segunda-feira, dezembro 30, 2024

 As 101 propostas para UM FUTURO PARA AVEIRO 

                              Alberto Souto





Li (e reflecti) com toda a atenção, as 101 sugestões de Alberto Souto em,“UM FUTURO PARA AVEIRO”. Não sendo natural de Aveiro, nem sequer lá residindo (e ainda bem!), não deixei de me debruçar sobre as propostas, avaliando-as, uma a uma. Detive-me, é natural, sobre aquelas que se estendem e procuram uma certa associação intermunicipal com a autarquia de Ílhavo. Até porque, muito curiosamente, há muita coincidência com propostas que, há muito (mesmo muito, antes até de Alberto Souto assumir a Presidência do Município de Aveiro) venho sugerindo (e ainda recentemente mantive) para Ílhavo.


Vamos então às 101 Propostas para um futuro,que, Souto “sonha” e propõe, para Aveiro.Desde logo parece-me que, as sugestões, se houvesse coragem de as levar à prática, trariam, efectivamente, uma mudança radical do paradigma urbano da cidade. Reconheço contudo que, a concretização das mesmas necessitaria um espaço temporal que iria para de dois ou três mandatos autárquicos. O que desde logo torna difícil a exequibilidade de todas. Mas e certo (como refere o autor): “há propostas absolutamente urgentes e factíveis” e outras menos urgentes para se irem concretizando,E até outras, talvez (aceita o autor), não exequíveis.

Julgo bem patente na ideia subadjacente às proposta de Alberto Souto, ao  abarcar  e propor mexer em  áreas tão diversificadas, cobrindo todo o espectro urbano, existir como fio condutor, a procura  do  conceito prioritário de dar a cidade a quem nela habita ou vive, uma cidade onde o cidadão possa  fruir de toda uma série de equipamentos, sejam de saúde, desportivos, lúdicos, educativos e ou culturais, sem constrangimentos  de qualquer espécie, alcançados de uma maneira fácil, acessível, por isso convidativos ao seu usufruto. E só então, proporcionar, e por consequência oferecer, mobilidade adequada (sem ferir o bem estar das populações nativas), a todos os que vindos das redondezas trabalham na cidade, ou a visitam.   

Todas as sugestões de A. Souto, podem e devem ser, publicamente discutidas. Aceites umas sem grande controvérsia (caso da correcção do atentado urbanístico da Av. Lourenço Peixinho, Rossio, as zonas de parques verdes, diversos equipamentos desportivos e de lazer, equipamentos culturais, as sugestões de novas dinâmicas no Urbanismo e Habitação etc), outras certamente merecerão critica ou sugestão para possível correcção.

Importa-nos por razões facilmente perceptíveis, abordar as ideias propostas em duas áreas: a Recuperação do Lago do Paraíso para fins diversificados. Intimamente ligado a esta recuperação, é sugerida numa hipótese intermunicipal entre Ílhavo e Aveiro, para recuperação das margens lagunares, seu tratamento e criação de projecto urbano, singular, na frente da Ria. 

Propusemos e somos acérrimos defensores desse plano. 

A cidade de Ílhavo nasceu e dispôs-se ao longo dos canaletes (muitos!) que despejavam na ria, dos quais o principal, era o Rio da Vila que desaguava na Malhada. Há muito que se impõe criar um novo perfil urbano para a cidade, desenvolvido e alinhado com o canal do Rio Boco, tendo o seu centro (de partida para montante e jusante), no perfil ligeiramente elevado da Malhada (Seca do Milena) onde se fixariam diversos equipamentos (fórum comercial, cultural, desportivo, e em anexo uma unidade hoteleira). Logo abaixo, a recuperação do esteiro da Malhada, para usufruto náutico adequado. De igual modo a poente, a zona ribeirinha das Gafanhas (Boavista e Aquém) seria minuciosamente tratada, recuperada com pontos de fruição específicos e diversificados.

