domingo, março 23, 2025

 





(Do livro « Filinto Elíseo-O POETA AMARGURADO)


------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

A história da fuga dos pais de Manuel do Nascimento

(futuro Filinto Elísio) para Lisboa

A cena passa-se na borda da água, onde se percebe uma embarcação em preparo de viagem. Manuel Simões, de manaias, camisa ao xadrez, descalço, barrete pousado no ombro, está a embarcar sacos, a estivá-los no fundo da embarcação.


Maria Manuel (avental garrido, xaile traçado e preso na cinta, canastra sobraçada entre o braço e a cinta) entra claramente esbaforida.


Manuel Simões

Que é lá isso?!… vens p’rá aí desentoada, com uma guita maior que o reçoeiro do «Ti Esse»… . Que trazes tu na alma, por raios e coriscos? «Inté preces» que viste lobishome, mulher inquieta, de corpo e brilho faiscante no teu olhar de mar, sempre às voltas… sempre às voltas.


Maria Manuel

Pois se te parece, …não é para menos. Olha (!) vim da Ti Josefa «Aparadeira», que me garantiu as minhas desconfias: estou grávida, Manéu! E agora? (mal o Manel ia para começar a falar, atalhou) – olha amigo, não… não estragues a tua vida por mim. Os teus não me querem, e não vale a pena pores-te de barréga com eles, por mor de mim…


Manuel Simões

(Manel, agarrando a Maria e cingindo-a a si, com alteração de tom de voz, irritado…)

É!… . que é lá isso. A mim ninguém me estraga a vida. Eu não vou fazer a vida com a minha mãe. Ela é que tem de Te aceitar. E sem banguinisses…


Maria Manuel

Pois… mas começam logo, nos diz que disse, que eu era uma bardaleira estouvada, que não era mulher de boça… olha vai ser um palratório por essa borda abaixo.


Manuel Simões

O raio… é que vai. Olha estou cá a inquisilar: p’rá semana vou levar a enviada, «Manuel do Nascimento». Tu, se não tens medo, vais comigo. E eu que já andava com ela ferrada há muito, se o pensei, melhor o vou fazer. Maria!… vamos ficar por lá… . Isto por aqui não interessa a ninguém, e muito menos aos que vão nascer.


Maria

(Maria libertando-se e levando a mão ao peito, como a se inquirir)

Medo eu, Manéu?!… nem ó vida!… nem chari-lo. Leva-me para o fim do mundo contigo, que eu vou a cantar «corre corre ligeirinha / vai mai-lo teu amor / quem tem medo fica em casa / quem ama vai tratar da vidinha». Vamos homem da minha vida. Ai rico: perco-me nos teus olhos, mareio-me nas ondas do teu cabelo, vivo para te ouvir chamares-me: – Maria!


Manuel Simões

Combinado, prepara a trouxa, e terça, vens aqui ter. Arrancamos com o sol, e vamos por aí abaixo.


Maria

(fazendo um gesto doce, como que envergonhada pela revelação)

Olha e como se vai chamar o rapaz?


Manuel Simões

Eh!… mas como sabes que é um rapaz?


Maria

Atão não sabes que as crianças feitas à beira mar, são sempre rapazes? Lembras-te que a lua estava redonda?


Manuel Simões

E que nome vamos pôr ao «verdugueiro»?


Maria

Olha!… como disseste que o barco se chamava?…


Manuel Simões

«Manuel do Nascimento»…


Maria

Pois aí tens… . não podia ser melhor. Vamos. Adeus… (encostando-se ao ombro do rapaz, despedindo-se, beija-o com ternura e paixão. O sol desaparece e a lua espreita lá na serra derramando uma luz ainda adormecida sobre a área lagunar. Tempo para num surdo murmúrio o mar se fazer ouvir, num quebra mar suave ao espreguiçar-se no areal da praia.)




2ª Cena



(Cenário representando a mesma embarcação. Apenas o lateral, onde se pode ler, à proa, «Manuel do Nascimento»; só que agora, a navegar, no mar. Na embarcação vão embarcadas duas figuras: Manuel Simões e Maria Manuel. Simulada, a vela está erguida, fazendo parecer que a navegação se faz em alto mar)


Maria

(lançando um olhar sobre os longes).

É lindo o mar! Será que é nesta imensidão, neste azul tão azul, onde nos sentimos intrusos, que encontramos a paz com nós mesmos? Ah!… se o mar nos engana, quem na vida nos alenta? Sabes, meu homem, gostava de ter aqui um ramo farto de camélias brancas para oferecer ao mar. Ao oferecer-lhe o ramo, queria ver o vento roído de inveja, ao vir cheirar a doçura da flor. Aqui, parece que sou imensa; do tamanho que enxergo, e não da pequenez, que realmente sou. Quero levar comigo, e com ele sonhar, o último horizonte: o teu filho. Tão longe, tão longe, parece-me que o sinto. Estou perto, sou eu a fonte.


Manuel Simões

Eh!… rapariga tu hoje estás poeta… ainda pegas o vício ao cachopo…. E ele em vez de trabalhar, vai é papaguear para os salões dos coroados, da «porcalhota»…


Maria

(apontado o longe com dedo)

Olha homem (!) como sabes nesta imensidão, descobrir o caminho certo? São aqueles pássaros alados que to dizem?


Manuel Simões

Não, Maria: tenho aqui um relógio de sol que me diz para que lado vou. E de noite te direi o resto. Vá… tira lá uma bucha, que já tenho o estômago a dar horas.


(Maria, célere, estende um pano, tira de um pote de barro uns rojões e, de uma saca, umas padas de trigo. Destapa uma bacia, aonde, por entre uma molhanca alourada, acremente avinagrada, se descortinam uns peixes de escabeche. Tinha, aspecto e perfume, de enloilar os deuses do mar esfomeados. Comendo vão falando, enquanto Manuel tende a ostaga, retesa um pouco a escota, e fixa o rumo. A luz desce, e é quase noite. Aproveitando a aragem nocturna que sopra para terra, a embarcação avança rápida. Ao crepúsculo, Manuel indica a foz do Mondego, lá ao longe, nas três milhas de resguardo. O vento moderado, batia-lhes nas ideias e inundava-lhes a secura humana do afastamento. Cada vez maior. Terão saudades dos que ficaram? Talvez… mas que interessam essas saudades para a nova vida que procuram (?!).


