Natal
Ano após ano
Aos meninos « educados »
Foi contada uma história...
(...) há muitos...muitos anos
Lá longe num deserto árido,
Numa cabana,
Protegendo-o do frio,
Nasceu um «menino puro»,
Fruto do ventre de «uma mulher pura».
Assim nos contaram
Tão milagrosa proeza,
Prodígio de um Deus maior.
De madrugada vieram reis, sábios e que tais
E muita gente mais
Para adorar o menino
Cuja vinda se disse, então
Era semear a paz entre os homens
Acabar com o tempo da negação.
Hoje, na praia salgada,
Uma onda perdida,
Despejou na areia um menino de tenra idade.
Viria também ele salvar o mundo?
Não!
Não era menino puro, nem filho de mulher pura...
Era o KURDY, menino fugido das guerras
Feita por homens para exterminar outros homens
Senhores das guerras
Que às segundas vendem armas
Às terças traficam na bolsa
Às quartas cobram a protecção
Às quintas prostituem mulheres-crianças,
Às sextas corrompem políticos
Aos sábados vão ao barbeiro
Ao domingo, mãos no peito,
Tomam seraficamente a hóstia.
Homens de muro fechado
Em volta do coração.
O menino na solidão
Da praia, abandonado,
Não tinha
Mãe para o chorar,
Nem bois para o aquecer,
Nem reis para o prendar...
Era fruto de uma flor impura
A pedir a paz ao mundo.
Trouxe-o o mar morto da natureza
Já sem vida nem praganas.
Por companhia as gaivotas
Inconsciente, abandonado,
O dia rompia a noite
E só a lua aquecia o areal prateado.
A “vida do outro menino”,
«Filho de um Deus»
Prometido,
Cruzou séculos na história
Ano após ano, no presépio acolhido.
A história do Kurdy, menino
De condição humana
Igual a tantos milhões
Nascidos para aprender
Que liberdade se escreve com sangue,
Encerrou-se na praia,
Sem nunca a sentir ou sequer a ver.
O mar separa a história destes meninos:
Um morreu na cruz por mor dos homens
O outro morreu na praia por desamor entre os homens.
[Perante a realidade cruel da vida,
só a inutilidade da morte os compara...
SF
1 comentário:
Muito belo e bem a propósito. Obrigada.
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