sábado, dezembro 23, 2023


 NATAL




O relógio não pàra

O tempo corre

Neste dia, frio e zangado,

A ria palheteada de prata

Parece cansada

Na sua peregrinação

De tanto correr para o mar.

E eu também cansado

Fico a desouvir  o mundo

Onde reina humana expiação.

 


É frio este entardecer,

Não vale a pena fingir

E rezar por mim.

Não, não o faças.

Cheguei à vida

Porque assim quiseram.

Cheguei a sorrir...

Eu não sei bem se o desejava.

Não sabia que ia cumprir

Um fadário em que me negava

Mais fazer pelos outros

Que por mim não ser.


 

Hoje sonho

Noite de magia

Em que nascesse  de novo;

Não  para ser mais o menino

Mas para ser o “Homem”

Que com a palavra derrubasse o muro

Para que por ele passassem

Aqueles para quem não há presente,

E muito menos futuro.


Quereria ainda, antes de partir

Ter a doce ilusão

Uma ilusão do tamanho

Do  meu eu

Em que a humana pequenez

Do espoliado revoltado,

Ferisse a «fera» do mundo avultado.

Para que  quando a manhã nascesse

Não houvesse ricos nem pobres,

Manhã onde o Homem se afirmasse

Querer ser sem condições

A poder olhar livre, em todas as direcções.


 

E quando hoje deixasse de ser hoje,

Este obscuro poema

Transformado presépio real

Pudesse mostrar  ao mundo:


Afinal sempre há  Natal!


Senos da Fonseca


sexta-feira, dezembro 22, 2023

 O chocante problema dos “sem abrigo”... ainda .mais chocante nesta época


Confesso não compreender (ou melhor,não aceitar) este  chocante(e insultuoso) problema dos “sem abrigo”.E se me permitem conto um caso que vivi, e me vem à memória, perante o número de “sem abrigo” que é anunciado existir no país, anunciado  nos canais televisivos(nos intervalos dos futebóis).



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Um dia recebi um telefonema da « Zeca » (Maria José) a dizer-me:

–Anda comigo ali abaixo da ponte, pois disseram-me que está lá uma família sem abrigo em condições miseráveis.

Claro: fui logo. E numa curta caminhada,no terceiro pontão, encontrámos a família.

O que fazer (?!), perguntei eu..

Para já meto-os numa casa do CASCI (o Casci então tinha várias casas onde acolhia famílias em extrema dificuldade).



E logo veio a carrinha buscar os “trapos” e levámo-los para o CASCI.

E agora....?

– Anda : vamos ali á Gafanha da Encarnação ,há lá um terreno com uma casita, vai-se comprar e recuperar...

Dito e feito. E a « Zeca » nem confiou nos ”dotes” do irmão e incumbiu o João Cura de fazer a “planta” de recuperação do casebre,  batidas as notas e  assim comprado o sítio.

(permitam-me desabafar...)

Nunca por nunca, acredito, em Ílhavo (concelho), poderia haver um sem abrigo..

Fosse cigano, negro ou branco, ou de outra qualquer etnia, que fosse ( nesse tempo da Zeca....).Nem o problema chegava a tirar um minuto de sono aos “abusacados” edis.

Houvesse o que houvesse, ninguém ficaria na rua sem abrigo, ou sustento. 

A lista dos que iam diariamente buscar alimentação ao CASCI, ainda no tempo em que por lá passei, era relevante (e creio que continuará a ser).

Por isso, não compreendo, nem aceito, este problema chocante, impensável, revoltante.

Como pode uma Câmara (seja qual seja) optar no seu domínio de intervenção por atitudes falaciosas, festivas, de sumptuosidade bacoca, e permitir deixar subsistir este problema?),ao tempo que ilumina as suas ruas e pracetas com BOAS FESTAS...

Senos da Fonseca



quinta-feira, dezembro 21, 2023

 Eu e a minha má relação com os «Natais» 

Gostaria de viver utopicamente num mundo onde não fosse necessário haver «natais», para, por vezes  e só aí, nos lembrarmos para fora. Para todos os que nos rodeiam. Uns para quem olhámos mais, não precisariam de…. Outros apesar de tão próximos, nem demos por eles.

Parece que só no Natal, nos apercebemos de que durante o ano errámos (inadvertidamente?!) os gestos.

Bem: valha-nos, ao menos, termo-nos apercebido, momentaneamente, disso.

Os «natais» foram sempre (para mim) tempos de grande amargura. De mal-estar e inquietação. Tempo de avaliar que, o que fui fazendo, quase sempre esteve em desacordo com o que queria realmente fazer. Ou pelo menos longe…..

Afinal olho para trás, e concluo: fui um acomodado.

Aqui chegado, concluo que não vale a pena ter pena de mim por me não atrever a mudar.

Também nos meus «natais» havia pratos fingidos, postos em cima de toalhas fingidas, com trenós e renas. fingidas, cheios de vitualhas que, fingidamente, se acreditava existirem em todas as mesas. Porque o fingido «Pai Natal», não cometeria o sacrilégio de as dar só a alguns.... fingíamos!!!!

Andei uma vida a prometer-me, que, um dia, iria finalmente para um qualquer lado, onde houvesse um qualquer rio, para nele voltar a pôr a navegar os barcos de papel que levavam as pedras preciosas dos meus sonhos de criança.

Agora que já não há rios, nem barquinhos, e muito menos sonhos, abstraio-me, esperando que as horas corram. E minimizo, aqui e ali, pontualmente, as coisas. Como já não estou em lugar algum que me permita modificar seja o que for, não o altero. E não me incomodo. Vou para a cama sem projectos .

 E percebo então porque há muitos que dormem sempre bem !São os que andam uma vida a acreditar que os «pais natais» chegam e sobram para resolver os problemas dos outros....

SF - Natais

Imagens:  « natais »   &  Natais




 & Natais

terça-feira, dezembro 19, 2023

Na Sociedade de Geografia


 Tive ontem, o grato(e honroso)prazer de participar na apresentação do meu último livro ” Saberes  que Tornaram Possíveis as Grandes Navegações Marítimas Portuguesas”, na Sociedade de Geografia ,numa iniciativo da Comissão de Estudos  “Corte-Real.

Tive o grato prazer de encontrar(na S.de G.) um bom punhado de ”ílhavos” exercendo a sua actividade na capital que, muito me sensibilizaram ao comparecer, e participar, no evento, “apoiando-me” ...

                        

Ao Presidente da Comissão de Estudos   “Corte-Real”,Alm. Henrique Fonseca, e ao apresentador do livro, o eng/historiador Mattos e Siva, os meus sentidos agradecimentos.

Não poderia (seria ingratidão imperdoável) não referir a disponibilidade do Presidente da Câmara de Ílhavo que, voluntariamente, sem que lhe fosse solicitado, pretendeu acompanhar-me. E estar presente na apresentação do livro. Ficou combinada a ida. Uma mudança súbita do programa (pelo meu lado) obviou à sua presença.

E também não posso deixar de sublinhar, e agradecer, a presença(inesperada) do Arnaldo Russo, que me surgiu, ainda em Aveiro, e foi companheiro inseparável do dia do princípio ao fim. Por razões perfeitamente justificadas e entendidas, a Directora de “O Ilhavense” não pôde estar presente. Sei, contudo  que, solicitou a amigo presente no evento,notícia para o jornal. Agradeço à D. Maria Helena e ao Comandante Rodrigues Pereira, notável historiador e grande amigo de Ílhavo e suas gentes, o facto.

E pronto. 

Hoje, logo manhãzinha, foi-me dada a notícia de que os livros se esgotaram todos, auscultando a possibilidade de mandar mais alguns para venda....

Tenho pois razões para estar satisfeito.

Totalmente? Não...nunca atinjo esse limbo. Mas o suficiente para perceber que o caminho escolhido esteva certo. Se mais não fiz, não foi porque não desse o máximo de mim. Distraí-me com outras escolhas de vida.....(em boa verdade ,vida cheia a extravasar...)