Maria

Manéu!… agora, de facto, a vida parece-me um tresmalho emaranhado. Tem sentido se o estenderes todo. Como fica depois de cada lanço, é, apenas e só, um novelo.


Manuel

Olha Maria: eu por vezes sonho demais. E é – eu sei lá(?!) – esse sonhar em demasia, que me retira o ser totalmente feliz. Olha! a vida é como esta viagem:– cheia de solavancos. Mas contigo a meu lado, eu sei porque a quero viver. Se aqui não estivesses, sei lá por onde andariam os meus sonhos.


(De manhã, cruzam Nazaré. E pela tardinha, antes de anoitecer, vislumbram as ilhotas lá ao longe. A aragem da noite a refrescar, é daquelas que não apaga, antes atiça, a paixão. Incendiando os corpos…

Maria aconchega-se e enleia-se no corpo do Manuel. E vogam os dois, corpo dentro do corpo, abraçados naquela bela e tranquila noite, sob um céu de Abril onde as estrelas pareciam pirilampos esfogueados. E apenas o marulhar quebra o doce gemido dos ais. É tão grande este silêncio circular, rente ao mar, onde tantos por lá ficaram mudos e quietos, que apenas se ouve um sussurro arrastado)


Maria

Quem te ensinou a falar com o vento, amigo?


Manuel Simões

Foi o coração. Que cuida de tanto o olhar e sentir… Parece que nunca chego a desembarcar dele. Os seus anúncios, neste sáfaro oceano, nem sempre saem certos. Às vezes o decifrar, sai-me às avessas E então, é o caldo entornado. Zangamo-nos, eu e ele, e é um «mar de aflições», até que lhe passe o escarcéu. Ando dois dias sem lhe falar. É… é difícil de entender o vento! Muda mais vezes que uma mulher…


Maria

Ei… …eh! raios: o que estás p’raì a blasfemar? Olha Manel as viages são sempre assim sossegadas?


Manuel Simões

Nem sempre… nem sempre (como que a recordar). Na última, o meu moço esqueceu-se da almotolia do azeite. Chegados à Barra, já que tínhamos de esperar pela maré, mandei-o à vila, a buscá-la. Vá maneia-te antes que chegue a maré: disse-lhe eu. Mas demorou tanto, o simprinhas, que eu, com medo de perder a maré, larguei sózinho para Lisboa. Disse-me, quando voltei da viagem, depois da pregação que lhe fiz e de uns cachaços com que o abanei, que só terá pensado: então o sr. Mestre, não esperou, e vai sem o azeite? Na viagem, sózinho, apanhei trabuzana desarcada. De saltar, encabritar, e tive mesmo de entrar em Peniche, nos limites. E o raio do malino, só preocupado com a falta que me fazia o azeite. C’atè ele (!)… o zamparilhas… fundeou por ali, até ao meu regresso


Maria

E não tiveste medo, sózinho?


Manuel Simões

Ora vai-te… …qual medo (?!): um barco é feito de tábuas, as tábuas não vão ao fundo, logo, raio (!), um barco não vai ao fundo.

Olha Maria: o mar é meu amigo; o mar é sempre amigo dos que o respeitam. Aos homens, bem os podes desrespeitar. Cortam os chavelhos e não se vê. Mas o mar, esse (!), se lho fizeres, perde-te o completo respeito. Há barcos pequenos que levam gente de grandes sonhos; e há barcos grandes que trazem gentes, já sem sonhos. Um barco carregado de sonhos é mais leve. Carregado de desilusão, até lhe apetece ir para o fundo. Vá… vai descansar, que amanhã estaremos em Belém a entregar o «Manuel Nascimento».


Maria

Vou sim Manuel, mas deixa-me perder o olhar errante neste pôr de sol, e deixa-me agradecer à natureza esta viagem. Quero sonhar com tudo que me encheu os olhos e a alma; quero, a sonhar, rever tudo o que vivi e tudo o que senti, mas de um modo ainda mais límpido que este azul do mar que vem lá das suas entranhas. Quero voltar a adormecer à porta da infância.


(e recita olhando o mar, o oiro da luz brilhante do pôr do Sol refletido nos olhos meigos, de um verde d’água inocente)


Fim de tarde ao acaso

Pintada, nem eu sei por quem

Nunca vi tanta cor, tanto amor

Sem gritos ou palavras, tanta alegria,

O mundo me parece fantasia


(Aconchegada, Maria enrosca-se no corpo de Manel, que a envolve como dobra do lençol; dos lados de terra vê-se já, surgir a luz loura do luar, a serpentear na ténue agitação do mar).

Quando acorda, Maria Manuel, de repente, dá-se conta que está no Tejo; vê a Torre de Belém de que tanto já ouvira falar, e sente uma espécie de despertar da alma, ao vislumbrar, nas redondezas, inconfundíveis «ílhavos» que carpinteiravam nas suas embarcações, carenadas. As suas gentes! Deslumbrou-se com a imponência, a lindeza do Jerónimos… …Sol de pouca dura, pois foi a breve trecho solicitada para dar um salto à proa, para o passar cabos. O que fez sem se fazer rogada, ou sequer acanhada. Depois foi anichar-se contra a antepara do castelo de ré. A cidade de que tanto, por outras bocas e desde menina, ouvira descrever, parecia-lhe húmida. O fresco da primavera parecia-lhe mais intenso do que o da sua terra. Do outro lado a margem. O que seria? uma ilha? não sabia… . Talvez mais tarde… o tempo parecia que ia mudar. O estai da frente paneou… . bateu forte, e fez estremecer o «Manuel do Nascimento», empurrando-o contra a muralha. Maria, levou a mão ao ventre, e logo se interpôs a tentar evitar novo assalto. O “barco era já” o seu Manelito, e ela queria protegê-lo de todos os embates.