No Lago do Paraíso poderia (e deveria!) ser inserido o

MUSEU DA LAGUNA –EMBARCAÇÕES E ARTES. Com esta unidade museológica, com  o canal navegável do Rio Boco , estaríamos perante o Circuito dos 4 Museus (Aveiro, da Laguna, do  Bacalhau (MMI) e da Vista-Alegra (cerâmica). Uma  atração turística de notável expressão, fascinante diríamos,  capaz de arrastar e promover um fluxo turístico, cultural e comercial de apreciável dimensão e expressão. Com as unidades hoteleiras a implantar com critério no portinho da Malhada, a acrescentar ao Hotel Montebelo (V.A), a oferta turística seria fortemente engradecida, ao ser tão completa como diversificada e rara.

Saliento nas ofertas de A. Souto a concretização descritiva de algo que sempre me bailou no espírito. Escrevi sobre um projecto nascido no séc. XVIII, no tempo de Pombal, sobre a navegabilidade do Rio Vouga até determinada cota: S. Pedro do Sul. O projecto estudado no reinado de D. Maria II, tinha então, a justificação de alargar a virtualidade da abertura da nova Barra (1808), ao interior Beirão. Expandir o comércio das mercadorias chegadas, levando-as ao interior das beiras, e trazer destas para serem exportadas pelo porto de Aveiro, as mercadorias ali produzidas, com o que lucraria Aveiro e as terras interiores. A tal suceder a nova Barra não serviria apenas Aveiro. Se    apenas a isso se limitasse, pouco interesse teria para o desenvolvimento da urbe, fechada em si mesma. Então, por razões da não existência de meios de transporte, nem vias que permitissem levar ao interior mercadorias e dali trazer os produtos manufacturados, o desenvolvimento económico da região seria praticamente desprezível.

Aveiro é conhecida pela “Cidade dos Canais” uma marca identitária propagandeada. Bem poucos os ora aproveitáveis.  Ora Souto recria e sugere a abertura (ou ampliação) de toda uma série de canais, com a finalidade de usufruto dos residentes mas que sirvam de ampliação à actividade turística: assim Souto avança: – novo canal à Universidade, canal da Redúzia, canal entre S. Roque à Ribeira de Esgueira e à Capela das Barrocas, canal entre o lago do Parque do Infante D. Pedro e o canal dos Santos Mártires, e last but not least, o canal de ligação do Canal das Pirâmides à Pateira de Fermentelos.

E porque não, numa acção intermunicipal, a recuperação da ligação da Pateira a Águeda?

Esta abertura de novas linhas de água permitiria, então sim, atribuir a Aveiro com toda a razão, o título da “Cidade dos Canais”. Creio bem que Aveiro passaria a um verdadeiro ”must”, no panorama citadino português.

São muitas e bem justificadas as propostas de A. Souto para um esforço de melhorar talvez, aquele que é no momento ou pelo menos mais complexo e direi, aflitivo problema, de Aveiro. Caótico!... Para o atenuar e em parte resolver a mobilidade na cidade e na acessibilidade à mesma, Souto propõe 23 sugestões de intervenção (ou melhoria) à priori para os que vivem na cidade, e logo depois para os que, por diferentes motivos, a ela pretendam aceder. Não tenho um conhecimento detalhado que me permita dar qualquer sugestão ou achega a este complexo (e ingrato) exercício. Direi apenas: parece-me que A. Souto “foge” a soluções que utilizem túneis para desencarceramento rodoviário (caso da obra de arte sugerida sobre a A25 no acesso Sá-Barroca, solução que me parece poder ser menos agressiva. Não seria a meu ver, em casos mais complexos de utilizar a via subterrânea como solução?

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E fico por aqui pois para mais não tenho “nem obra ou arte” que me permita acrescentar matéria útil ou aconchegante para a revolução urbana que A. Souto propõe para um sólido e coerente futuro para Aveiro: para os que ali viverão e para os muitos que ali procurarão futuro, no exercício da sua actividade profissional,.Mas e também para os que a visitam para deleite turístico.

Importaria que estas ideia fossem publicamente discutidas. Certamente algumas delas melhoradas ou até eliminadas. É tempo de pôr fim ao “fazer e desfazer” ao gosto de cada um, intervindo pontualmente aqui e ali, sem se seguir (antecipadamente) um plano sufragado por aqueles que suportarão (e pagarão) os erros das experiências voluntaristas e individuais de autarcas, muitas vezes caídos na urbe de paraquedas.