A todos, pois, o meu muito obrigado

Senos da Fonseca



sábado, dezembro 02, 2023

              LEMBRANDO–TE....


Fazias hoje 86 anos.....

Onde quer que estejas, sei que entenderás, porque sempre nos aprendemos a descobrir nos pequenos gestos ou nos tiques, indecifráveis para os outros, evidentes para nós.

Tenho uma vasta, dolorosa e amarga sensação de estar, agora, tão só (!). Já todos se foram; e não sei porquê (?), deixaram–me para trás, como que para guardar a vossa memória. A mim que era o mais frágil, a quem prognosticavam vida breve.

Retrocedo no tempo em Vossa procura. Nem isso me vale. Parece que, ao fazê-lo, me é ainda mais nítido que o processo de desintegração já começou. Procuro a lógica de tudo, até da tua partida. E só encontro um sentido para a paz que encontraste, aquela paz que nunca por cá, tiveste. Aqui, neste mundo de desigualdades – cada vez mais desigual, trágico onde apenas os canhões suportam a revolta dos mais fracos–  ,Tu nunca a poderias ter encontrado. Fosse o que te rodeasse – a Ti, chegava-te. Era impressionante como tudo (o pouco ou o nada ) Te chegava, indiferente que eras a qualquer tipo de necessidade vã. Só que o problema não eras Tu, mas os outros. E para os outros, nada era suficiente para responderes ao que sentias ser-lhes necessário - e devido. E por isso não havia “guerra” que Te fartasse.


 



 

Recordo que, no dia da tua morte (25 Novembro 2007) ,o sino não tocou .Não porque não quisesse –os sinos sabem por quem deverão dobrar -,mas porque Tu não quererias .Querias, isso eu tenho a certeza ,que, ao outro dia , chamasse a rebate.  Chamasse todos!.. a continuar o que sempre, e só, soubeste fazer : - a distribuir solidariedade a rodos .Como ninguém nunca o fez (ou fará !!!) na (tua) terra que fede, cada vez mais, insuportavelmente, ao individualismo egoísta , Boa madrasta mas mãe esquecida. Hoje, por cá,  faz-se  parecer que se faz, mas nada  um  faz, fazendo. À excepção do blá-blá...

Pareço hoje encurralado; sinto-me a última rês a preparar-se para o abate. Quando a morte bater de novo à porta, não posso mandar ninguém ir abrir, tenho de ser eu a franquear-lhe a entrada.

Sinto-me, pois, subitamente envelhecido; desamparado de um modo irremediável. Como que amarrado a uma solidão onde me faltam todos os que me rodearam no sonho. Sinto-me só, ao não poder partilhar a responsabilidade com mais ninguém. Puseste-me a ser o número um (!) da família.  Parece que o mundo me caiu em cima, como um pesadelo que oprime e tolhe.

Parece – e não entendo este súbito parecer –que havia restos de infância, ontem ainda, que hoje desapareceram de vez, irremediavelmente. Todos passaram, não a ver-me como o mais novo,mas a ver-me como o ultima abdicatário destes irredutíveis ,que quiseram ser ,só e apenas, não indiferentes.    

As árvores morrem de pé ,..
  (....)Bem vistas as coisas assim foi: foste autêntica até ao fim. E isso–  perdoa que Tu diga, mas Tu até o sabias –era o que eu queria que tivesses sido. E sacontecido .Neste mundo que não tem moral ,nem vergonha, em que a vergonha se transforma em impudor, sem ética, não transigiste, nem sequer foste cadavérica em vida .Soubeste até ao ultimo dia erguer o teu fardo á altura da cilha do burro; os outros preferem que o burro se ajoelhe para o depositar, e fazerem de conta que estão cansados .Cansaço foi coisa que nunca vislumbrei em Ti.

E sabes o que “lhes” rói a alma?: -é que mesmo na sepultura irás prolongar a tua razão .A razão da tua vida. Dia a dia, ela será mais evidente.

Acertemos as nossas contas. Se em alguma coisa não fui capaz de Te acompanhar como merecias, foi não ter –nem manter –a Tua UTOPIA.
Por vezes, até, ta censurei (por excessiva); porque não acreditava que depois de tudo, ainda a mantivesses, intacta. Mas no fim percebi porque a tinhas –e a mantinhas intacta –apesar de todos os desaforos que foram desabando por cima de Ti: o Teu mundo tinha horizontes que o meu não enxergava.

Até sempre … 

João
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Nota. No  pretérito dia 25, fui por mero acaso ao CASCI: Do cemitério vinha uma tua antiga colaboradora acompanhada de alguns dos teus “miúdos”. Vinham do cemitério .O Helder lembrou que era o dia em que os deixaste, e eles quiseram, por iniciativa própria ,levar- te uma flor.  J


quarta-feira, novembro 22, 2023

 A  CAMINHO DA VILA


Assim eram as mulheres da nossa terra; este linguajar foi a minha « pátria »......



-Ah!, chopa,... Maria!... «atão» «disque» c’a Josefa do Tarinca lá de cima, a «fidalgota», deu pra «contribar» o casório da sua Luísa com o «Toino» Labareda?... aquilo é que m’a saiu uma «mancatufe»... 

- Assim o dizes, rapariga... «Canté» (?!): - o que c’ria a «inchada»?!... o rapaz a modos não é nada «cible», nem é nada «calamantrão», muito menos um «simpras», pois inté nem parece nada um «caminé botadinho à boa parte»... Não senhor, «crendas» lá ver o «estendal» que o pai do Toino fez ; «apracia banéga ao rossaló»... o estipôr. 

- S’ta p’rece...o coitado do rapaz não é um «mal catufo»... «nem ó vida!»... mulher; e «inté» dizem que tem umas «ecolomias». 

- Tens rezão cachopa... O «Toino» Lavareda não é nada «xana» n’a senhor ; c’a o meu Zé, Deus lhe dê «voa biaje» - venza-o Cristo e S.Savastião, trê abés e um pai nosso - diz, inté!, q’é um bom «reçoeiro», nada como «oitros zamparilhas» que não maneiam o cú no safar da rede ; o arrais Tomé da catralga já o embar-cou de «camboeiro» e ele «astreveu-se na t’refa». A Luísa que parece uma «tísica» - deus me perdoe!,... em nome do Pai, Filho Esp’rito Santo... - inté ia «vem...vem». Quisera-o pr’á minha, que «vem» o merecia... que eu fazia uma festa de «arromba» com «zabumba» e tudo... 




- «Cal-te óspois» aí... vai mulher..., andas desocupada dessa cabeça... deixa a cachopa q’ela chegada a hora tem muito quem lhe meta as três «cavernas» adentro... «inté p’reces augada». 

- Tendas razão - que ao «labaró» é que as coisas se fazem «d’reitas»... e ele anda p’ra aí tanto «manca- trefe», tantos «langões»... nosso senhor, «libre-nos» S. Bartolomeu e as Alminhas da Toira. 

- É assim mesmo, anda p’aí a «inquisitar», ca qualquer dia, um «zamparilho» apanha-a de costas, e vai com’a lâmpada : só «c’o viés» de ficar limpa como a Igreja do Prior Zé, deixa-a de barriga maior c’ a sardinha da «desoba» ; anda aí tanto «pixano» e ela parece bem «augada» do «ca tu sabes»... É «simpras»,... mas gulosa. 

- ... «Mogadinha de mim» se isso «assuceder»... é uma «restrabulha»... «astrevesse-se» algum, c’a o pai faz um «serrafaçal» que levava tudo na frente... Olha c’a «fúfia» da Zefa lá de cima, quando o P. Morgado lha disse c’o rapaz não era um «probezinho», «quinté» tinha uma chincha, a «merdrosa arrespondeu-lhe» 

– “Olhe senhor abade, «inté o TI ESSE», tem uma chincha”... «asfazer» pouco dos nossos homes, a «fúfia»! E não lhe deu mais «corrume» nenhum... c’o abade desandou inxerido com o frieldade da Zefa. 