Manuel tinha um grupo aguardando a sua chegada, para entrega da embarcação, documentos, e lista de carga)


Maria

(espantada seguindo com o braço o horizonte)

Olha: Lisboa, parece ser mais aldeias encalavitadas, que bairros como os nossos. Longos braços a desceram daquela colina abaixo. E tantos… tantos… campanários. Olha Manel! parecem bafientos… abandonados. E as gentes? As gentes do império? Fugiram?… .


Homens da faina no cais

(falando para o Manel)

Então… e a viagem? Que carga trazes contigo?… …parece bem derreada… Que tal é a embarcação?… arrastada ou ligeirinha?


Manuel Simões

Maneirinha… do melhor… saído dos estaleiros do mestre Caramonete. O barco é uma maravilha como todos que saem das mãos do afamado mestre caraveleiro, o Caramonete que, com enxó, é capaz de fazer, de um pinho, um palito.


(Pelo braço do Fragateiro Real, o Manuel foi puxado para o interior do armazém. Era tempo de conversa a sós. O João Fragateiro, assim se chamava o mestre, abriu um mata-bicho. Sentando-se, entregou as quatro moedas de ouro, preço aprazado para a viagem de «varar o mar», que só os “ilhos” tinham a ousadia de fazer. E logo se preparava para acertar um novo “varar o mar”, o marear de uma outra enviada vinda lá da laguna, quando o Manel o interrompe, cerce…)


Manuel Simões

Não mestre. Ó’esculpe…: mas olhe!… quero mudar de vida. Vou ficar por aqui, tentando a minha sorte. Mais caseiro… claro. Para isso trouxe a mulher. Vou assentar arraiais aqui, botando-me à sorte. Aquilo lá por cima, com as águas inquinadas, vai uma mortandade. A vida na ria morreu. Tanto prometido, e tão pouco dado. Deus foi avaro. E até ingrato, com as minhas gentes. Vou tentar as companhas da tarrafa…  Sempre deve haver lugar para mais um: tenho bom corpo, e conheço das artes aboiadeiras. Estive muitos anos na Xávega. Sei ler o mar, e sei descortinar-lhe o arrepio dos cardumes.


Fragateiro real

Olha Manel! Que vens acompanhado – e que a companhia é um hino à beleza, luxúria para os olhos, tentação para o corpo – isso já eu tinha visto. Não rapaz… eu não sou cego. Guarda-a, pois emproados como o da tua mulher, são raros. Mas olha: se então o que queres, é ficar por aqui, sempre te digo que cada vez há mais embarcações a descarregar no porto de Lisboa. Vindas dos brasis, das índias, a trasfegar para toda a Europa. Eu – fragateiro-mor, real – preciso de gente hábil para trabalhar com o carreto, a carregar e a descarregar os navios. Se quiseres o lugar de mestre de uma das fragatas – olha!… a que trouxeste – é para ti. Sei o que vales. E enquanto não arranjais pousio, telhado, a mim foi-me concedido habitar na casa da Ribeira da Naus. Desta idade, sózinho, se quiserdes, podeis lá ficar comigo, até se governarem. Tu e a tua mulher. Como se chama, ela? ah! …já sei: ouvi-te chamá-la de Maria Manuel… bonito nome, em bonita mulher, rapaz(e sorri abraçando o Manel).


Manuel Simões

(separando-se do Fragateiro)

Pois aceito mestre; é muita bondade sua. Bem as coisas começam a bulir, e o Manelito do Nascimento, vai nascer em boas palhas… . reais… .


João Manuel

Que dizes… não entendo… o nome não é o da embarcação que trouxeste…? É… não é…?!


Manuel Simões

– É… é!, mestre; mas é o nome, também, abotado ao filho que a minha mulher traz na barriga. E olhe: – Vossemecê vai ser o padrinho.


Fragateiro Mor

– Serei… serei, …Manel, para inveja de umas sobrinhas, pedinqueiras, que andam a fazer as contas ao que o meu suor ganhou.



Senos da Fonseca




sexta-feira, fevereiro 21, 2025


  TEMPO DE REFLEXÃO


Dirão uns que pretendo com este apontamento «imitar» Alberto Souto com as suas 101 ideias para "Um Futuro para Aveiro ».Se falarmos em motivação,,,incentivação ....etc,talvez. 

Creio que, contudo, aqueles que me conhecem mais de perto, constatarão e podem testemunhar que, há muito – mesmo muitos anos – venho insistido na necessidade de se dar uma volta a Ílhavo, virando o seu alinhamento histórico, perpendicular à ria, para um novo alinhamento urbano ribeirinho, paralelo ao Canal do Boco.

Estão aí anunciados os candidatos às próximas  Eleições Autárquicas que acontecerão este ano. Resolvi expor (concentrando) as ideias que venho defendendo, algumas visando uma ligação mais intensa e mais inclusiva das Gafanhas. Certamente que, às ideias sugeridas, os gafanhões terão eles, mais sabedores e com conhecimento mais próximo dos problemas – de acrescentar (ou reinvindicar) ideias para criar  um novo futuro.

Aqui vai, pois, a minha reflexão sobre como, não num mandato, mas em dois ou três, (os necessários) se poderia dar nova face ao  novo « ilhavo », agora sem o mar para procurar novos designios


------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Ílhavo e os Novos Desafios


1- Estudo das vias (por este e oeste) que permitam libertar o centro da cidade de movimento de veículos em trânsito.

2- Criação de um Plano de Urbanização  abrangendo a zona ribeirinha, que vá da Ponte da Água Fria, à Coutada, com a criação de uma centralidade (soberana) na Malhada, onde, no local da antiga Seca do “Milena”, seria instalado um Centro de Lazer /Hotel.




3- Aquisição negociada de todos os edifícios (estabelecimentos) sitos na lingueta do antigo “Peixoto” ao edifício ”Rocheiro“. Criação de um jardim público na continuidade do jardim Henriqueta Maia.

4- Recuperação e requalificação do edifício do antigo Colégio.

5- Aquisição e terraplagem de todos os edifícios sitos na chamada” garganta dos Amadores”, criando zona verde paralela à área do ponto 3.

