A FESTA DA Nª
Srª da SAÚDE
Eram assim
estas mulheres d’Ílhavo. Vivas, despachadas e asseadas; umas «moironas de
afadigação» p’ra chegarem aos primeiros lanços do «lusco fusco»,
mulheres com o seu «creto», tementes a Deus e aos Santos, humildes e
honradas; «faladeiras». Delas se dizia: “morrendas se não falendas”.
Atravessando
o areal para ir à festa.
A todo este
grupo de figuras míticas, deuses do mar, não faltava a Fé onde
depositavam todo o cabedal de esperanças numa boa pescaria, ou na salvação dos
perigos que correm, amiúde, pedindo, devotos, pela «fortuna» dos seus,
entregando-se crentes à missa diária na Capelinha da Na Senhora da Saúde7, repetindo promessas de uma velinha aquando do último
domingo de Setembro, não vá a Senhora pensar que «Dela» se teriam esquecido. À
cautela, crentes mas desconfiados - não vão os outros oráculos das redondezas
esquecerem-se, ou tomarem-se de «ciumeira» -, vá de prometerem uma ida ao
S. Paio - o cavaleiro do mar! - na primeira semana de Setembro; e uma
outra, à Srª da Maluca, cumprindo a dádiva de uns parcos «reises» e uma
visita à festa de arromba.
Ex Votos
Assim, é
cumprido o ciclo das festividades dos oráculos da ria, visitados obrigatoriamente
em dias em que se esquece a labuta e seus perigos, dias de diversão, da cestada
de boa traganeira e adequado conduto. Mailo capão bem dourado no
forno que irá ser regado a boa pinga verdasca - o vinho do enforcado 8 - levado em pipo ou garrafão, na bateira, que ficará fundeada ou
varada na praia, até ao «fogo de lágrimas» da despedida que marcará o
encerramento das festividades. Amanhã é novo dia de lanço... há que regressar
lesto... Três dias de festa rija... de estoiro...
Na Costa-Nova
os festejos em honra da Sra da Saúde, iniciados em 1837, vieram
substituir a primitiva festa de S. Pedro, em Ílhavo - tornando-se a festa das
Companhas - passando a ter data fixa, no último domingo do mês de Setembro.
Competia em popularidade com o S. Paio ou com o S. Tomé, na magnificência da
animação dos festejos lagunares, no corrupio de gentes, na algazarra, na
singularidade do encontro
7 Os pescadores, gente
de grande devoção, iam nos primeiros tempos ouvir missa à Vagueira à Capela da
Na Sra da Conceição. Em 1822(4) por iniciativa de Frei José Pachão, ergue-se
por subscrição das gentes e das Companhas, uma primeira capela de tábuas
coberta por colmo, que mais tarde será substituída pela Capelinha da Sra da
Saúde, erguida em 1890, desta vez por iniciativa de José da Graça, gerente de
uma das Companhas, capela que ainda hoje existe.
8 O crisma advém de ser
produzido em latadas, local onde muitos preferiram ajustar as contas finais com
a vida.
9 Ex-Votos
eram quadros pintados de expressão naif, prometidos e entregues ao orago como
agradecimento de salvação durante situação vivida, de grande perigo.
de gentes da borda-d’água que muitas vezes
aproveitavam a festa para «trautos» de picardia num «regabofe»
tumultuoso que invariavelmente terminava com um copo de três emborcado na
venda mais próxima. Do norte do «Bico» ao sul da «mota», o espraiado
engalanava-se com o «esten- dal» de Moliceiros carregados com gentio da laguna
e seus familiares, muitos deles transportando no seu bojo, melões e melancias,
criadas lá para os lados do canal de Ovar - nas «Quintas do Norte» -
aproveitando-se a romaria para os transaccionar.
A procissão na ladeira do Pardal
Na Capelinha
havia «Te Deum», missa solene e
sermonário apropriado.
«Armações»
da Nª. Srª da Saúde.
Moliceiros na Sra da Saúde.
Reunidos e
alinhados os andores dos santos no adro, no areal, organizava-se uma concorrida
procissão, passeando os oragos postados lá no alto dos seus andores, emergindo
de um verdadeiro campo de flores, de cores muito vivas.
O séquito de
fiéis devotos fazia-se acompanhar de filarmónica. Marcando qo passo e dando
ênfase, cadência, e cerimonial, ao desfile, percorrendo as ruelas da praia
engalanadas por arcos, aqui e ali, o chão coberto de erva-doce à mistura com
junco. Das varandas caíam colgaduras adamadas. Debruçados, os proprietários e
convidados assistiam em lugar privilegiado, ao desfile. Um numeroso grupo de
fiéis fazia questão de se incorporar no mesmo; crianças empunhando símbolos
marítimos (ancoras, bóias, barqui- nhos), e ou até adultos em traje esmerado de
pescador, levando na mão espórtula prometida em momento de mais apuro. De
quando em vez subia no ar um foguete ribombando estrondosamente, conferindo um
aspecto festivo, alegre, à expressão pagã do desfile.
Dada a volta à
praia recolhiam os santos aos seus altares.
Terminado o
momento alto dos festejos, o passeio ribeirinho pejava-se de gentiaga em
passeio por entre as vendas de comes e bebes ou de doçaria local: - suspiros,
cavacas, regueifas, e muita outra de refinado e doce paladar.
estreladas que pareciam brotar dos céus,
descendo em cascata sobre as águas.
A festa corria
até altas horas .
Ao outro dia,
enquanto os visitantes partiam recolhendo à canseira da vida, era tempo dos
veraneantes empacotarem a tralha preparando-se para um novo ano de
mourejo, depois de recompostos os humores pela cura estival, recuperados das
fadigas. A Costa-Nova, cansada de tanta orgia estival parecia querer
empontar-se daqueles figurantes, e deles se despedir: - até para o ano.
SF
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