Senos da Fonseca







terça-feira, dezembro 24, 2024

 




E hoje apeteceu- me falar delas.....



A emposta do regresso 


– Ah!, chopa, ... Maria!... atão disque c’a Josefa do Tarinca lá de cima, a fidalgota, deu pra contribar o casório da sua Luísa com o «Toino» Lavanco?... aquilo é que m’a saiu uma mancatufe... 

– Assim o dizes, rapariga... Canté (?!): – o que c’ria a inchada?!... o rapaz a modos não é nada cible, nem é nada calamantrão, muito menos um simpras, pois inté nem parece nada um caniné botadinho à boa parte... Não senhor, crendas lá ver o estendal que o pai do Toino fez; apracia banéga ao rossaló... o estipôr. 

S’ta p’rece... o coitado do rapaz não é um mancatufe... nem ó vida!... mulher; e inté dizem que tem umas ecolomias. 

– Tens rezão cachopa... O «Toino» Lavanco não é nada xana n’a senhor; c’a o meu Zé, Deus lhe dê voa biaje – venza-o Cristo e S. Savastião, trê abés e um pai nosso – diz, inté!, q’é um bom reçoeiro, nada como oitros zamparilhas que não maneiam o cú no safar da rede; o arrais Tomé da catralga já o embarcou de camboeiro e ele astreveu-se na t’refa. A Luísa que parece uma tísica – deus me perdoe!, ...em nome do Pai, Filho Esp’rito Santo... – inté ia vem... vem. Quisera-o pr’á minha, que «vem» o merecia... que eu fazia uma festa de arromba com zabumba e tudo... 

– Cal-te óspois aí... vai mulher..., andas desocupada dessa cabeça... deixa a cachopa q’ela chegada a hora tem muito quem lhe meta as três cavernas adentro... «inté p’reces augada». 

– Tendas razão – que ao labaró é que as coisas se fazem d’reitas... e ele anda p’ra aí tanto mancatufe, tantos langões... nosso senhor, libre-nos S. Bartolomeu e as Alminhas da Toira. 

– É assim mesmo, anda p’aí a inquisilar, ca qualquer dia, um zamparilho apanha- a de costas, e vai com’a lâmpada: só c’o viés de ficar limpa como a Igreja do Prior Zé, deixa-a de barriga maior que a sardinha da desoba; anda aí tanto pixano e ela parece bem augada do ca tu sabes... É simpras, ...mas gulosa. 

– ...Mogadinha de mim se isso assuceder... é uma restrabulha... astrevesse-se algum, c’a o pai faz um serrafaçal que levava tudo na frente... Olha c’a fúfia da Zefa lá de cima, quando o Padre Morgado lha disse c’o rapaz não era um probezinho, quinté tinha uma chincha, a merdosa “Olhe senhor abade, «inté o TI ESSE», tem uma chincha”... asfazer pouco dos nossos homes, a fúfia! E não lhe deu mais corrume nenhum... c’o abade desandou inxerido com o frieldade da Zefa. 

– Olha sabas o que te digo:

– A Zefa é uma opiniática mal “cosida”... preceves?

– Ah mulher, cal’te sua desbocada: – «u c’astás» tu p’ra aí a dizer...

– É o que lhe digo Ti Maria, se fosse como aqui a cachopa “c’a té tenho «calo» dos trimbaldes do meu Zé, de tanto me vaterem nas «náudegas»”...

– Ah! mulher de «labishomme» q’uessas coisas n’a se apregoam com’a sardinha c’aí levas... depois, s’é fraca – dizem que é «ogalho» a ti...

– Conversas... sabe o «c´a penso»?!; a Luisinha na tinha era remada pró Toino, q’ué cá dos noissos, e quando chegada a hora de meter o remo ao escalamão, a chopa aborregava. E o rapaz c’a dizem ser píxaro e pediqueiro de saias, inda ficava a ver navios... 

