Quem inspirou, quem?
Moliceiro ou Varino?
Proposta para
esclarecimento de uma dúvida que nunca obteve resposta ....
Há muito que procuro
esclarecer-me sobre quem teria inspirado, quem? Teriam as pinturas no “Varino
de carga” surgido primeiro, ou teriam sido elas mesmo,inspiradas pelas pinturas
dos painéis dos Moliceiros?
Desde logo julgamos adiantar um
ponto incontornável, a que pouco se tem dado importância, e é ,quanto a nós
decisório :o brochar colorido das embarcações começou no mundo lagunar, precisamente
no Barco do Mar das Artes (1758) (imprópria e erradamente chamado de Xávega),
por razões de avistamento longínquo, já que estas embarcações chegavam a
afastar-se 3 e 4 milhas da costa. Esta genial embarcação, foi pensada pormenor
a pormenor como referimos largamente no livro ”Embarcações que Tiveram o seu Berço na Laguna”. As listas e espaços brochados, eram obtidos
pela aplicação de óleo extraído da sardinha–o sill, que então surgira na
fábrica de Mijoulle – misturado com pigmentos. Aplicado sobre o madeirame
conferia-lhe apreciável duração.
Ora o “Moliceiro” (ex-libris
lagunar, pela sua singularidade) terá aparecido
nas águas da Laguna no final do Séc
XVIII (?), de certeza princípios séc
XIX. Respondendo à exigência de
uma embarcação mais baixa de pontal com melhor adaptação ao fim em vista – a apanha e recolha do moliço–da sua antecessora, a bateira ”ílhava”.. Inicialmente
os barcos moliceiros foram eram apenas embreados na totalidade, ou em caso
pontuais ,brochados de branco nos painéis de proa e popa.
Das referências colhidas, podemos,
com certeza afirmar que, as suas tradicionais pinturas nas embarcações do norte
Lagunar, os painéis profusamente garridos, só teriam surgido em fins
do Séc. XIX, ou mesmo, só nos primeiros decénios do Séc.XX.
Estas pinturas, inicialmente
feitas pelos próprios construtores lagunares– os mesmos que criaram o “Barco do Mar”–, eram muito “naifs”, com os
painéis de proa inserindo motivos de
exaltação (ao mestre construtor, ao rei –antes da queda da monarquia –, ou ao
orago da preferência) ao passo que, os painéis da ré, plasmavam motivos
da vida rural, agrícola. Nestas decorações salpicadas
de sal da ironia(FM) sugestivamente picantes,
induzindo
a malícia(e algum erotismo) na linguagem do vernáculo popular do rodapé. A
que, por vezes, nem faltavam os erros ortográficos que só valorizavam a originalidade do conjunto..
As imagens
“brochadas” numa pintura espalmada, não exigiam, aos mestres, habilidades
pictóricas de relevo. As orlas, motivos decalcados, repetidos, eram contudo, de
grande variedade e intensidade cromática, numa profusa garridice.
Vejamos então : o “Varino” de
carga (que surgirá no Séc XIX ) ,sucede ao barco de “Rio Acima” .Este mais não
era, do que uma evolução( expressa em dois ou três pormenores), da bateira “ìlhava”, que operou no Tejo. E, tal
como aconteceu com os “Moliceiros”, que no final do Séc XIX apareceriam ainda
brochados de branco por entre o negrume
do seu casco, também os Varinos começaram a aparecer assim brochados de branco
nas amuras de proa.
O “Varino” de carga, cujo
conceito criativo está indiscutivelmente
ligado aos mestres lagunares(emigrados para a margem sul do Tejo), construído também em profusão, na Laguna( depois varado o mar para Lisboa), segue uma decoração cuja
tipologia não oferece duvidas: é inicialmente inspirada no “Moliceiro”, muito
embora, naturalmente não reproduzisse cenas da vida rural: no “Varino “ as partes a sobressair sobre o embreadro eram, como se disse acima, as
amuras, numa cor preferida do mestre ou dono (brancas, azuis, amarelas etc ),a
falsa falca ,os cunhos de amarração (normalmente de um vermelho vivo) e o
calcez do mastro. No brochado das amuras começaram, mais tarde, a aparecer,
inserido, o nome identificativo doa embarcação.
Certo é que em meados do século XX, teriam sido chamados a produzir
decorações, no “Varino” de carga(em alguns, de um modo restrito) pintores (profissionais
) de faiança de fábricas próximas, sitas
na margem sul do Tejo, perto do seus portos de abrigo(zonas dos pauis da margem
sul. Surgiram assim , trabalhos onde se nota requintado exercício, com
representações artísticas de assinalado valor, onde já se nota uma
representação tridimensional (na representação floral), em que os elementos
representados têm real valor artístico.
De igual modo, no “ Moliceiro”
lagunar, nos primeiros decénios do Século XX, os mestres foram
cedendo o lugar a novos intervenientes : pintores (a tempo
inteiro ou parcial) que melhoraram a representação, apurando o desenho e
extraindo efeitos apreciáveis nas orlas dos painéis.
Embora de modo e finalidade, diferentes, as
corres garridas foram aparecendo em outras embarcações tejeiras: nas Faluas, Canoas
,Catraios. E até nas Fragatas.
Ficamos esclarecidos?
Senos da Fonseca (Agosto 2019)
Sem comentários:
Enviar um comentário