domingo, setembro 15, 2019











A FESTA DA Nª Srª da SAÚDE


Eram assim estas mulheres d’Ílhavo. Vivas, despachadas e asseadas; umas «moironas de afadigação» p’ra chegarem aos primeiros lanços do «lusco fusco», mulheres com o seu «creto», tementes a Deus e aos Santos, humildes e honradas; «faladeiras». Delas se dizia: “morrendas se não falendas”.

                                    Atravessando o areal para ir à festa.
A todo este grupo de figuras míticas, deuses do mar, não faltava a Fé onde depositavam todo o cabedal de esperanças numa boa pescaria, ou na salvação dos perigos que correm, amiúde, pedindo, devotos, pela «fortuna» dos seus, entregando-se crentes à missa diária na Capelinha da Na Senhora da Saúde7, repetindo promessas de uma velinha aquando do último domingo de Setembro, não vá a Senhora pensar que «Dela» se teriam esquecido. À cautela, crentes mas desconfiados - não vão os outros oráculos das redondezas esquecerem-se, ou tomarem-se de «ciumeira» -, vá de prometerem uma ida ao S. Paio - o cavaleiro do mar! - na primeira semana de Setembro; e uma outra, à Srª da Maluca, cumprindo a dádiva de uns parcos «reises» e uma visita à festa de arromba.

Ex  Votos

Assim, é cumprido o ciclo das festividades dos oráculos da ria, visitados obrigatoriamente em dias em que se esquece a labuta e seus perigos, dias de diversão, da cestada de boa traganeira e adequado conduto. Mailo capão bem dourado no forno que irá ser regado a boa pinga verdasca - o vinho do enforcado 8 - levado em pipo ou garrafão, na bateira, que ficará fundeada ou varada na praia, até ao «fogo de lágrimas» da despedida que marcará o encerramento das festividades. Amanhã é novo dia de lanço... há que regressar lesto... Três dias de festa rija... de estoiro...
Na Costa-Nova os festejos em honra da Sra da Saúde, iniciados em 1837, vieram substituir a primitiva festa de S. Pedro, em Ílhavo - tornando-se a festa das Companhas - passando a ter data fixa, no último domingo do mês de Setembro. Competia em popularidade com o S. Paio ou com o S. Tomé, na magnificência da animação dos festejos lagunares, no corrupio de gentes, na algazarra, na singularidade do encontro
7 Os pescadores, gente de grande devoção, iam nos primeiros tempos ouvir missa à Vagueira à Capela da Na Sra da Conceição. Em 1822(4) por iniciativa de Frei José Pachão, ergue-se por subscrição das gentes e das Companhas, uma primeira capela de tábuas coberta por colmo, que mais tarde será substituída pela Capelinha da Sra da Saúde, erguida em 1890, desta vez por iniciativa de José da Graça, gerente de uma das Companhas, capela que ainda hoje existe.
8 O crisma advém de ser produzido em latadas, local onde muitos preferiram ajustar as contas finais com a vida.9 Ex-Votos eram quadros pintados de expressão naif, prometidos e entregues ao orago como agradecimento de salvação durante situação vivida, de grande perigo.
                                          
 de gentes da borda-d’água que muitas vezes aproveitavam a festa para «trautos» de picardia num «regabofe» tumultuoso que invariavelmente terminava com um copo de três emborcado na venda mais próxima. Do norte do «Bico» ao sul da «mota», o espraiado engalanava-se com o «esten- dal» de Moliceiros carregados com gentio da laguna e seus familiares, muitos deles transportando no seu bojo, melões e melancias, criadas lá para os lados do canal de Ovar - nas «Quintas do Norte» - aproveitando-se a romaria para os transaccionar.

                                               A procissão na ladeira do Pardal     
Na Capelinha havia «Te Deum», missa solene e sermonário apropriado.


                                                    «Armações» da Nª. Srª da Saúde.



                                                          Moliceiros na Sra da Saúde.
Reunidos e alinhados os andores dos santos no adro, no areal, organizava-se uma concorrida procissão, passeando os oragos postados lá no alto dos seus andores, emergindo de um verdadeiro campo de flores, de cores muito vivas.
O séquito de fiéis devotos fazia-se acompanhar de filarmónica. Marcando qo passo e dando ênfase, cadência, e cerimonial, ao desfile, percorrendo as ruelas da praia engalanadas por arcos, aqui e ali, o chão coberto de erva-doce à mistura com junco. Das varandas caíam colgaduras adamadas. Debruçados, os proprietários e convidados assistiam em lugar privilegiado, ao desfile. Um numeroso grupo de fiéis fazia questão de se incorporar no mesmo; crianças empunhando símbolos marítimos (ancoras, bóias, barqui- nhos), e ou até adultos em traje esmerado de pescador, levando na mão espórtula prometida em momento de mais apuro. De quando em vez subia no ar um foguete ribombando estrondosamente, conferindo um aspecto festivo, alegre, à expressão pagã do desfile.
Dada a volta à praia recolhiam os santos aos seus altares.

Terminado o momento alto dos festejos, o passeio ribeirinho pejava-se de gentiaga em passeio por entre as vendas de comes e bebes ou de doçaria local: - suspiros, cavacas, regueifas, e muita outra de refinado e doce paladar.



À noite, a festa encerrava com deslumbrante fogo de artifício atirado sobre a Ria, inundando-a com mil e uma cores fugídias que lhe envaideciam o estro, fustigando os olhares enfeitiçados dos festejeiros, emprisionados nos cachos de miríades de g
otas
 estreladas que pareciam brotar dos céus, descendo em cascata sobre as águas.
A festa corria até altas horas .
Ao outro dia, enquanto os visitantes partiam recolhendo à canseira da vida, era tempo dos veraneantes empacotarem a tralha preparando-se para um novo ano de mourejo, depois de recompostos os humores pela cura estival, recuperados das fadigas. A Costa-Nova, cansada de tanta orgia estival parecia querer empontar-se daqueles figurantes, e deles se despedir: - até para o ano.
SF


Sem comentários:

A « magana » que espere....  Há dias que  ainda me conseguem trazer interesse renovado, em por cá estar  por mais uns tempos. Ao abrir logo ...