– Cal-te aí... oh! alma penada, não digas isso... que t’a podem oibir raios... de estrafego!... olha vamos é avusacar aqui um bocado, aproveitar para escofenar o peixe, c’a óspois na benda é uma fona e a gadagem d’ibalho diz c’andámos ao mal mainço por aí, invez de bir a d’reito... 

– Olha, cal’te que vem ali a Josefa...

– Boas tardes Sra. Josefa... – sorri prazenteira a Ti Maria, chegada à faladura com a Zefa... – Nóis a falar dos santos e eles oprecem. Vons olhos a bejam... a sua Luisinha?... cada vez mais bonita... a santa!... a Sra do Pranto lhe dê um fidalgo da sua igualha, c’a bem m’rece a coitadinha: Olhe Sra Zefa, quer sardinha da nossa, bibinha a vrilhar como um buzelicum – olhe c’inda ri – viemos numa corriola p’rà trazer fresquinha com’àuga... 


Senos da Fonseca




 


 Natal 

 






Ano após ano
Aos meninos « educados »
Foi contada uma história... 

(...) há muitos...muitos anos
Lá longe num deserto árido,
Numa cabana,
Protegendo-o do frio,
Nasceu um «menino puro»,
Fruto do ventre de «uma mulher pura». 

Assim nos contaram 
Tão milagrosa proeza,
Prodígio de um Deus maior.
De madrugada vieram reis, sábios e que tais 
E muita gente mais
Para adorar o menino
Cuja vinda se disse, então
Era semear a paz entre os homens
Acabar com o tempo da negação. 
Hoje, na praia salgada,
 Uma onda perdida,
Despejou na areia um menino de tenra idade.
Viria também ele salvar o mundo? 
Não!
Não era menino puro, nem filho de mulher pura... 
Era o KURDY, menino fugido das guerras
Feita por homens para exterminar outros homens
 
Senhores das guerras
Que às segundas vendem armas 
Às terças traficam na bolsa
Às quartas cobram a protecção
Às quintas prostituem mulheres-crianças,
 Às sextas corrompem políticos
Aos sábados vão ao barbeiro
Ao domingo, mãos no peito,
Tomam seraficamente a hóstia.
Homens de muro fechado
Em volta do coração. 



O  menino na solidão 
Da praia, abandonado,
Não tinha
Mãe para o chorar, 
Nem bois para o aquecer,
Nem reis para o prendar...
Era fruto de uma flor impura
A pedir a paz ao mundo.
Trouxe-o o mar morto da natureza 
Já sem vida nem praganas. 
Por companhia as gaivotas 
Inconsciente, abandonado,
O dia rompia a noite
E só a lua aquecia o areal prateado. 

A  “vida do outro  menino”,
«Filho de um Deus»
Prometido,
Cruzou séculos na história 
Ano após ano, no presépio acolhido.

 
A história do Kurdy, menino
De condição humana
Igual a tantos milhões
Nascidos  para aprender 
Que liberdade se escreve com sangue,
Encerrou-se na praia, 
Sem nunca a sentir ou sequer a ver.

O mar separa a história destes meninos:


Um morreu na cruz por mor dos homens
O outro morreu na praia por desamor entre os homens. 


[Perante a realidade cruel da vida, 
só a inutilidade da morte os compara... 