- Olha sabas o que te digo : - A Zefa é uma «opiniática» mal “cosida”... preceves? 

- Ah mulher, cal’te sua desbocada : - «u c’astás» tu p’ra aí a dizer... 

- É o que  tedigo Ti Maria, se fosse como aqui a cachopa “ c’a té tenho «calo» dos trimbaldes do meu Zé, de tanto me vaterem nas «náudegas»”... 

- Ah! mulher de «labishomme» q’uessas coisas n’a se apregoam com’a sardinha c’aí levas... depois, s’é fraca - dizem que é «ogalho» a ti... 

- Conversas... sabes o «ca penso»?! ; a Luisinha na tinha era remada pró Toino, «q’ué cá dos noissos», e quando chegada a hora de meter o remo ao «escalamão», «aborregava». E o rapaz c’a dizem ser «píxaro» e «pediqueiro» de saias, inda ficava a ver navios... 

- «Cal-te aí...» oh! alma penada, não digas isso... que «t’a podem oibir» raios... de estrafego!... olha vamos é «avusacar» aqui um bocado, aproveitar para «escofenar» o peixe, «c’a óspois» na «benda» é uma «fona» e a «gadagem» d’ibalho diz c’andámos ao «mal mainço» por aí, «inbez» de vir a «d’reito»... 

- Olha, «cal’te» que vem ali a Josefa... 

.................................................................................... 

- Boas tardes Sra. Josefa... - sorri prazenteira a Ti Maria, chegada à faladura com a Zefa ... - «Nóis» a falar dos santos e eles «oprecem». «Vons olhos a beijam»... a sua Luisinha?... cada vez mais bonita... a santa!... a Sra do Pranto lhe dê um fidalgo da sua igualha, c’a bem «m’rece» a «coitadinha» : Olhe Sra Josefa, quer sardinha da nossa, «bibinha a vrilhar» como um «buzelicum?..... olhe «c’inda ri» - viemos numa «corriola» p’rà trazer fresquinha «com’ àuga»... 

Senos da Fonseca 


sábado, novembro 18, 2023



    LAVRAR O MAR






                                                                      Grav   ABIO DE LÁPARA


Olho aqueles corpulentos

Majestosos e hercúleos 

Bois da velha companha.

Enlaçados ao calão da rede

Vão-na alando até a deixar ofegante na praia

A parir do ventre estripado

O prateado peixe roubado ao mar.


Animais vindos do lado de lá

Do perfume adocicado da resina

Dos pinheirais,

Trouxeram-nos à borda a lavrar o mar.

Vêm nas manhãs de nevoeiro  em parelhas ,

Cabeça baixa, olhar torvo, parecem citados pelo mar,

A investir por ele,vaga adentro encharcados.


Afagados pela maresia

Nos dias de sol espraiado,

Vejo-os resfolgarem, nariz no ar

À procura de uma sombra no areal caiada,

Que ali não existe. 


Parecem velhos...

Os bois nasceram já velhos

Na cor pardacenta do seu costado.

Velhos no sossego da sua existência

Vão ruminando no alento da noite, a sua ausência,

Para no amanhã prateado, voltarem ao fadário,

Sob sol escaldante

Ou chuva na manhã desmaiada.

Fustigados pelo vento gélido da madrugada

Seguem de olhos turvos despidos de um qualquer sudário,

Parecendo amarrados a uma existência amargurada.



Sigo-os duna abaixo

Ao encontro do mar ousado...

Mar quebrado, mar amargo, 

Mar azul de tão salgado

Em que a  onda  açoita o xávega 

Que,alevantado, teima ir

Lá longe onde moram as sereias,

Largar a rede para tirar do ventre do mar

A prata que a terra não pode parir.



E lá vão, 

Dobrados, encabrestados

 Ao tropeço na areia lassa da duna,

Fustigados pelo aguilhão do abegão

Levando  à sua frente, aos tropeções,

Os mirones que vindos de madrugada

De chapéu e botifarras,

Calça arregaçada, 

Desertam em louca debandada

Em tropel, fugindo na frente do estoiro da « manada ». 


Na praia já se alinham os xalavares.

Os bois doridos pela jornada

Parecem perdidos no areal 

Semeado de escasso espezinhado, 

Prateado, ensanguentado .

Hoje não há mais ir e voltar

Hoje mar... podes ir  acolher o sol dourado

E com ele ir, lá longe, nos longes teus, namorar.


[para que as gaivotas voando sobre os vossos beijos me venham de madrugada contar  a estrela  do pássaro e  a  estrela  do  grito teu...MAR!]








sexta-feira, novembro 17, 2023

 



A ideia que o 25 de Abril trouxe a ladroeira com ele...Chega  à A.M. de Ílhavo



Alertado para uma inserção em “O Ilhavense” (15/11/2023) por várias chamadas de atenção que me foram chegando, só hoje quando recebi (aqui em casa), o jornal, pude ler o que nele vem publicado, ao abrigo de um protocolo celebrado com a Assembleia Municipal (creio que bem) de esta solicitar (regularmente) aos partidos que a compõem, um artigo de opinião política para publicação em espaço reservado para a mesma.

Li hoje, então, o titulado “FADO DO 25 de ABRIL”, assinado por um elemento que deputa na referida Assembleia. Se na mesma se canta (ou defeca), assim, o faduncho da saudade do antes 25 de Abril – quem canta seu ódio espanta – é lá com os que já nem distinguem, pão de bosta. Faça-lhes bom proveito, que a mim não me incomoda o cheiro nauseabundo defecado, já que o dito chega não se dá com os ares lavados do mar.

Certamente (creio), a Direcção do jornal quando estabeleceu o protocolo, estaria convicta (ciente) que o Sr. Presidente da A.M., teria a responsabilidade (e o bom senso) de filtrar a linguagem vertida em artigos enviados para  inserção, em “O Ilhavense”, ao abrigo do referido acordo de que  é responsável último. Porque se o jornal devolvesse o articulado bafiento onde abunda palavreado de tasca vadia, logo seria acusado de censura. O que era completamente diferente se, a devolução ao autor (ou a quem lhe borrou o papel), fosse feita por quem se comprometeu em nome da A.M., a que preside, a não admitir palavreado de recalcado, indecoroso e reles, na classificação generalizada do “são todos ladrões”. Quanto ao escrevinhador chorar de pena e cantar o seu fadário pelo sucedido no 25 de Abril, está no seu pleno direito. É livre de o fazer, desde que respeite a dignidade dos outros que pensam diferente. Ou se apenas intui que todos – mas é que todos (!...), de direita ou de esquerda –  são ladrões,  vá sem delongas   queixar-se ao MP que agradece, e ao qual parece, chega,  a intuição de que...

  Sirvo-me de Aleixo para glosar:

                               Sei que a todos chamo ladrão

                               Mas há muitos que eu conheço

                               Que não parecendo que o são

                               São aquilo que pareço. 


Senos da Fonseca


NB: aceito as opiniões dos que pensam não ser bastante o que está inserido em rodapé pela Direcção do Jornal, a explicar a “razão (?)” da publicação. “Furar o protocolo” talvez se impusesse, neste lamentável caso.


quinta-feira, novembro 09, 2023

 Visitas, acesso a gabinetes ministeriais, almoços, etc etc. 


Esta fugas informativas que vão sendo cirurgicamente entregues à  Comunicação Social(visitas de empresários a gabinetes, telefonemas, acessibilidade ,almoços etc. etc) fazem -me lembrar um caso em que fui protagonista.

Quando se passou a desenhar o inevitável desaparecimento da indústria das chamadas “empresas de veículos motorizados”, o então Secretário de Estado CC(que tinha sido meu colega de curso, no Marinha de Guerra) telefonou-me, pedindo-me uma   reunião. Pretendia (e bem) fazer um estudo abrangente que cobrisse todo o sector, distribuindo fabricos, fundindo empresas, criando novas oportunidades, no sentido de evitar o desaparecimento do mesmo. Caso eu aceitasse ,seria acompanhado no mesmo, por um economista de renome ,o Dr. António de Sousa ,mais tarde Governador do Banco de Portugal.