6- Negociação/aquisição para instalação na casa “Henriqueta Maia”, de um centro cívico polivalente.

7- Estudo de requalificação do “esteiro da Malhada”, e do terreno anexo, até ao acesso à Ponte de Juncal Ancho, para fins de lazer com o aproveitamento lagunar.




8- Negociação com o proprietário, para aquisição (se possível?) do terreno da antiga “Seca  Abreu”,(hoje Pacoal ) para instalação de um Parque Desportivo Municipal/ Multiusos, Forum ou outro.

9- Libertação da zona histórica da cidade de circulação /estacionamento, de viaturas automóveis. Edificação de quatro parques de estacionamento de proximidade dessa zona que permitissem albergar viaturas de não residentes e visitantes. Criação de um sistema de transporte não poluidor, rápido, eficiente e constante (período a fixar)

10- Recuperação (privada ou camarária) de edifícios “históricos” degradados.

11- Estudo plano de aproveitamento da área da  Malhada contigua ao esteiro (recuperado ) como área (e infra estruturas) para espectáculos, festivais com elevada dimensão, retirando estes da área central da cidade. 

12- Plano para localização de espraiados lagunares contíguos a áreas de  habitabilidade (sempre desenvolvidas paralelamente  ao designado Rio Boco).

13- Plano para tratamento urbano de toda a zona ribeirinha oeste, desde a Gafanha da Boavista à ponte da Gafanha da Nazaré.

14- Plano urbanístico que vá da Avenida da Srª do Pranto até às Moitas onde se inclua forte componente de habitação social.

15-Criação de uma extensão da AHBVI na Gafanha da Nazaré (especialmente e desde logo serviço ambulâncias)

16- Criação de um plano de apoio às Instituições (Associações) concelhias, apoio fixado em planos anuais apresentados e avaliados por Comissão a constituir para o efeito.

17- Instalação de uma extensão do MMI, sita na Costa Nova, para instalação do Museu da Ria e das Artes Grandes (embarcações, artes, história).

18- Criação (participação de privados) de passeios lagunares no Canal do Rio Boco, tendo por base o esteiro (requalificado da Malhada), entre Vagos – Gafanha Nazaré (e até Costa Nova) com programas de visitas acertadas ao Museu Vista Alegre, Museu Marítimo de Ílhavo e Museu da Ria e das Artes Lagunares (a criar).

19- Negociação/aquisição da Quinta dos Moimentas para um Plano Habitacional em a desenvolver (etapa a etapa).

20- Estudo de requalificação da Rota das Azenhas, com a um programa de reedificação das mais notáveis.

21- Estudo conjunto com a Junta Freguesia da Gafanha da Nazaré para criação de uma centralidade citadina.

22- Estudo e construção de uma réplica de um lugre de madeira da pesca do bacalhau, recuperando a história da construção naval da Gafanha da Nazaré. Criação de um centro Histórico interpretativo da Saga Bacalhoeira .

Senos da Fonseca (.Jan 2025)


PS – Muitas destas propostas foram longamente discutidas com o meu amigo arq. José Paradela, chegando a pensar-se apresentar um plano simples, mas elucidativo, para os pontos 2) 8) e 13), entre outros.


segunda-feira, fevereiro 10, 2025

  Maria de Jesus, a «  PINTA-CRISTOS»



A Maria de Jesus Neves, universalmente conhecida por «Maria Pinta - Cristos» na sua Terra, era uma boa mulher. 

A Maria de Jesus, muito conhecida, costumeira reparadora de imagens de oragos, espécie de cirurgiã esteta-ortopédica graças a uma invulgar habilidade, tinha solução para conserto de toda e qualquer maleita que, por desmazelo dos fiéis ou por maladia vinda com o passar do tempo, atacasse ainda que mesmo, «aqueles» em quem, habitualmente, se procurava remédio para as humanas desditas, mas que, coitados, só faziam milagres em casa alheia. Para isso os clérigos da região, e até os de fora, procuravam a curadeira de santo, pois como veremos a fama da Maria ultrapassou as fronteiras da nossa santa terrinha. Maior que a dela só conheci a do «Ceguinho» …
A Maria «Pinta-Cristos» tinha o seu atelier, ali no Beco que hoje ostenta o nome da Prof. Maria Vidal -que ao tempo ainda nem sequer ali morava –, mesmo em frente à casa dos meus avós, Vão já lá muito mais que dez mãos, de anos. Miúdo, ia sentar-me no rebate de granito que dava para o ambulatório de santo, seguindo com curiosidade as suas «intervenções»: braços, pernas, cabeleiras, retoque de narizes, acentuar das bocas celestiais, e até novo design para a reparação dos mantos dos oragos; todos (e tudo) …que, entrassem  envelhecidos e ou alquebrados, saíam das suas mãos, prontos – se esses mundanismos já então se realizassem – para concorrerem a uma quaisquer «Sky Fashion ».
Era muito simpática, a Maria de Jesus:  baixota, bonacheirona, sempre muito escofenada, sempre a bulir, cara marota muito redondinha de onde se salientavam duas maçãs camboesas muito vermelhuscas, a adoçar-lhe o rosto, a Maria dava indícios de ter sido, em nova, uma muito bonita e atraente mulher. Sempre de xaile preto impecavelmente assente, maleta na mão onde levava os santinhos para despacho ao recoveiro, lá ia muito afogueada e cumprimentadeira, num passinho miúdo, muito rápido e ágil, rua abaixo, lá para as bandas da “Praça”. 
Mas de onde teria vindo a sua fama, badalada de paróquia em paróquia?
Vamos lá contar o que ouvimos contar num seroar daqueles tempos, em noite de trovoada,  sentados em cima dos cobertores de papa, luzes apagadas, apenas iluminados por um daqueles candeeiros de petróleo de chama bruxuleante e mortiça, no intervalo da reza, rogando intercepção de protecção, a Stª Bárbara, enquanto no fogo se punham a arder raminhos de alecrim retirados ao bouquet pascal, muito próprios–entendia-se–para protecção a raios e coriscos.        
Ora um certo dia, apareceu à Maria «Pinta-Cristos» o cónego Justino Belchior, da Murtosa, trazendo uma Srª do Rosário que, apresentava forte traumatismo craniano com mossa avultada na cabeça, sem cabeleira própria de senhora dos céus.
O Pª Justino deixou a santa ao cuidado da Maria que, desembaraçada, logo encontrou meio de fazer uma craniotomia, para o efeito enxertando uma batata (jovem) na cabeça da dita, fixando-a na terra cota por fios barrentos. Depois de tudo bem amaciado, a Maria reconstituiu, amaciou, alourou e encaracolou os fartos e caídos cabelos da Senhora, sobre os quais depositou a aura que pareceu rebrilhar ainda mais.