SF



domingo, dezembro 22, 2024

 O Sr. Zé e o Visconde






Raios: tempo desalmado, esgalmido. Inquisilento e mal sadio. Por mor do dito cujo, deixei de encontrar a Zefa e a Bernarda, e de, com elas, ter prazer de charlar e rir. Rir, sim!... porque na minha idade, rir é o melhor «xanax» para a alma retorcida. E eu, confesso, já estava farto de estar aqui encanteirado, confinado (e desafinado) neste «estar à janela». Parado, especado a olhar as serranias, dorido de tanto «sobe e desce» que as curvas serranas mostram. Neste pousio, enquanto chove e eu aqui especado, pareço estar só: eu e o mundo. Sonhar é bom. Mas sonhar, intervaladamente. Poema que me saia, fala invariavelmente da mulher amada. Começo a ficar tão farto de fingir, que até me apetece dizer: quero-te só para sonhar contigo.
Mais uma sota, nesta segunda-feira, permitiu-me o reencontro. Eu, a Zefa e a Bernarda, falámos de muita coisa. De entre elas catei uma bonita «estória». Axixem-se que vo-la conto...
– Olhe – diz a Bernarda: este tempo desembestado faz-me recordar a nossa vida em pequenas. O palheiro onde nos abrigávamos do tempo, feito de um tabuado mal encostado, deixava passar o vento frio por entre as frinchas, que até zunia. Então, nas noites de surriada tiravam-se os cobertores serranos da enxerga e punham-se a fazer de anteparo. E para não ir para a enxerga e ter frio, « abusacávamos » em volta do borralho. À luz de um candeeiro trémulo, por vias da fisga ventosa que escapulia entre frinchas, íamos ouvindo os maiorais, enquanto uns cavaquitos apanhados do outro lado, no matagal da Maluca, ardiam, mitigando o frio. E entre conversa lá íamos « assalgalhando », quebrando, o jejum.
Numa lengalenga familiar, ouvíamos «histórias» do antigamente. Lembro uma, que fez o encanto da minha meninice.
– Sabe?!: sempre pensei, porque fui testemunha viva da heroicidade demente daqueles «arraisas», que, às vezes, até parecia não regularem bem, quando no meio do areal, frente ao desalmado mar, gritavam: – «bota prómar, ca este mar enxogalhado não mete medo a homes». E nós, que ficá- vamos especadas na praia, arrepiadas a ver o meia-lua encabritar-se na primeira vaga, e logo atrás dela, vir a segunda, ainda mais danada, arrepanhávamos os cabelos e só sabíamos gritar: – ai o meu Pai, coitadinho, que lá fica!
Ora um dia, contou o meu avô, o Chico «Cuteta», o Sr. Zé ( José Estêvão) tinha vindo, como habitualmente, à borda, a conversar com as «nossas» gentes. A saber da nossa vida. Trazia com ele uns «fidalgotes» da cidade, que se viam astrapalhados, dizia o Ti Cuteta, com a areia a entrar-lhes para as polainas. «Que inté» pareciam um barco alquebrado «a meter auga»...
E parando, apresentou-os ao arrais Thomé. Um dos fidalgos, homem de larga bigodeira engomada e retesada que mais parecia imitar o «meia-lua», dirigiu-se sorridente ao Thomé dizendo-lhe:
– Atão vossemecê é que é um dos tais «ílhos» que o Visconde diz, pedirem meças ao campino, a saber qual mais valente (?): se o que defronta o touro, se o que investe o mar!!!!... Sim senhora, finalmente vejo um dessa espécime. E Vossemecê que pensa do que diz «Visconde» (?), pergunta o fidalgo letrado, ao Thomé.
– Ora saiba òspois que eu penso que esse tal Visconde – òsculpe mas não o conheço – é zamparilha. Ora essa: – olhe ...
E zás!!! A um boi que vinha dar o chicote ao «calão», fila-o pelos cornos, torce... torce... torce... até que o boi ajoelha e cai de borco na areia, resfolegando e espumando, preso pelas manápulas do Thomé.
Este levanta-se, sacode as mãos, põe o boné́, e diz para o amigalhaço do Sr. Zé:
– Ora diga agora ao tal «Visconde» que faça isto com o mar. E veja quantos homes eram precisos para o abraçar. Todos os que há no mundo! O «manso», esses (!), como-o eu em bifes. Sem sal parecem feitos de palha. O mar, esse (!) – e ao dizê-lo tira respeitosamente o boné – bebe-se aos golinhos, cassenão afogamos no seu sal. Essas gentes de que fala o dito, enfarpelam-se de vermelho e são bailarinos. Pissofoques. Morres-lhe pouca gente, por certo. Olhe em volta Vossa Senhoria, e repare na nossas gentes: vê-os quase todos de preto. Vestem-se assim pelos que ali (apontando o mar) ficaram. Mas isso Não “os quita de zangalharem» com ele, as vezes que forem precisas.
Enquanto a conversa decorria, o Sr. Zé, ria a bom rir.
– Pois... Ó Pinheiro!!!, meteste-te com boa rês. Logo com este gladiador do mar. Como aqui se diz: òguenta-te...
Senos da Fonseca

sábado, dezembro 21, 2024

 O relógio não para....

