chaniço para o mar. De resto és um empecilho cheio de trízia.

E lavando as mãos na auga que, aquecida pelo vento suão, estava morna, abeirou-se da Deolinda e ordenou:

-Vá lá cachopa: ferra aqui as mãos nos escalamões, retesa-me esses pés no paral, e acospe-me cá para fora o regordido que trazes aí dentro. E tu Agostinho (!): forra a macola com este camisote de linho, com que fui ao altar, e prepara-te para aparar o rebento. Passa-me aí a naifa de rasgar o porfio para cortar a mão da barca ao redame, e «a» libertar.  

E se melhor dito, melhor feito. Eis que de entre as pernas da Deolinda se escapa uma pimpolha a berrar como uma esgalmida. Logo o Rigueira mete o vertedouro na ria, e eslavaça a paxoneira (pois de facto era uma bonita pimpolha que acabara de nascer na «Labrega»).

– Ora, diz a Zefa, virando-se para a Joana que, sorridente ,ouvira toda a história do enredo do seu nascimento,:

 – agora veja, aqui tem o pimpolho nascido às mãos do parteiro Rigueira, a Joana «Labrega».

Eu olhei a para a Joana, embeiçado. Os seus olhos d’água eslavaçados pelas águas da ria, amêndoas doces a boiarem, inquietos, num rosto muito moreno, melaço, vivo e brilhante, eram sublinhados por um cabelo revolto. Negro… negro como o embreado da «labrega» do Ti Agostinho.



Na «labrega» do Rigueira

Nasceu a Joana sem dor

Foi na barca toda de negro

Que nasceu o meu amor.


Senos da Fonseca

                



 NA REGIÂO DE AVEIRO. NO BAIXO VOUGA LAGUNAR  João Paulo Crespo  O título do livro “Na Região de Aveiro. No Baixo Vouga” era já suficiente p...