Aceite o encargo (dado que me foi assegurado haver opinião unânime de aceitação dos nossos nomes, por parte dos industriais), o trabalho obrigou a várias reuniões com o Secretário de Estado e equipa do Ministério da Indústria, em Lisboa. Por isso, visitei várias vezes o Gabinete Ministerial, almoçava nesses dias com o Senhor Secretário, por amizade, embora inevitavelmente, no almoço particular, o estudo viesse à colação (paguei sempre o almoço).Telefonava regularmente, quer ao Sr Secretário ou a Adjunto, a dar conta do andamento (ou de dificuldades surgidas)  do estudo (muito complexo pela abrangência e metodologia ). Num dia em que    C.C. veio em serviço, ao Porto, fui, a pedido do Sr João Casal, reunir com o Sr Secretário para tentar desbloquear um problema surgido na Metalurgia Casal. Claro: o Sr. Casal pagou o almoço. Naturalmente.

Estudo concluído, o mesmo foi entregue, seguindo o percurso dentro do Ministério. O Dr. António Sousa foi nomeado Governador do Banco de Portugal. Decisão muito acertada.

Quando me foi falado em pagamento, a resposta foi, de imediato: 

–  nada há a pagar. Fi-lo por amizade e consideração de todos os industriais do sector que bem conheço ,e sempre me respeitaram. E que, unanimemente, deram o acordo ao meu nome para o estudo. Isso me basta....

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Perante as notícias que vão sobrando, tudo o que ouço (ou quase tudo) me cheira a delírios carregados de intenção vingadora, justiceira, e acima de tudo totalmente  desconhecedores  das relações entre empresários e governantes. Sim; haverá casos de polícia. Mas aí saltem provas e não a poeira delirante, levantada por processos ínvios escondidos, tortuosos, onde, quem sabe(?) haverá tentativa da dita “corrupção”. Diferente.  Outro tipo de corrupção: moral e ética da boa fé dos ouvintes,


Senos da Fonseca


segunda-feira, novembro 06, 2023

 A  discussão sobre a data do início da pesca do bacalhau, pelos portugueses, ter acontecido já no Século XV (e não XVI), continua....


Sempre curiosa a observação e leitura(obrigatória) da história contada por outros intervenientes. Manifestei (ainda recentemente na Sociedade de Geografia) ser obrigatório comparar a história que fazemos sobre a pesca do bacalhau(início) com as posições assumidas por historiadores franceses ou até bascos. Agora chega-me às mãos este curioso documento de outra proveniência, curioso e muito estranho:




 

Viagem de Albizzi a Inglaterra e França em 1429.Seria já interessante. Mas logo surge a informação trazida pelo navegador toscano, assim referenciada :


Cuja tradução será (assumo)



Mais do que curioso....

Senos da Fonseca


sábado, novembro 04, 2023

 “O ÍLHAVO”

O ílhavo é mais do que um vulgar arquétipo resultante das influências (boas ou más) do meio geográfico: o fruto das suas circunstâncias.

O seu projecto, a sua teimosia, a sua perseverança, a sua resistência à adversidade, a sua ânsia de lonjuras fez dele figura com lugar destacado na história pátria.

Mas quem foi,e o que foi ,esse “ílhavo”?

Ao fim e ao cabo, foi o que sempre me motivou: perceber os meus anteriores...libertá-los do anátema redutor de serem, só e apenas, actores de  um único acontecimento(período histórico). 



Esquecidos que, afinal, somos o produto de um projecto áureo (único)de cinco séculos (?) que se integrou e se relevou, na determinação   lusíada de abandono do projecto mediterrânico. Os ílhavos foram os atlantistas de plena convicção. Foi com gentiaga como esta que demos passos decisivos civilizacionais.

Sim!,creio que era chegada a hora de me concentrar e arrumar de uma vez por todas a questão da singularidade do arquétipo ilhavense: o ílhavo.

Ao contrário do que muitos pensaram e verteram em textos pouco ou nada consistentes, a semelhança das variantes humanas regionais lagunares, foram escassas. As diferenças foram muito maiores e exprimiram-se com muita maior intensidade no aspecto psicológico,cultural e até social. É certo que o homem lagunar ,enraizado e limitado a um espaço geográfico vizinho, teria de absorver e transmitir alguns caracteres onde se catam identidades. Os contactos teriam sido intensos, mas a aculturação esteve sempre presente. A diversidade cultural do homem lagunar não se deixou inquinar pela diversidade da sua proveniência ancestral.

O ílhavo é profundamente diferente do murtoseiro, como o é do ovarino e como o é do cagaréu.

De onde lhe veio essa identidade diferente?


De onde lhe veio predomínio da imaginação para o longínquo do mar, numa identidade sonhadora que durou séculos? De onde lhe veio a conciliação terra /mar? De onde lhe veio a inquietude e a aventura? Que linha divisória–e como se manteve– com diferenciação absoluta, a vizinhança? Uns acreditando e esperando a boa vontade dos deuses para ungir a terra promissora, com os mitos e rituais de fertilidade, vivendo o passar do tempo entre o berço e o túmulo. Outros “os da água”, alimentados pelo sonho que neles  despertou e os impulsionou, à partida, em procura do novo. Pouco lhes importando que o túmulo venha a ser a causa do sonho (da paixão): o mar. Importou-lhes o descobrimento do desconhecido, do distante. De varadouro em varadouro em procura da rampa de lançamento para a partida perseguida.

Mas ao querer avançar- vem de longa data esta pretensão- pergunto para quê? Ílhavo é hoje um fantasmagórico deserto cultural. Destruir foi fácil.E falar diferente,parece hoje inutilidade sem sentido.

A palavra “cultura” deixou de ter qualquer sentido. Vende-se ”disso “ a cada canto,em cada cais,em cada malhada, em cada fundeadouro. Vende-se sem se fazerem contas ao retorno. Vende-se cultura a metro, a milhas, a pés. Bem hajam os promotores de tantos cantautores.

 Deles será o reino da “Nocha”.

Senos da Fonseca

quarta-feira, outubro 04, 2023


Data provável da chegada dos bascos-fracomanos e portugueses aos mares  do Novo Mundo..... para pescar.




Sempre admiti como lógico, e uma quase certeza que, a presença de europeus(bascos francomanos e portugueses) nos mares da Terra-Nova, terá acontecido já no Séc XV.Com toda a probabilidade antes de Colombo ter feito a sua primeira viagem e anunciar a descoberta de um novo continente (1492).

Que tal facto (histórico) terá acontecido já em 1470,já por várias vezes o tentei justificar(ver “Saberes que tornaram possíveis as Grandes. Navegações Portuguesas”.

Tenho agora continuado na procura de elementos ,consultando o que historiadores de relevo lá por fora t~em opinado sobre  essa parte da históriamaritima.

Ontem num livro  La Grand pêche du morue  de Adolph Bellet escrito em 1902 encontro esta passagem:

No livro “D’Histoire et Comerce des Colonies Anglaises de l ‘Amèrique Sptentrional “,publicado em Londres em 1755

(....)

 La pêche aux Banc de Terre Neuve a été pratiquèe de tout temps,  pour les français et longtemps avant que les Anglais  se fussent établis dans l’ile de Terre-Neuve (...) les basques frequentaint ses parages avant que Christopher colombo eût découvert le Noveau Monde...

E o que afirma  Bellet. ? 

Ce que nous pouvons affirmer ,c´est que il precèda d’au moins um siècle et demi la première expedition de Christopher Colomb....

Assim, conclui o autor que, em boa verdade, a descoberta do Novo Mundo, teria sim,acontecido, quando os baleeiros Bascos terão feito a “aterrissagem” no Cap-Breton sobre a costa das “Terres Neufes”....e não por Colombo.