Foi a Santa colocada na Igreja da Srª da Natividade, na Murtosa, onde os devotos fiéis admiraram e elogiaram o trabalho dos liftings levados a cabo pela reputada esteticista.
Era o tempo em que, acabadas as sementeiras do batatal, começava a despontar das areias revolvidas por suado empenho daquelas gentes da beira ria, um viço verde-escuro sobre o qual se faziam opinativas previsões. À cautela ia-se junto dos santos pedir intervenção para que a época fosse frutuosa, bem diferente da do ano anterior. Não se augurava nada de muito bom. Os terrenos continuavam encharcados pela danada da ria, e por mais moliço e escasso que se lhes despejassem em cima, por maior revolto que com eles se obrasse, parecia que aquelas areias sujas do lodaçal, não havia maneira de se tornarem ventre frutuoso.

Ora um belo dia o sacristão, intrigado, veio alertar o beato de que, ali, mesmo debaixo do tecto, havia milagre. Da cabeça aureolada da Srª da Conceição, despertava viçoso pé de batatal que dia a dia parecia crescer. O abade Justino Belchior logo foi inquirir e não foi preciso sherlockolmear muito para se aperceber da marosca. Tipo esperto, sabedor que para a produção de fé, um simples acontecimento estranho tem mais efeito que mil sermonários, anteviu, ali, um belo instrumento para a evidenciar. E por outro lado, sabe-se lá, tirar os seus proveitos, obter alguma prebenda, para quem como ele, simples abade da vila, tinha levado uma vida a pregar com os bolsos sempre vazios, a exalçar ser  dos pobres  o reino dos céus, o que convenhamos, é boa prática a recomendar ,mas má para usar.   
É certo que ao tempo ainda não havia internet. Mas soprado de boca em boca o milagre, as gentes começaram a acorrer á igreja, para ver, com olhos de ver (!), o anúncio, do que diziam ser os sinais de um bom ano de colheita.
E logo o interesseiro Belchior percebeu que estava ali o seu S.Martinho. O S. Martinho do passal paroquial. E se o pensou logo o insinuou:

- Que sim senhor, mas que era aconselhável ¬- dizia - trazer umas dádivas para melhor conquistar a mandadora dos sinais. Que nisto de santo há-os mais agradecidos e os interesseiros....

E o certo é que por coincidência – ou outra coisa --- lá que as há …há… – nas terras  gafadas, o desenvolvimento da palha do batatal prenunciava colheita como há muito se não via. E foi um carregar para ofertar à Senhora; sacadas de milho e batatas, frangos, carninha do bácoro recentemente esganiçado, esmolna em moeda de lei. Enfim, tudo o sacrista recolhia ,animoso que o Sr. Abade se lembrasse, neste fastígio de fartura, do seu acólito.
O celeiro encheu; e até verteu fora, dando para ir ao mercado, a Estarreja, para mercadejar o excesso e, desse modo, recolher o suficiente para comprar uns tarecos lá para a casa do pobre cura, que, coitado, também era filho de cristãos, e de há muito ansiava por uma sédia onde pudesse abusacar-se finda a jorna espiritual, na sombra do seibão do passal.

Época feita, apurada a colheita, o povo andava cada vez mais chançudo na sua Senhora; e achava que Lhe deveria ser grato. Por isso, sempre que ia de visita, levava-lhe espórtula  que deixava na caixa colocada para tal fim, aos pés da santa.
Espantoso foi que, terminada a colheita,  de um dia para o outro como que por milagre, o batatal na cabeça da santa, tenha desaparecido. O astuto Belchior, em noite azada, tinha extirpado o caule que grassava por entre o cabelame da santa, e tudo tinha voltado ao normal.
Triste andava o sacrista. Acabara-se o milagre, e para o ano as coisas não prometiam repetição, que nisto de milagres não se pode ser mãos largas e torná-los banais.
E um dia resolveu queixar-se ao cónego:

- Pois é Sr. Abade... Não há bem que sempre dure. Os bons tempos de fartura foram-se. Para o ano temos de voltar aos caldinhos, leves de conduto.

- Oh! zamparilha (!)...homem indigno do convívio com a santidade!.... descansa, homem - returque o P Justino Belchior, fitando a cara do azabumbado acólito - para  o ano o milagre vai ser o do milhal. Prepara o celeiro ,disse maroto, o abade Belchior que, nos entretantos já  tinha vindo a «Ívalho»,acertar com a Maria «Pinta-Cristos»– não fosse longa a lista de espera!–,a operação da trepanação a levar a efeito na estação do defeso,  consistindo  em substituir a batata por uns grãos de milho envoltos em cera de grilo, muito apropriada para derreter no momento certo .

E a Maria de Jesus nem percebeu as razões para operação tão esquisita, e até nem alcançou das razões porque é que o Padre Belchior, sempre tão forreta, lhe pagou o trabalhinho a dobrar. E que,ainda por cima, lhe deixou um saco de avantajadas batatinhas, tão agradecido se mostrou pelo bom trabalhinho feito pela «Pinta-Cristos».

O certo é que, fosse no segredo dos confessionários, quebrado, fosse em algum parlatório em fim de lauta jantarada, o certo é que a manha foi ao conhecimento de outros colegas do abade Justino Belchior.
E à Maria «Pinta Cristos» começaram a chegar os pedidos mais esquisitos para delicadas intervenções de enxerto cranianos, todas com uma particularidade comum: SER COISA DE GRELO ...
  
