POSTAL DA
COSTA NOVA
Manhã cedo,
que a cama nunca fez bem a ninguém senão para morrer mais comodamente
instalado, já que para o resto, para os actos mais lúdicos, a palha e areia,
são bem melhore aconchegos, saí para o passeio habitual.
Jogging, como agora sói dizer-se, né?
A ria
esplendorosa. Estanhada, nem uma tainha nela bulia. Sol brilhante, já bem
alcandorado, depois de trepada a serra do Caramulinho onde, aqui e ali, ainda
se avistavam uns farrapos sem contornos definidos... O sol invadia tudo,
escorraçando a neblina matinal.
Com espírito
(já) bem desperto, deixei-me contagiar pela frescura
da manhã,
reforçando a alegria de sobreviver a mais uma noite, Apetecia-me ficar ali,
suspenso das horas, imutável na paisagem.
Foi pois, um
prazer, ir por aí abaixo de um modo tão leve, alegre, quase que num sentimento
de imponderabilidade.
Oh!!! Se
alguém com o espírito criativo tivesse reposto na beirada da ria, frente ao
palmeiral, a antiga esplanada, e tivesse criado um ponto de passeio e
lazer, que requalificação se teria feito a esta linda, intrigante, irrequieta e
volúvel Costa Nova!... Coisa bonita só de ser imaginada. Mas adiante.
Eis que lá do
sul, vinham duas pescadeiras ainda desempachadas, em passo mexido, firme e
decidido, em conversa galhofeira. Chegadas à minha beira, abrandaram.
E uma delas
(ambas sessentonas), uma trajada de luto elucidativo dirigiu-se-me, sorridente:
– Oh meu
senhor, acha que somos velhos?
– Quem? –
perguntei... Todos nós?...
– Sim... sim... respondeu a rir-se...
– Não; acho que somos já... é um bocado usados, atalhei.
– Oh estupor, diz a outra, eu que pouco ou nem usada fui.
Mas tu que de tanto uso até criaste
ferida nas costas, de tanto as esfre- gares na areia...
– Ora, ora... se mais usara, mais gozo me
dera, filha... Quanto mais uso mais òstificação... raios.
– Tem razão,
mulher; o que é preciso, é amansar a fera... adiantei eu.
– Pois tem
razão, amigo – disse a desbocada já com intimidade ganha num minuto. Mas é que
o «bichano» aqui da Josefa só bebia e ronronava. Pouco ligava à «bichana»,
ògadinha por uma festinha.
– C’alte aí,
sua esculhambrada, atira a Josefa ofendida. Olha que o Toino (Deus o tenha no
céu e lhe dê o que lhe tirou nesta vida (dizia a Josefa, enquanto se benzia),
inté era danado prà brincadeira. Só que depois com o espinhaço e as rezas
daquela marafona, a Cláudia do Zé Linguiça, foi-se abaixo do espinhaço. E do
resto, rapariga. O pobre bem queria, queria... eu que o diga... mas fio torcido
não passa por buraco d ’agulha.
– Ensebasses o
fio, rapariga...
Há dias que
nascem bem. Dias bons para se nascer. Também. Mas, absurdamente desgraçados
para se morrer, se for esse o caso.
Porreiros,
para um recém-nascido se interrogar: valerá a pena? Mas, absurdos para ponto
final à dúvida.
Senos da
Fonseca
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