Mas há outras leituras ainda mais espantosas. Veremos....(a busca  vai continuar)



Senos da Fonseca



 

Visita Guiada na RTP 3  e o « SAGA MAIOR »


Ontem fui agradavelmente surpreendido pela passagem de um Programa « Visita Guiada » no canal 3 da RTP,onde a Paula Pinheiro Moura (creio que é assim o seu nome) surgiu com o arqueólogo Francisco Silva,a mostrar um pouco da história da CAPARICA.Talvez (a meu ver) uma ou outra imprecisão ,mas bem relevado que a fundação da mesma (CAPARICA)se deve aos ilhavenses(a dada altura referidos -e bem!-  « os ilhos »).Francisco Silva que parece conhecer alguns dos hábitos das companhas. das Artes,esqueceu-se  de explicar que, a primeira capelinha de colmo ,era a dedicada(como sempre e obrigatoriamente)ao S Pedro.  Falou do encontro e até da Batalha Naval entre Ílhavos e Algarvios,mas aí baralhou-se : « os ilhos » pescavam com as Artes Grandes(hoje erradamente ,mas universalmente chamadas Artes de Xávega).Os Algarvios que vieram pretender pescarna praia (sul) da Caparica traziam outras artes :as Amações (não a Xávega).

Outra questão que passou ao largo foi a existência dos acampamentos dos « ilhos «  na Trafria (anteriores) e o fogo que Pina Manique ordenou para acabar com gente que « acolhia » assassinos (na ideia dele.Gente que como disse ,e bem. Francisco Silva » era gente diferente,pouco se deixando misturar,longe de convivio,impondo a sua cultura própria,única.

E porque o livro « Saga Maior » está completamente esgotado ofereço aqui o E book.Se folhearem encontrarão no Cap.13 a história da Caparica pelos « ilhos » e até encontrarão os CAPOTES, O TI RAIMUNDO,O MESTRE CHICO , « ilhos » de relevo no historial dessa praia.E perceberão a diferença entre o barco da Caparica(adaptado pelo « ilho » para aquele mar –  um rigoroso meia lua) e o barco do mar, do norte.

« SAGAMAIOR » um livro feito passo a passo no litoral onde me deslumbrei a melhor perceber a grandeza e importãncia do « ilho » no povoamento piscatório do litoral.

Pena que Ílhavo tenha esquecido depressa o preâmbulo da sua História no mar.

Então:

– para aceder ao « SAGA MAIOR » » pique

https://designrr.page/?id=189850&token=3705886440&type=FP&h=6774





Boa leitura

sábado, setembro 16, 2023

 Os boticários do Sec.XVIII.em Ílhavo

Curiosamente o nome “Fradinho” tem-me assaltado ultimamente,amiúde.Não porque procure saber algo sobre as figuras do Séc. XVIII e XIX, com aquele nome ,de relevante importância na terra,mas porque várias pessoas mo vêm reportando,perguntando-me o que sei sobre "os Fradinhos"

Agora, uma nota curiosa de 1770,indica que  os boticários Francisco Luís Gomes e José Santos Fradinho, de Ílhavo, teriam sido  notificados pelo meirinho do Bispado de Aveiro, para encerrarem as suas boticas, aos Domingos e Dias de Feriado, sob pena de prisão se tal não cumprissem.

Fica-se a saber, pois, que nesta data existiriam já duas boticas na Villa.Onde? não tenho para já a resposta. Dos “Gomes boticários” já o sabia. Do Fradinho, fiquei agora a saber.

Curioso é que os ditos boticários não se ficaram. E logo reclamaram a El Rei, baseando a sua reclamação no facto de, dizerem ”serem as boticas um caso especial de negócio” que deve estar sempre aberto ,em qualquer dia, para assim satisfazerem uma qualquer emergência.

Travou-se então uma luta entre Bispado e a lei Real,sabendo-se que o referido Bispo, afirmava”terem os Bispos poder de prender em certas circunstâncias”. 

A luta será longa, tendo os referidos boticários, levado a sua avante.

SF

segunda-feira, setembro 04, 2023

 


O Aveirense
Fernão Oliveira: simplesmente um génio.




Quando criamos um livro obrigados a consultar várias matérias, estudando novos perfis (ou aprofundando já conhecidos), não temos tempo a conceder a certos factos ou figuras que nos surgem e que nos despertam viva atenção. Deixamos então, “para depois”, uma procura, uma investigação sobre a personalidade ou facto que nos captou a atenção, para um estudo mais aprofundado.

Assim aconteceu na feitura do livro “Saberes que tornaram possíveis as Grandes Navegações Marítimas Portuguesas”. Ressaltaram-me entre outras, as figuras de Piri Reis e do “aveirense” Fernão de Oliveira.


Deixemos Piri Reis para outra emposta e abordemos Fernão de Oliveira.


A genialidade em Fernão de Oliveira torna difícil a abordagem à sua personagem , tanta é a obra espalhada por saberes tão diversos,  numa vida  tão irrequieta e inconformada  Homem inquieto e irrequieto, resistente às tentativas para o fazerem calar e soçobrar, difusor de palavras amargas, permanente gerador de conflitos  criados pela sua notável inteligência, toda esta truculência é acompanhada pela feitura de obra impar, em matérias de que é percursor a nível nacional e ou e até, europeu.


Difícil um especialista numa só matéria, analisar toda a obra  por onde Fernão Oliveira  fez “navegar” o seu conhecimento..  Estudos feitos foram quase sempre de análises fragmentadas, num ou noutro ramo de saber, difundido nos escritos de Oliveira. O seu feitio onde reinava em excesso, a intuição e indisciplina (mas simultaneamente supremos tiques de génio), fê-lo dispersar-se por matéria muito diferentes, por vezes nada tendo linhas de rumo comuns, ou próximas.


A abordagem à necessidade de “criar” uma nova língua portuguesa  que fosse o suporte do “império” em formação, afastando-a tanto quanto possível da mão latina,  tendo sido  a primeira abordagem gramatical portuguesa, anterior a outras tentativas de autores de quinhentos, tem sido das obras sobre as quais mais se têm  debruçado os estudiosos linguísticos, sendo Oliveira reconhecido (apesar de algumas imprecisões técnicas) como um dos gramáticos mais originais de toda a Renascença.


E se os seus trabalhos sobre a “História de Portugal”, são talvez, dos menos apreciados pelos especialistas que lhe têm dado atenção, já a “A Arte da Guerra do Mar”  o único tratado de estratégia naval alguma vez editado em Portugal, sendo unanimemente considerado a mais perfeita obra sobre assuntos bélicos”, (Silva Ribeiro) e o folheto  “Ars Náutica”,são reconhecidamente trabalhos de vulto que lhes garantem  lugar sem comparação  no espaço europeu. 


O “Livro da Fábrica das Naus” (  estudo detalhado da concepção  de carenas – o primeiro tratado científico  de construção naval  surgido em todo o espaço europeu)  é considerado, por especialistas nesse domínio, “ como   nenhuma outra obra, ao tempo, dada a sua   abrangência e aprofundamento ,”repositório metódico  de todos os conhecimentos  então  havidos  sobre  construção naval”. (H.Mendonça).Seja qual for o ângulo de apreciação do livro “A Fábrica das Naus”, há acordo generalizado de nos encontrarmos sobre um trabalho onde ressalta um certo “experiencionalismo” na teorização da construção naval (saber, regulamentação, léxico, tradição “que parte de um conceito de arte em “teoria geral da construção naval”), num alcance disciplinar vasto. Logo no introito, Oliveira afirma: esta arte em regras, e preceptos ordenados, e claros, de maneira que os possa entender, e usar toda a pessoa “.


O livro sobre a viagem de Fernão Magalhães, escrito 30 anos após a conclusão da viagem, não deixa de ser um valioso trabalho. O prólogo explicativo (da autoria de Fernando Oliveira), permitiu-lhe um enquadramento histórico e ideológico do audacioso empreendimento do experimentado navegador português. O autor, no manuscrito, pareceu reduzir a sua intervenção no fazer História, considerando que lhe compete o acto de historiografar a contextualização os factos e o rigor. O manuscrito,  é pois, uma narrativa factual caucionada por um testemunho pessoal de um participante na viagem de circunavegação .