O tempo corre
Neste dia, frio e zangado,
A ria palheteada de prata
Parece cansada
Na sua peregrinação
De tanto correr para o mar.
E eu também cansado
Fico a desouvir o mundo
Onde reina humana expiação.

É frio este entardecer,
Não vale a pena fingir
E rezar por mim.
Não, não o faças.
Cheguei à vida
Porque assim quiseram.
Cheguei a sorrir...
Eu não sei bem se o desejava.
Não sabia que ia cumprir
Um fadário em que me negava
Mais fazer pelos outros
Que por mim não ser.

Hoje sonho
Noite de magia
Em que nascesse de novo;
Não para ser mais o menino
Mas para ser o “Homem”
Que com a palavra derrubasse o muro
Para que por ele passassem
Aqueles para quem não há presente,
E muito menos futuro.

Quereria ainda, antes de partir
Ter a doce ilusão
Uma ilusão do tamanho
Do meu eu
Em que a humana pequenez
Do espoliado revoltado,
Ferisse a «fera» do mundo avultado.
Para que quando a manhã nascesse
Não houvesse ricos nem pobres.
Manhã onde o Homem se afirmasse
Querer ser sem condições
A poder olhar livre, em todas as direcções.

E quando hoje deixasse de ser hoje,
Este obscuro poema
Transformado presépio real
Pudesse mostrar ao mundo:
Afinal sempre há Natal!
Senos da Fonseca
Pode ser arte
Gosto
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 Aveiro :passado e futuro – Alberto Souto