            Senos da Fonseca



segunda-feira, janeiro 13, 2025

 NA REGIÂO DE AVEIRO. NO BAIXO VOUGA LAGUNAR 

João Paulo Crespo 



O título do livro “Na Região de Aveiro. No Baixo Vouga” era já suficiente para me despertar a atenção e o incluir nas leituras diárias. Sendo da autoria de João Paulo Magalhães Crespo, colega a quem me liga, um conhecimento de seus progenitores, especialmente a seu Pai, eng. Magalhães Crespo, por quem mantive consideração e até admiração (porque um qualificado engenheiro), mais interesse me motivou fazer uma abordagem ao livro.




Li-o, pois.Sendo um livro  de memórias da actividade profissional do João Paulo M Crespo, exercida na Zona Agrária de Aveiro onde assumiu as funções do “Projecto do Vouga”, as memórias cronologicamente registadas e contadas, vão dos  primeiros passos de  intervenção no “Projecto de Execução  do Sistema Primário de Defesa do Baixo Vouga Lagunar ” (1991), até 2024, ano em que  termina a sua  actividade profissional, com o sentimento (esperança) perante o Concurso Internacional para a concretização da execução do referido plano que, finalmente(!!!), aquilo porque tanto lutou vai, finalmente, passar do papel a obra.

Ainda há pouco tempo elaborei um pequeno livreto sobre uma matéria que me despertou muita curiosidade: – o “Plano de Navegabilidade do Vouga”. Nascido no tempo de Pombal, foi  o  estudo da sua viabilidade, concretizado, no reinado de D. Maria.

Nesse plano era já aflorada a importância económica da zona do Baixo Vouga(3.000 ha)  provinda  dos seus férteis terrenos, onde a interacção  do homem com o meio geográfico(sempre em mutação na relação, terreno  com a água  do salgado lagunar) teve (e tem ) de ser constante para manter (e até melhorar) a produção agrícola do interland lagunar.

No livro de J.P Crespo, apercebemo-nos que, tal como naquele tempo já longínquo pombalino, as dificuldades burocráticas, o tramite dos processos num constante rodopiar por gabinetes, é desesperante para os técnicos planificadores proponentes, que ficam a aguardar, esperançosos, o “será agora que o “Vouga” vai avançar”.

Pelas páginas das memórias de Crespo, vê-se como as esperanças, quase por norma, repetidamente se finam ou, quando muito, se limitam a intervenções pontuais de amplitude muito reduzida.

O problema da subida e consequente extensão das marés, consequência do aumento das condições de acesso ao Porto de Aveiro (com notável incremento e com projecções que indiciam exigir o aprofundamento do canal de acesso e barra, a níveis até há pouco impensáv
eis),vai aumentar a necessidade de se tratarem as defesas das margens interiores, para manter uma gestão sustentável do solo e dos ecossistemas , evitando o seu encharcamento pelo salgado. 

Crespo esclarece na Agenda de Inovação para a Agricultura (2020) que,”sendo os agricultores os verdadeiros gestores do território, assumem uma especial importância  no baixo Vouga Lagunar ”.... e assim continuar a acreditar num sistema....simples de produção de um “regadio sem rega” ,em que a água salgada procura reclamar para si  o seu território e a “minha” teimosia  a procura contrariar até quando e enquanto me for possível”, alertando para importância do “Projecto de Defesa Primária do Baixo Vouga ”(enunciado e  em circulação em despachos estéreis ministeriais,  há mais de duas décadas ) . Na “linha do tempo”, Crespo aponta 2023/2024 como anos do Concurso Publico Internacional para Execução da Obra.

Será que o “Vouga vai avançar?. ....apetece-nos repetir.

Em resumo:um livro de memórias de um excelente e esforçado profissional ,apaixonado pelo Baixo Vouga-Memórias que se leem com muito prazer, e gosto porque, muito bem equacionadas, são excelentemente desenvolvidas em linguagem sucinta ,escorreita e directa, não maçando, antes despertando  o interesse ao tempo em que  enriquecem o conhecimento do ecossistema onde nos integramos. Que é preciso preservar.


Senos da Fonseca (Jan 2025)




sexta-feira, janeiro 10, 2025

 


O apagão  da nossa história não foi corrigido...



Em 2007 escrevi então sobre o MMI, o que reproduzo abaixo.,Hoje voltaria a repetir tudo, e do mesmo modo.  Ainda há pouco me pediam informações sobre o historial de Ílhavo.É um facto: transmitiu-se (e a farra continua) a  dar-se ideia de que só soubemos ser gente nos “bacalhaus. Apagou-se uma boa(a maior e mais significativa parte) da nossa história.


---------------------------------------------------------------------------------------

Museu 4

O livro «Museu com Memória» que elogiei no Blog anterior –ponto final ! – contém abordagens que ,no meu entender, necessitam de alguma fixação.

No final do livro, numa espécie de ensaio antropológico,Elsa Peralta produz um estudo de cariz académico ,ao principio demasiadamente pesado - tantas são as citações evocadas em procura de uma roupagem para o Museu de Ílhavo- peso que à medida que o ensaio se desenvolve, é aliviado .Não sei se muitos leitores o irão levar até ao fim, Seria bom.

Algo me justifica uma observação.

A prof. Elsa insiste, um pouco, na história das cisões, dissidências, conflitos representacionais contidos na história do Museu, o que me parecem considerações um pouco excessivas.

Assinala o que lhe parece ser um pouco de incongruência entre o Rocha Madahil que tinha protagonizado uma imagem de Ílhavo enquanto comunidade do mar - a história mal contada do brasão –e a sua proposta de uma exposição de uma panóplia de temas, desde a etnografia á cerâmica, passando pelas artes e pela industrias locais ,para a celebração da terra e das suas gentes. Estávamos, pois, longe de um museu marítimo, diz-nos.

Ora eu penso –e não tenho aqui o espaço para o justificar –que esta leitura pode ter um pouco de imprecisão, provavelmente consequência do entendimento do que significava,naquele tempo ,a memória marítima, a guardar .Qual era, pois?