Para lá da importantíssima obra literária Fernão Oliveira, impressiona descortinar na sua multifacetada personalidade: um verdadeiro aventureiro. Talhado para uma educação religiosa praticante (iniciada no Convento de S.Domingos, em Aveiro, e depois enviado para o Convento de Évora da mesma Ordem), Fernão Oliveira não tarda a escapar à reclusão conventual. E dai em diante, irrequieto, ávido de saber, de  estudar novas línguas, conhecer técnicas da arte  naval e da guerra no mar,  de participar em viagens que quase sempre terminaram  em cativeiro de que, espantosamente, se consegue livrar pelo aproveitamento e como “troco” que os seus notáveis conhecimentos, Fernão Oliveira não deixa de criar inimigos de estimação que o levam à condenação pela execrável e impiedosa Inquisição que, contudo, se mostrará  insuficiente para se opor à sua fuga da masmorra, e de novo partir  à aventura. A vida de Fernão de Oliveira seria guião a notável documentário de prodigiosa vida aventureira, enquadrando a pioneira produção literária (aqui e lá fora), prenhe de riqueza e diversidade em múltiplos e variados saberes e ofícios. Verdadeiramente um espírito genial de que Aveiro se deve orgulhar, a justificar evocação histórica ,adequada e compatível com a grandeza da figura.



Senos da Fonseca-Set 2023


domingo, agosto 27, 2023

 O «ílhavo» e o S. Pedro

O “olheiro-mor” 


O «ílhavo», tipo rude e forte, roncão no falar, sempre foi um homem de carácter, cumpridor das suas obrigações e temente a Deus. Era conhecida a óptima relação que tinha com S. Pedro, orago de predilecção das gentes, santinho a quem dedicavam fervoroso e preferencial culto. E a quem, anualmente, com júbilo, pompa e circunstância, rendiam notório e espaventoso festim, para o efeito engalanando a vila e a sua Igreja com colgaduras para receber os visitantes. Muitos os que rumavam a esta santa terrinha, não só e apenas no intuito de gozarem as delícias dos festejos que duravam três dias, mas atraídos, também, pelo bem receber. Apanágio destas gentes remediadas, mãos abertas e coração escancarado, no propósito de fraternal convívio.

Tão boa era a relação desta gentiaga com o porteiro do céu que, corria à boca cheia a faladura, ser bastante a evocação da naturalidade, para que, uma alma, ainda que muito penada e bem pesada, ida daqui, visse escancaradas as portas do Céu por aquele sempre atento fiscal do bom comportamento e virtudes, o S. Pedro. Olheiro astuto, sempre diligente e operoso, no intuito de manter o mar bonançoso do céu, limpo de fraldocos.

Ora num dia em que o S. Pedro foi abrir o portal, deu com um façudo mal-encarado, a quem perguntou:

– Então o que pretendes?

– Entrar no céu.

– E tu mereces a dádiva? O que fizeste para tal? De onde és?

– De Ílhavo.

O S. Pedro mirou… remirou e, muito embora desconfiado, lá lhe disse:

– Entra. Aguarda aí na recepção que eu vou lá dentro confirmar a listagem de embarque, chegada pela última pomba da noite.

Passados uns minutos, quando regressou para dizer ao mal encarado e mentiroso recém-chegado, que não era verdade, ele ser de Ílhavo, mas que estava, sim, na lista de Vagos, constatou que o farjano tinha desaparecido e se infiltrara por uma das entradas laterais, nunca mais sendo visto.

S. Pedro ficou fulo (que os Santos, também só são santos, até certo ponto).

E de si para si, lá foi dizendo: – deixa estar que quando me aparecer cá outro já não me leva assim. Vá lá um santo acreditar nestes safardanas…

Não tardou muito que ouvisse: trás… trás!… trás. Alguém chegava, parecendo ter pressa para não perder a maré da manhã.


– Já lá vai. Se tens pressa vai lá p’ra baixo, que está mais quentinho. Resmungando enquanto entreabria o portão, perguntou:

– Então quem és, e o que queres?

– Oh!… S. Pedro, sou o Zé Cachino, lá da Malhada, e c’ria que m’amabotasse aí p’ra dentro… raio! que venho cansado da viaje e c’riame chichar aí dentro. Avia-te, raios. C’ ainda perco a enchente.

– E donde és tu, ó Cachino?

– Sou d’ibalho, raios! Atão eu ia lá astrigar-me a mentir sobre a minha terra. Nado, bautizado e cebado, em íbalho, saiba vòssomocê, santinho. Astão tu não m’enxergas, não t’ alembras cá do Zé? C’inté no mês passado fui juiz da festa c’a ta fizemos lá na terrinha da lâmpada. És mesmo desconfiado. Mexe-te que estou p’rà aqui todo engaranhido.

– Não é isso, mas é que noutro dia apareceu-me cá um finório de Vagos – daqueles que deixaram o Senhor na rua para acudir ao bacalhau! – que me enloilou com essa de ser «d’Ilhavo…»

– É S. Pedro!… raios, estipor, deixa-me entrar c’«amando-te um xalabar de sardinha bibinha, …a saltar… da restomenga, tenta o Cachina convencer o orago. (Que a corrupção nos céus, não é corrupção, mas dadivazinha, pagamento de promessa… esmolna).

– Entra Cachino, entra; por essa da sardinha « bibinha » a saltar, estás identificado. És mesmo d’Íbalho…


Senos Fonseca 

 O «ílhavo» e o S. Pedro






O “olheiro-mor” 


O «ílhavo», tipo rude e forte, roncão no falar, sempre foi um homem de carácter, cumpridor das suas obrigações e temente a Deus. Era conhecida a óptima relação que tinha com S. Pedro, orago de predilecção das gentes, santinho a quem dedicavam fervoroso e preferencial culto. E a quem, anualmente, com júbilo, pompa e circunstância, rendiam notório e espaventoso festim, para o efeito engalanando a vila e a sua Igreja com colgaduras para receber os visitantes. Muitos os que rumavam a esta santa terrinha, não só e apenas no intuito de gozarem as delícias dos festejos que duravam três dias, mas atraídos, também, pelo bem receber. Apanágio destas gentes remediadas, mãos abertas e coração escancarado, no propósito de fraternal convívio.

Tão boa era a relação desta gentiaga com o porteiro do céu que, corria à boca cheia a faladura, ser bastante a evocação da naturalidade, para que, uma alma, ainda que muito penada e bem pesada, ida daqui, visse escancaradas as portas do Céu por aquele sempre atento fiscal do bom comportamento e virtudes, o S. Pedro. Olheiro astuto, sempre diligente e operoso, no intuito de manter o mar bonançoso do céu, limpo de fraldocos.

Ora num dia em que o S. Pedro foi abrir o portal, deu com um façudo mal-encarado, a quem perguntou:

– Então o que pretendes?

– Entrar no céu.

– E tu mereces a dádiva? O que fizeste para tal? De onde és?

– De Ílhavo.

O S. Pedro mirou… remirou e, muito embora desconfiado, lá lhe disse:

– Entra. Aguarda aí na recepção que eu vou lá dentro confirmar a listagem de embarque, chegada pela última pomba da noite.

Passados uns minutos, quando regressou para dizer ao mal encarado e mentiroso recém-chegado, que não era verdade, ele ser de Ílhavo, mas que estava, sim, na lista de Vagos, constatou que o farjano tinha desaparecido e se infiltrara por uma das entradas laterais, nunca mais sendo visto.

S. Pedro ficou fulo (que os Santos, também só são santos, até certo ponto).

E de si para si, lá foi dizendo: – deixa estar que quando me aparecer cá outro já não me leva assim. Vá lá um santo acreditar nestes safardanas…

Não tardou muito que ouvisse: trás… trás!… trás. Alguém chegava, parecendo ter pressa para não perder a maré da manhã.

