E já que estamos com a mão na D Joana....clarifiquemos
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A Joana "Maluca"
Aqui sentado no meu canto, à
beira rio plantado (por mim), com um sonhado e não escondido propósito de um
dia poder gozar a velhice, desgastado do corpo que não dos sentidos, inebriado
por esta ria, tão inquieta quanto eu,mas muito mais prodigiosa na oferta de
sensações que dela podemos extrair e guardar dos que as que posso oferecer. Agora que já pouca beleza extraio da vida, é ela
que (me) consola nestes momentos: – eu sei lá?! se os poderei chamar de
criativos. Pelo menos, aqui, criar, significa sonhar, querer, desejar. Sonhar
com as palavras que gostaria de dizer, e que, se afinal não digo, é porque me
falta o estro.
Mesmo defronte aos meus olhos – ali mesmo! –, ficam as terras
da Joana «Maluca», figura histórica por quem sempre tive largo apreço. Como tive – ao menos – «talento» para cimentar amizades
que duraram uma vida, essa qualidade historicamente registada na figura da
Joana, atrai-me. E há muito, depois que contei a «estória» das visitas do José
Estêvão à grande senhora (vide www.senosfonseca.com, clicando na janela
Factos & História, em Palheiro de José Estêvão), apetece-me
dar um retrato mais preciso da Joana.
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Às vezes não chega, a um indígena, ser maluco. Para sê-lo é
preciso parecê-lo. Ora a Joana Rosa de
Jesus «a Maluca» não só o não era, como nem o parecia. A alcunha, coitada,
ter-lhe ia vindo de ter casado com um dos primeiros foreiros do Senhor de
Vagos, o pastor José Domingos da Graça «o Maluco».
A Rosa de Jesus era uma «Gramata».
Nascida em Ílhavo, em 1788, era originária da família dos Gramatas, lá do
Arnal, cujo avô, o Tomé Francisco,
fora um dos primeiros foreiros que nos fins do século XVII se teria vindo
estabelecer para aqueles terrenos arenosos que bordejavam o canal que ia lá
para os lados de Mira. Ora o certo é que o Tomé Francisco tomou o nome de
«Gramata», que era o nome por que eram conhecidos aqueles terrenos lodacentos
que tinham vindo lá das entranhas da ria, e onde apenas parecia capaz de nascer
e se desenvolver, uma erva marinha, conhecida por gramata: «diz-se a qual mó do
meio produz junco e hoje pela continuação da maré salgada já o não produz, mas
sim erva que chamam de “gramata”, apetitoso manjar para o gado».
Não teria sido fácil ao José
da Graça convencer a sogra a dar-lhe a filha. «A Gramata», já gente de
sinal, olhava para o rapaz, pastor das castras enfezadas e raquíticas, e tentava
inquirir o que «ele» teria de «seu» ou dos seus, tanto fazia.
Ora numa noite estrelada enquanto fixava as luzinhas lá no
alto acudiu ao José – rapaz esperto – uma ideia que logo ao outro dia botou em prática. E enquanto na eira da
«gramata» ia respondendo aos «quesitos» da mãe de Joana, não esteve com meias
medidas: – colhendo na mão umas espigas de trigo, atirou à «Gramata»:
- Olhe Sr.ª amiga: eu pareço um pelintra a vadiar aqui com o
gado por estes areais. Mas não colha o gato pela cor do pêlo. Que a casa de meu
pai é tão abastada e tão rica, que à noite há tantas luzes a iluminá-la, como
grãos que tenho aqui entre mãos».
E logo ali, a convencida e crédula sogra, aprazou casório.
A Joana, embora de perfil varonil em que uma teimosa barba
lhe cobria o queixo realçando-lhe o tipo, era, contudo, uma aprazível e
simpática mulheraça. Mulher ridente, faladeira e sempre bem disposta, fumava
viciosa e deleitadamente charutos. Que amigos e comensais, da sua lauta e farta
mesa, lhe faziam oferta, mantendo o stock
sempre abastado.
Abria com regozijo a porta aos políticos, recebendo amiúde
José Estêvão que se fazia acompanhar pelos ilustres que o vinham visitar ao seu
palheiro da Costa Nova. Indo de barca,
passava a ria, atracando na mota da passagem, em terrenos que confinavam com as
terras da Joana.
Mulher activa, empreendedora, boa na arte de negociar,
rapidamente a sua casa emerge como das mais poderosas e ricas da região.
Benfeitora, é ela que cede os terrenos da sua quinta onde se virá a instalar a
capela da Sr.ª da Maluca, dotando-a com algumas imagens de oráculos, devotos,
que amigos de Aveiro lhe teriam oferecido.
A Joana «Maluca» virá a falecer em 28 de Janeiro de 1878.
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