Em 1922, altura em que Madahil propôs,(de um modo pomposo mas completamente errado no conteúdo histórico)o Brasão, ou em 1933 ,altura em que define as bases para o Museu ,por exemplo, não haveria ainda qualquer memória para guardar da Faina Maior, o projecto museológico em que assenta, hoje, o Museu , fazendo da mesma a memória privilegiada a salvaguardar. Porque essa faina –sublinhe-se - mal tinha, naquelas datas, ainda começado .E nem se entenderia ao tempo, a relevância da nossa posição (dominante na execução)na mesma. Ou até se escamoteasse a identificação com a referida saga, por razões que seria interessante abordar, mas não aqui. Falo da parte da Faina Maior que ainda não foi abordada, e que inevitavelmente um dia o será ….

Na altura Ílhavo teria em termos de memória  a guardar para memória futura :

 dez séculos de laguna ; três séculos a desbravar novas terras, inserindo gentes completamente diferentes, no ser e no modo de estar, aqui chegadas; três séculos de migração em condições singulares, que nos identificaram como individualidades diferenciadas das restantes; três séculos de actividade numa industria em que a arte era a vocação que a distinguia, entre todas. E séculos de individualidade no trajo, de uma riqueza e diversidade notáveis, que tinham sido assinaladas no século anterior, e ainda presentes ao tempo.

Que escolha fazer, com tudo isto ?Essa era a questão.

A preponderância de João Carlos ,e do seu pendor artístico, ou da identidade com os ícones glorificados, na altura, gente da borda (Thomé Ronca , Ançã e outros), eram as compreensões do que pareciam ser  o principal a guardar ,a que se lhes juntava a memória do traje.


Quando na verdade Ana Maria Lopes, na sequência de «À glória desta Faina», indica que o caminho a seguir passaria por o museu poder e dever estar melhor representado no sector da pesca à linha (1989), a ideia, valorizada com o então recente desmoronamento daquela actividade, acontecido em anos anteriores, tornou mais premente a necessidade de a preservar ,embora se tenha tratado de um período passageiro da história , embora épico :- pouco mais de sessenta anos, numa história de dez séculos!... .Todos perceberam que esta opção seria  correcta, mas seria ainda mais correcta se ,as outras memórias, pudessem caber em outros projectos complementares (por exemplo polos museológicos). Induz-se do livro que, para a escolha daquele caminho, foi preponderante o condicionalismo das instalações, muito limitadas no espaço disponível, a exigir uma escolha de síntese museológica..

Mas pensaria A.M.L. que a questão etnográfica ligada á memória do traje não valeria a pena ser equacionada, pondo-a por isso, completamente de parte? Desconheço o que pensa. Até porque A.M.L será uma das últimas pessoas existentes (locais) com conhecimentos suficientes –e seguros – de a sistematizar, e até, de lhe dar corpo.

O que se passou depois ?!…

É a própria autora do Ensaio, Elsa Peralta, quem, logo no inicio, nos ensina que os museus são uma expressão ideológica da nova ordem politica .E quando a história chega por sua mão – por ela contada - a 2001 ,parece ter-se esquecido que foi isso mesmo que sucedeu., e nesse período entra por caminhos bem escusados, de glorificação .A história do Museu, de facto, a partir dali, tomou então outro rumo, imposto por uma nova ordem politica –local – que toma a seu cargo a definição da especificidade da memória a guardar. Claramente uma definição que interessava ao poder politico aproveitar, mais preocupado com a divulgação externa da imagem do Museu, do que com identificação interna com as gentes locais. O Museu passou a ser mais fora do que dentro. Ao sobrevalorizar a Faina Maior, esquecendo praticamente, a memória da outra Faina, a Menor(?!) - só agora timidamente recuperada na exposição temporária da «Diáspora» - esqueceu-se uma aventura com que nos identificámos de corpo inteiro. E onde espalhámos,país fora ,cultura própria ,bem identificadora. 

A leitura da Faina Maior não compreende apenas a versão que dela temos dado. Já o disse por várias vezes. Este olhar, aqui, é a nossa leitura,mas não é a única leitura.

A escolha está feita.Mas o percurso não está encerrado. Por muito que se pretenda fazer passar essa ideia

Voltaremos a falar disso .

Senos da Fonseca(2007)


quinta-feira, janeiro 09, 2025

 



Em 2025, lê-se e noticia-se que, LIBERDADE, foi a palavra do ano em 2024.Por vezes , certamente por quem não a desejou e não a quer. Mas certamente, por muitos que a desejam, que a abraçam e que lutam para a defender, custe o que custar.  Certo é que a LIBERDADE não chegou a todos. A LIBERDADE não está, só e apenas, no expressar livremente o que pensamos, queremos ou repudiamos. Está também na exigência  que todos tenham o direito de ter uma vida digna que lhes permita lutar por uma igualdade de oportunidades. O acesso universal ao pão que mate a fome de ser livre. E por isso não há, ainda, a LIBERDADE que eu queria.


                                                                                              

                                                      

                                                                                            

                                        LIBERDADE


                                                                           Foste a gaivota

                                                                           Que de mansinho, a esvoaçar                                                                                               

                                                                            Num dia d’Abril

                                                                            Nos mastaréus desta Caravela, feita País

                                                                            Por entre perigos mil

                                                                            Suave, vieste em nós, pousar 

                  

                                                                                                   Sabia que irias chegar

                                                                                                   Podias ou não, demorar 

                                                                                                   Ou partir para longe e voar               

                                                     

                                                                                                      (Era preciso ousar)


                              

                                                                              Onde andas hoje?!

                                                                              Em que longes

                                                                              Semeias sonho ou ilusão (?) 

                                                                              Que mar, que rosa dos ventos

                                                                              Que arte,

                                                                              É preciso percorrer

                                                                              Para dizer: NÃO!

                                                                              Que Tu não existes,

                                                                               LIBERDADE,

                                                                               Se em qualquer parte 

                                                                               Houver alguém a chorar por pão,

                                                                               Que mate a fome de ser LIVRE

                                                                               

                                                                              Mas se em mim não Te sentisse, 

                                                                               Ou contigo não sonhasse

                                                                               (Que voltarás um dia) 

                                                                               Que dor, que verdade  

                                                                               Que ia ser de mim (?), sem Ti

                                                                                Meu amor 

                                                                               Ó LIBERDADE !