– Já lá vai. Se tens pressa vai lá p’ra baixo, que está mais quentinho. Resmungando enquanto entreabria o portão, perguntou:

– Então quem és, e o que queres?

– Oh!… S. Pedro, sou o Zé Cachino, lá da Malhada, e c’ria que m’amabotasse aí p’ra dentro… raio! que venho cansado da viaje e c’riame chichar aí dentro. Avia-te, raios. C’ ainda perco a enchente.

– E donde és tu, ó Cachino?

– Sou d’ibalho, raios! Atão eu ia lá astrigar-me a mentir sobre a minha terra. Nado, bautizado e cebado, em íbalho, saiba vòssomocê, santinho. Astão tu não m’enxergas, não t’ alembras cá do Zé? C’inté no mês passado fui juiz da festa c’a ta fizemos lá na terrinha da lâmpada. És mesmo desconfiado. Mexe-te que estou p’rà aqui todo engaranhido.

– Não é isso, mas é que noutro dia apareceu-me cá um finório de Vagos – daqueles que deixaram o Senhor na rua para acudir ao bacalhau! – que me enloilou com essa de ser «d’Ilhavo…»

– É S. Pedro!… raios, estipor, deixa-me entrar c’«amando-te um xalabar de sardinha bibinha, …a saltar… da restomenga, tenta o Cachina convencer o orago. (Que a corrupção nos céus, não é corrupção, mas dadivazinha, pagamento de promessa… esmolna).

– Entra Cachino, entra; por essa da sardinha bibinha a saltar, estás identificado. És mesmo d’Íbalho…



Senos Fonseca ag 2023



quinta-feira, agosto 24, 2023

 Entre o ontem e o hoje , a Costa-Nova do Prado continua linda....


Bonita, airosa e vistosa, segue vaidosa de ser o mais lindo presépio colorido deste País.



Terra ainda criança, onde apenas lavram (pouco mais) de duzentos anos de historial desde  que o homem violou pela primeira vez a virgindade do seu areal, a Costa Nova do Prado é, talvez, o mais belo rincão pátrio, postado entre o mar e a ria, que lhe deram vida e prazer.

A Costa Nova é um bodo  alargado para o sensório das gentes, inebriadas pelo despertar do  sol garimpando  lá da serra, a fazer ressair o verde da sua paisagem, enquanto vai toldando  de um avermelhado suave, as águas azuis da Ria. 






Tão azuis  que encharcam o olhar dos mirantes. A Costa Nova é uma paleta de pintor consagrado, em que o artista vai, hora a hora, misturando as cores pródigas da natureza, num contínuo mudar de tom. Ao meio dia, o azul das águas, tinge o azulão do céu, onde parecem pairar, olhudos, os anjos que nele habitam, olhando ciosos e ciumentos, a amplidão de frescura que paira cá por baixo.


Enquanto isso, o passeante olha, admirado  e estupefacto, os palheirinhos riscados de cores fortes, encostados beiral com beiral, como para se manterem erectos da trabuzana ameaçadora. Dos beirais  penduram-se  varandas de branco imaculado, púlpitos onde antigamente  se acantonavam mirantes, olhar perdido,embarcados na  proa de um qualquer ronceiro moliceiro, onde se lia ”bamos lá cum Deus”. Era vê-los para cá e para lá, catando pachorrentamente a ria, ensarilhando   os seus cabelos dourados nos ancinhos calados na borda, para com eles engordar as leiras ainda enlodadas, na suada feitura dos largos e deslumbrante milheirais, prados enverdecidos, que  completaram o nome à Costa Nova, postados ali, na Maluca, bem à sua frente.

Hoje, é certo, falta à Costa Nova do Prado, a beira mar ruralizada, prenhe de gente afadigada, num corrupio de entontecer, correndo duna acima, duna abaixo, na entre ajuda, a trazer do mar a rede que o meia-lua, foi lá longe esparralhar. O mirante, hoje, não   observa, arrepiado, o encabritar do barquito na vaga. A apontar a bica ao céu, para logo se enterrar na vagalhoça seguinte, impulsionado por meia centena de rijos pescadores embarcados, obedecendo, fiéis, á ordem do arrais:  Rema!!!!....rema...é agora ...vá...

E o mulherio na praia depois de saber os seus, mar adentro, salvos desta primeira investida, esconjurado o perigo, logo tocam os  bois que parecem descer ao areal para na sua borda lavrarem o mar. Tudo mexe a preparar  a longa e penosa puxada da rede para terra. Até que, porfírio cortado, saco esventrado, nele  ressalte em lampejos cintilantes de mil espelhos prateados, a bela sardinha debatendo-se no estertor do seu fim. Era uma correria atropelada. Onde se esqueciam regras, onde tudo era luta, tumulto, vigor escorrido no ressoar de corpos, para  ganho de pobre espórtula que (mal) dava para viver.

Se é certo que hoje esse espectáculo já não existe, porque o tempo corre célere na mudança, uma coisa não mudou:  o adormecer do sol que, à tardinha, vem, cansado de tão longa volta, espreguiçar-se no mar.

É sempre um bodo o entardecer neste recanto luxuriante onde a natureza foi pródiga em oferta: o azul vivo  do mar tinge-se de um afogueado quente, vivo, que preanuncia o fim do afadigado dia. Momentos únicos onde  a cor permanece em  continua transmutação de vermelhões em variadas gradações, aqui e ali, por vezes, entrecortados por farrapos de uma ou outra nuvem, transmitindo a sensação de por ali existir na paisagem, alma!. Alma de êxtase, que prodigamente se transmite à alma do mirante a deixar-se  envolver por tão soberbo momento. Uma e outra gaivota ziguezagueiam os ares, parecendo com esses requebros doces virem despedir-se do barbazanas de fogo que lentamente vai mergulhando nos confins do horizonte.

  

                               

                                                                   

A Costa Nova, menina ainda, parece adormecer, ao de labaró :suave, docemente, embrulhada na esfarrapada neblina que se estende pela ria.

Mas logo vindo do outro lado desponta uma lua cheia, a reflectir  o vermelhão do astro rei. Sobe às alturas, enquanto à sua volta a mutação e cambiantes de cor são um manjar de enlevo para o olhar. À medida que sobe, desaparecido o “rei”, logo a lua se cobre de um prateado extreme. E é esse prateado que vai tingir uma ria serena, dando-lhe um aspecto de inaudita tranquilidade. Só aqui e ali rompida pelo chape..chape...de um peixito que se deixou apanhar pela traquina gaivota.




                                             


E a noite convida ao repouso.

Embalada neste luar, a Costa-Nova, espreguiça-se no areal ...e adormece o  corpo afadigado .

Até que de manhã o estrídulo piar de um maçarico errante, ecoa na lusco fusco de uma luz indecisa da madrugada, a despertar no vermelhão que desce lá da serra.

E o bulício recomeça...


Senos da Fonseca



sexta-feira, julho 21, 2023

 

Se
tivesse de fazer um « Prólogo » ao livro « SABERES QUE TORNARAM POSSíVEIS AS GRANDES NAVEGAÇÔES PORTUGUESAS »,seria assim:



Prólogo

Alguns que escrevem livros, acostumam fazer nos princípios prólogos de sua defensão ,o que eu não fiz. E mais quem quem pode dizer mal de mim, que bom seja, pois aos maus não posso fugir, mas por qualquer parte sempre me hão-de maltratar .E contudo, eu não dou licença que alguém possa ser meu juiz ,senão quem ler os livros, senão quem ler os livros que eu li, e com tanto trabalho ,e tão bem, ou melhor, entendidos. Ainda assim a sentença  há-de ser que para emendar meus erros escrevam da mesma matéria outras obras melhores ,nas quais mostrem saber mais que eu, disto falamos.,(.....) e bem sei que não deixam de repreender  senão o que não entendem.(....) E não convido eu, aos que mais sabem , cuidando que os não há aí no mundo ,mas seria eu mais ditoso que as minhas faltas fossem causa do proveito que sua  doutrina pode fazer. Ser eu curto em meu escrever e não ser mui ordenado, com bons exemplos ,e a falta de algumas coisas que deveria escrever e não fiz.E contudo ,o que com razão pode ser repreendido ,eu confesso que o não escrevi com malícia e pode-se emendar. Antes peço a quem conhecer meus erros, que os emende ;e todavia não murmurando em sua casa, porque desfaz em si.