Aveiro e o Futuro

Um olharsobre o livro « DO TEMPO tÂO pOCO » de ALBERTO SOUTO




Comecei (como já disse a razão) pelo que já foi dito no passado – “ Do Tempo tão pouco”, antes de degustar, uma a uma, as 101 propostas do “Futuro Para Aveiro”, sugeridas por Alberto Souto.
Livro, como logo nos alerta o autor, recolhido de ”textos de natureza heterogénea”, contendo intervenções (nacionais e outras, centradas (sobre) em Aveiro), homenagens a autores e figuras de relevo no universo aveirense (de hoje e de ontem, mas não só) , acolhe e convida à leitura pela “dispersão” dos assuntos, (perpassando) percorrendo, em jeito de memórias” cronológicas “, um período politico e cívico muito rico, vivido pelo autor, ao serviço de Aveiro, mas, e também, estendido à sua participação na esfera governativa.
O livro é, claramente, um registo por onde perpassa o cidadão (empenhado) esclarecido, possuidor de uma estratégia muito empenhada na construção de uma sociedade mais justa, mais equilibrada, mais sonhadora com o usufruto do bem estar.
O tempo é sempre pouco para os sonhos de quem coloca a fasquia muito alto. Alberto Souto descreve esse tempo (que reconhece ter sido “curto” para tanto sonhado) o que nos leva a crer (e bom seria) que ainda quer ter tempo para outros sonhos.
Do livro destaco, no cap.1, por actualissimo, o tema , “ Inteligência Artifial” .
Do cap.2, destaco “ A detenção de José Sócrates”, pela coragem e acerto das corajosas afirmações, de então, de Alberto Souto ( hoje cada vez cada vez mais actuais) quando afirma “se a politica tem de prestar contas á Justiça– e tem– a Justiça tem de prestar contas aos cidadãos– e deve”.
No cap3, insere A. Souto em “Os 100 Anos da Avenida / Notas para uma revitalização da avenida Lourenço Peixinho” resumidas a uma clara nomeação de 9 (nove) propostas que, bem poderiam ter evitado a pobreza urbana da paupérrima e desastrosa intervenção, recentemente levada a cabo.
E, como não poderia nem deveria deixar de registar, no cap. 3, a nótula sobre “A Cooperação entre Ílhavo e Aveiro. Por razões óbvias, detenho-me um pouco mais sobre estas reflexões de A. Souto.
Começa Souto por reflectir na virtualidade da recuperação do “Lago do Paraíso”. Ora, este desígnio, se completado por uma acção mais lata, a urbanização da frente da Ria, entre Vista Alegre e Aveiro (lago do Paraíso, foi, exactamente, um dos que, em 1998, insistentemente apresentei quando, inopinada e surpreendentemente, Ribau Esteves, logo após tomar posse no primeiro mandato da Câmara de Ílhavo, me convocou para uma reunião com um grupo de arquitectos, para (eu) sugerir elementos para um “novo desenvolvimento urbano “ de Ílhavo.
(Ora) Eu defendia há muito que, o histórico (porque evidente) desenvolvimento da Vila, (vindos das brumas da sua formação), alinhada com o correr dos inúmeros veios de água que vinham despejar à laguna, deveria mudar de paradigma. “Criar-se” uma extensão da uma urbe moderna, alinhada com o Canal do rio Boco, aproveitando (e preservando) a dádiva da natureza, trabalhando de um modo cuidado e criativo, um novo conceito de vivência comunitária. Partindo da chamada “Seca do Milena”, na Malhada (onde seria criado um Fórum desportivo, cultural, comercial, e um bem projectado Hotel sobre o canal), seria tratada (urbanizada) toda a frente da ria, criando polos para o seu usufruto e dinamização, acompanhada da recuperação em novo conceito, do aproveitamento das margens das Gafanhas que, a ocidente, bordejam a Ria.
Tenho continuadamente insistido (ano após ano) neste realinhamento da Cidade. E na criação de um Museu da Ria. Dois locais, sugiro, para edificação deste equipamento esquecido (que empobrece e distorce a história do “ilho”, figura central, inultrapassável e incontornável), e nos ponha de acordo com a história lagunar: ou na Costa-Nova, incluindo as Artes Grandes), ou, então, precisamente no Lago do Paraíso. Um projecto que ponha termo à vergonhosa (pseudo) Sala da Ria, do Museu do Bacalhau, onde pernoitam embarcações acantonadas e empilhadas, num canto de arrumos do acanhado centro museológico (projecto da Câmara presidida por Ribau Esteves), num perfeito e deliberado enviesamento da gloriosa e secular história dos “ilhos”.
Sem diminuir o interesse de leitura do cap.4 - “Apresentações e Nótulas” (em particular – obvio – sobre a apresentação do “Acima das nossas possibilidades” da minha conterrânea e amiga, Catarina Resende), retenho-me um pouco nas intervenções sobre “Homenagens e Despedidas”. Nas primeiras, sensibilizaram-me as nótulas sobre o meu colega e amigo de longa data, eng. Carlos Boia, que bem as merece. Todas e talvez mais palavras de apreço e elogio, pelo aveirense interessado que sempre foi, notável espírito empreendedor, de que Aveiro muito beneficiou. Sobre as Despedidas, quase diria “faço minhas as palavras de A.Souto”.
E assim chegámos ao cap.6, “Textos Dispersos”. Interessantes de serem lidos e apreciados. Destaco “Ética, Responsabilidade e Solidariedade “, uma abordagem a questões fundamentais que devem orientar toda a acção da práxis humana, mas muito mais exigível em todos os que assumem responsabilidades de gestão pública.
Ainda neste capítulo, uma nova abordagem ao tema emergente da I.A. de que ainda não percebemos as vantagens e, muito mais preocupante, desconhecemos os perigos. Se não dominarmos a sua evolução, a perversidade do algoritmo manipulador, mentiroso e alienador, pode fazer emergir consequências nefastas, irreparáveis, para a espécie humana. É bom que as campainhas comecem a sonar.
E por aqui me fico. Esperando com sinceridade que, o tempo que foi pouco, se alongue. Para podermos, assim, voltar a ter na condução dos destinos de Aveiro, um aveirense (de raiz) de provas dadas. Provas essas, bastantes para nos levar a acreditar que Aveiro pode renascer dos malefícios destes últimos tempos de desnorte.
Senos da Fonseca

 NA REGIÂO DE AVEIRO. NO BAIXO VOUGA LAGUNAR  João Paulo Crespo  O título do livro “Na Região de Aveiro. No Baixo Vouga” era já suficiente p...