 

                                                                                                     SENOS DA FONSECA

                                                                                              



 

                                                                                                            


sábado, janeiro 04, 2025

 Voltando à La Grand Pêche



As leituras de livros acumulados neste período, vêm decorrendo a bom  ritmo . O frio lá fora, uma gripe ameaçadora, a lareira acesa, a companhia de um bom whiskey, contribuem para navegar em demanda de novas aprendizagens.

Um dos livros que persegui há uns bons 20 anos,   que me obrigou ,por diversas vezes  a ir a Lisboa, à BN, editado em França, em 1901 ,chegou finalmente “no sapatinho”. Uma verdadeira bíblia sobre a pesca dos BACALEOS na Terra-Nova, da autoria de Adolph Bellet, repousa já aqui na secretária. Nunca desisti de o adquirir. Porquê? – perguntar-se-á...



 

                                La Grande Pêche de La Morue – A.Bellet


Ora bem... 

Sempre defendi a tese, principalmente na Sociedade de Geografia depois de editar  “Joao Álvares Fagundes”  e logo após edição de “ Os Últimos Terranovas Portugueses” (e já antes  no ”Rota dos Bacalhaus” ) de que existem questões por esclarecer sobre a inter-relação ,das navegações  no Atlântico Norte (Teive, 1452,Vogado,1462,João Corte Real ,1472,Teles,1474,Ulmo 1486, Duarte Pacheco (?) e provavelmente muitas outras)e a presença de pescadores portugueses nas paragens daquelas mares.
A questão no deambular das leituras de então (somada a tantas conversas com meu Pai e com o meu Prof Luís Albuquerque) pôr-se-ia nos seguintes termos: 
Naquelas viagens (propositadamente pouco documentadas) os referidos navegadores à procura  de um desejado caminho ,mais curto, para as Índias, preocuparam-se  em descortinar novas hansas, novas terras. Teriam já encontrado nesses mares,  pescadores Bascos (normandos) em procura da baleia(espécie que primordialmente lhes interessava)  e também, navios portugueses em demanda do bacalhau, que teria desaparecido  dos mares  ingleses, onde pescavam após o tratado firmado em 1355, por Afonso IV .Isto é : a data que vem sendo apontada pela demanda dos bancos da Terra Nova(pelos bascos e portugueses) em procura  da baleia e  do e  do bacalhau ,terá sido Séc.XVI, ou estes pescadores portugueses que acompanharam os Bascos já por aqueles mares andariam, muito antes?

A carta de privilégio concedida a Álvares Fagundes(1520),ao contrário das cartas concedidas a João Fernandes Labrador(1499) ou a  Gaspar Corte (1500) ( que apenas “indicavam terras a descobrir”,) eram bem diferentes .A carta concedida a Fagundes, indicava, explicitamente  já antes da partida, “ o nome de ilhas, e terras descobertas por Fagundes”. Atendendo á demora na obtenção de tais privilégios,a referida carta teria sido solicitada em fins de Séc. XV.


 



                                                      Mar dos Bascos


Ora, nesta bíblia de Bellet (1901), o autor refere documentos (vários) que provam que a ida dos Bascos (Normandos), e Bretões, em demanda das baleias desaparecidas do “Canal ou do Mar Britânico”, se teria verificado cerca de um século antes da viagem de Colombo(1492) (fazendo referências a documentação  histórica com data dos anos de 1600, 1755 e seguintes)

 R.P.Fournier ,na sua” Histoire et Comerce des Colonies anglaises de l´Ámerique “afirma:

La peche au Banc de Terre-Neuve a étè pratiquée de tout temps para les Français et longtemps avant que les Anglais se fasent etalis dans lílle de Terre -Neuve(...)avant que Christophe Colomb êut d`ecouvert de Nouveau Monde”.

Citando a carta de Sebastien Gavet a Henri VII (rei de Inglaterra em 1497) “ ces terres sont appelées du nom  de Isles de Bacaleos” (nome comum usado pelos Bascos para designar o bacalhau ).

Assim, parece ser claro que o conhecimento daquelas paragens terá sido muito anterior à viagem de Colombo.

Se é certo que há unanimidade em terem sido   os bascos que, “decidiram a emposta “ aos mares da América setentrional,  acompanhados pelos pescadores portugueses que pescavam o bacalhau nas águas inglesas desde   (após acordo firmado por Afonso IV em 1353), então poderemos admitir que, muita informação sobre aqueles mares (não sobre as terras e hipotéticos ligações a outro continente) teriam  já chegado ao conhecimento de  D. João II.

Assim é de colocar em cima da mesa que, o possível início das pescas nos Bancos da Terra-Nova se ter já verificado no Séc.XV (meados /fins de 1400).

O que expus em  “João Álvares Fagundes”,( e que escandalizou alguns historiados de “boas leituras e pouca reflexão “ ,quando na pag .99 afirmo “desde 1470 os portugueses de Viana e Aveiro já visitavam aquelas paragens”, parece-nos  perfeita mente correcto e lógico.

Poderíamos se fosse essa a intenção, ir mais longe. O que reproduzimos vem estar de acordo com o inserido por Pizzigano na Carta Náutica de 1424 (elaborada segundo indicações portuguesas) e dos registos de muitas terras portuguesas                                                                                                                                                               no Planisfério de Cantino  (que tem por detrás de si uma interessante história).




                                 Extracto do Planisfério de Cantino(1502)




A primeira viagem com o fito de conhecer aquelas paragens, efectuada por Diogo Teive(1452),seguiu exactamente  a rota norte (normanda), o que poderá ter a sua razão nas informações dos pescadores portugueses que acompanhavam aqueles.


 

                                Viagem de Teive


Em resumo: tudo leva a indiciar  que, os pescadores do bacalhau da Terra-Nova, chegaram àqueles mares antes das navegações das descobertas da costa nordeste do continente americano.



Senos da Fonseca




  (Do livro « Filinto Elíseo-O POETA AMARGURADO) -------------------------------------------------------------------------------------------...