(autor Fernão de Oliveira in « Gramática »)



terça-feira, julho 18, 2023

 Por congostas a requererem muita atenção....


A minha intrusão pelos meandros da considerada “Primeira Gramática Portuguesa” de Fernão de Oliveira, tem sido difícil mas curiosa.Sinto-me perdido naquele emaranhado de explicações de uma língua “nova” que desejava ser imperial,para isso desligando-se da paternidade do latim.

No fundo  subscrevo inteiramente de não estarmos perante uma Gramática, mas um trabalho sobre “A Linguagem  Portuguesa”.



Tem partes (para mim, pobre gramático) rebarbativas. Tem de se andar ,voltar atrás ,decifrar e tentar perceber a ideia (explosiva ) do autor.

Só um pequeno exemplo (poderiam ser muitos...muitos...)

Sobre dicções (Cap XXXIV)

(....). As dicções apartadas (simples ou singelas) são aquelas cujas partes não podem ser dicções inteiras, mas dividem-se somente em sílabas e letras(....) Dividem-se ,pois,as dicções singelas ou apartadas ,como dou, dás, dar  e como és e em sílabas se dividem como damos, somos e andamos, e não se podem dividir em dicções ,como fazer, porque  fa. por si não diz nada e zer tampouco(....)

Vá lá um engenhocas meter-se nesta molhada....

Bem;  adiante...

Às tantas dou com esta pérola - Cap XXXI

(....)porque foram feitas em Aveiro ,nome de lugar porque dantes nesta terra,morava um caçador de aves,ao qual,como de alcunha ,chamaram aveiro....

Ora tomem lá. Andaram tantos filólogos a pregar sobre a origem de Aveiro, e Fernão Oliveira já no Séc XVI o tinha explicado.....

Há sempre tempo de aprender (?---)

Como diz Fde O:

A Linguagem é figura do entendimento,e assim é verdade que a boca diz qunto lhe manda o coração e não outra coisa:antes não devia  a Natureza criar outro mais disforme monstro do que são aqueles que falam o que não têm na vontade(.....).Como dizia Laércio: os bons falam virtudes, e os ,maliciosos ,maldades (...)

Senos da Fonseca


domingo, junho 25, 2023

 Naquele tempo....



Uma notícia,  inserida com destaque, em “O Público”, dava conta da Marinha Portuguesa ter resgatado uma embarcação  em mar alto, embarcação de pesca que teria avaria irremediável no motor.

Lembrei-me do meu tempo em que, no NRP  “ Dourada” patrulhávamos a costa Norte(Figueira a Caminha).Rara era a semana em que não tivéssemos de resgatar uma embarcação (principalmente motoras) e ou, um ou outro tripulante gravemente doente que, era necessário transportar rapidamente,para  terra. Houve situações de resgate muito....muito delicadas.

Uma delas abeirou-se da tragédia quando, dado o estado do mar, de vaga, houve   necessidade de arriar a baleeira, e tentar fazer o transbordo, para  retirar um pescador de um arrastão costeiro  acometido por dor aguda.  Foi dramático. Na primeira tentativa de acostar a baleira ao arrastão , o  “cabo” que me acompanhava - íamos seis tripulantes – ao saltar , caiu à água, entre a baleeira e o navio. Temi a sua perda . Mal lhe estendi a mão, vi (espantado)que ele saltava como tainha para dentro da baleeira (sem eu fazer esforço nenhum, tal a ânsia de se safar).

(.....)

O resgate devido a avaria das motoras era habitual. Tempos muitos difíceis daquela gente que, ainda por cima, via as avarias, frequentemente, a bater-lhes à  porta, dada a escassa ou nenhuma manutenção .Aquilo importunava-me. E numa das situações em que vi estampado o desespero da falta de meios(materiais) para obter a reparação necessária, lembrei-me de convidar um sargento e um “maquinista fogueiro”,da “Dourada”  para irmos, depois da hora, à motora, a darmos um jeito àquela gente .Foi uma festa. Motor reparado ,umas cervejas e aquela gente estava pronta a sair para a faina. Só que a cena tornou-se habitual. E lá fomos acudindo ( com mestria do “meu pessoal” ) dando solução(e ás vezes até, a arranjar ni paiol , um pedaço de tubo de cobre, um rolamento, etc)....E   com isso criámos um ambiente que ,na altura foi muito falado naquele mundo da pesca artesanal.

De tal modo que a Capitania nomeou-me para a Inspector dessas motoras. Foi uma altura de emigração(fuga) para França. A  maior parte não chegava ao destino. 

Ora num dos casos tive de reprovar três vezes a motora em  inspecção. Que eu sabia se preparava para dar o salto.. A embarcação nunca chegaria ao destino se não fossem resolvidos determinados pormenores. As coisas estavam feias. Tensas. A tripulação demonstrava forte ansiedade .E às tantas  foi-me perguntado:

-Porquê ?.... eu que até era um gajo porreiro, desta vez estava a sacaneá-los?

-É que eu quero que vocês cheguem ao destino a salvo, pelos vossos meios. 

À quarta inspecção (e ajuda),finalmente, partiram. Passados dias eis que me aparecem três mulheres ao portaló a pedir para falar comigo. Recebi-as, claro.

-Vimos para lhe dar recado que o meu José chegou a França. E manda-lhe um abraço....(e é que me abraçou mesmo....)

Creio que elas não deram que os meus olhos me traíram. E de que maneira.


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E já agora : mais uma história desse tempo:

Chegado segunda feira a bordo, tenho  um dos sargentos(O mestre) a participar-me que o marinheiro fogueiro A. tinha sido encontrado no fim de semana (onde só ficava o pessoal de serviço) em acto amoroso com a namorada, no estrado da casa da máquina.

Ora uma daquelas é que eu não sabia como resolver....

(o A.  era um dos sempre prontos a ir fazer uma reparação a uma motora em dificuldade). Ainda mais esta....

Mandei-o chamar. Bateu galhardamente continência. Eu talvez tenha respondido sem o olhar frontalmente...

E perguntei, voz dura (?):

-Então o que se passou? Não tinhas outro lugar...para...

-Saiba que não meu tenente...ou melhor:.... poderia ter...mas não tão limpo. O meu tenente sempre nos exigiu que queria aquela casa das máquinas o sítio mais limpo deste navio. O estrado está mais limpo que o mar....A minha R...até disse:  assim sim.....nem a saia emboito....vamos casar para o mês que vem ,e o meu Tenente está desde já convidado.

Fiquei sem argumentos. Não sabia se me devia rir..... se chorar de vaidade...

Chamei o Sargento. E atirei-lhe :

-  Mestre:  o rapaz ,afinal, estava só a mostrar o injector (da máquina) à namorada (que nunca tinha entrado num navio).Logo vamos beber os três umas cervejas para ele se explicar melhor....Eu trato disto com o Comandante ,esteja descansado.

(....)

Este caso trouxe-me à lembrança quando, embarcado na  fragata “Corte Real”, fomos aos Açores e Madeira. À noite havia uma recepção a bordo, ao Consulado Inglês. Os oficiais da “ Corte Real” era um tal carrear de inglesas para lhes “mostrar” a sala de operações (às escuras, luz avermelhada mortiça, com os fogachos de radares, sonares , etc etc.).

Às tantas pedi ao sargento:

- Sargento. F.:  abra aqui a porta para eu mostrar a sala....





Nem foi preciso acabar:

- É p’ra já ---- olhe! ... o tenente V.  já me pediu a chaves seis vezes.....


Senos da Fonseca


  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...