domingo, maio 22, 2022

 

O  Palacete dos «Cartaxos» em ruínas



O “Palacete dos CARTAXOS”, ardeu. Notícia chegada de Ílhavo, deu-me conta que, pela madrugada, a Rua Arcebispo Bilhano (Rua Direita) terá vivido em  sobressalto, causado pelas labaredas que deflagraram do prédio dos Cartaxos, nela situado. Pedaço material da história da urbe.  Referência urbana dum tempo passado.      


                                              Ao fundo, à esquerda, pode ver-se o cume do Prédio


E assim lá se vai mais um marco histórico de uma época, quando Ílhavo era uma próspera Vila em acelerado desenvolvimento.

Este prédio fora edificado no «Rossio» (também na gíria conhecido por “largo da Capela”),pois  assim se chamava o espaçoso (?) largo que a ladeava pelo poente. Largo que tinha a norte o edifício onde se albergou, no Sec. XIX ,a Philarmónica Ilhavense, que aí deu concertos, muito apreciados pela população que, vivamente interessada, ali acorria (conta-se) em alvoroço.  A imponente Casa dos Cartaxos terá sido mandada construir, no ínicio do séc.XIX, por um tal João António Cartaxo, emigrante no Brasil que a terá doado a  sua irmã, Maria Gonçalves de Jesus, casada com  Manuel Telles, progenitor da família Teles.

O Palacete dos «Cartaxos», assim lhe ouvi muitas vezes chamar, foi sede do Tribunal  dos Orfãos .E, mais tarde, ali esteve instalado o Centro Republicano.

Posteriormente lá terá estado sediado, o Sindicato dos Mareantes (assim creio ter sido designado)

                                                                

                                             A Bandeira do Sindicato içada(foto blog Marintimidades)

No primeiro decénio de novecentos, a Câmara Municipal de Ílhavo terá entrado em contacto com os proprietários (já então como regista a acta da CMI, a Familia Teles ) com a pretensão de adquirir o prédio, e aí instalar a CMI (até ali  instalada  no Largo do Oitão).Admitia, a Câmara, disponibilizar o R/C para a Associação dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo, que ali teve guardada a bomba braçal, após 1894(como referi no livro da” História da AHBVI”).


                                 

                         Ao fundo o prédio e o seu mirante (foto de J A Ramalheira)

Chegou-se a um acordo para o valor da transacção. Certo, porém é que a Câmara desistiu da ideia, e iria fazer obras no Convento das Irmãs de Calais que, entretanto, teriam em 1810, pela calada da noite, fugido  e tudo abandonando (como referi no livro “Ílhavo Ensaio Monográfico”).

No Palacete entre os vários descendentes da família Telles ,nasceu o  Quintino Teles, com apreciáveis dotes para a poesia, cuja lembrança está inserida numa placa  aposta do prédio, salva da destruição.

Até hoje, creio, o prédio, depois de encerrada a loja do Sr Cachim que funcionava no R/c, estava sem ocupação.

E agora?... impõe-se  perguntar. Como reabilitar, recuperando a sua fachada, tornando interiormente habitável, ou utilizável, o imponente prédio? 

Tem a palavra a Câmara Municipal de ílhavo.


PS- Existe um pormenor que, nunca até hoje, apesar de o perseguir afincadamente, esclareci. Porquê aquela zona (bairo) se chamar da “CAPELA”? Curiosamente (ou talvez não) a minha mulher Zida e as irmãs, eram conhecidas pelas “Capelinhas”. Havia largo número de familiares seus, a habitar aquela zona.

 Deverá ter havido (penso eu) ,por ali, uma capelinha .Que terá dado nome ao bairro. Ora a casa do Palacete dos Cartaxos teve, anteriormente, o nome da casa do Srº dos Aflitos. E a casa que foi do Capitão Belarmino e família, sempre que olho para ela, reparo na forma e posição, estranhas, que mostra: saliente do resto das edificações,  que seguem para poente e nascente. Se lhe tirarmos o primeiro andar fica, claramente, um tipo de edificação de uma possível (anterior) capela. Claro isto são deduções sem qualquer alimento documental. Vou em frente....a tentar dilucidar.


Senos da Fonseca








quinta-feira, maio 19, 2022

 


Toda a história do CONVENTO de Cimo de Vila




Em 1922 o jornal «O Ilhavense»  publicou a resposta negativa dada pelo Ministério da Justiça em ceder gratuitamente, à Câmara, o edifício do Convento. Essa atitude derivava do facto de que o Convento estivera completamente abandonado, e teria, por isso, revertido para o Governo O Convento, diz-se no ofício nº15013 de 20 de Janeiro de 1922.do Ministério da Justiça, pouco ou nada mais era que um montão de ruínas, pelo que o Ministério decidiu mandar avaliar o edifício, e seria por esse o valor pelo qual estaria disposto a cedê-lo à Câmara Municipal de Ílhavo, já que a esta nem sequer era reconhecida o direito de ficar com os bens pelo valor de avaliação (concedido às entidades que fossem depositárias dos mesmos a titulo precário) porque aquela teria abandonado o prédio.

 A Câmara acabaria por adquirir o imóvel pela quantia de 18.500$00.,nele tencionando instalar os Paços do Conselho, e, depois de efectivar obras de restauro, para lá transferir as escolas que até aí vinham funcionando, em casa particulares onde pagavam rendas.



ACta da reunião de 24/07/1922 da aquisição do Convento

Em 1925 estalaria uma enorme polémica que poria Ílhavo em alvoroço. Em «O Ilhavense», o Dr. Manuel Damas (e outras vezes o Director Pereira Telles), envolveu-se de um modo violento, por vezes patético e nem sempre decoroso, com uma outra facção politica local chefiada por Eduardo Craveiro, que utilizava os jornais, «O Debate» de Aveiro – de que era correspondente – e «A Beira – Mar» de Ílhavo, para defender as suas posições, que lhe respondia nos mesmos exactos termos. O pleito tomou forma de escândalo público e dimensão que extravasou os limites locais. 

A questão em torno da qual se movia a diatribe residia na acusação feita por M Damas do descaminho dos valiosos haveres do Convento de Cimo de Vila, que as irmãs de Calais teriam abandonado pela calada da noite de 1910.Ora para administrador (ou depositário) desses bens abandonados teria sido nomeado pelo governador civil de então uma Comissão de que fazia parte o Presidente da Câmara, Eduardo Craveiro, depois de feito competente arrolamento em Outubro de 1910.


Movia Damas, para lá da rivalidade politica a suspensão de actividades a que tinha sido sujeito por um período de três meses, que o mesmo considerava ter sido consequência de acusações graves que os republicanos lhe teriam feito.


Antes de irmos à polémica ,revisitemos um pouco da história do Convento:  


                                      

                                                 O Convento transformado em Escolas

No Arquivo Distrital de Aveiro, num artigo em que é referido o irmão pouco lembrado de José Estêvão, António Augusto Coelho de Magalhães, refere-se que uma das causas da sua doença teria residido no facto de uma sua filha ter fugido para França, juntamente com outras quatro companheiras, esgueirando-se do recolhimento onde se encontrava, em Aveiro; fuga que teria contado com a colaboração de um “tal padre Beirão”, entrando as fugitivas para a Congregação das Irmãs Franciscanas de Calais, no referido País. Esta fuga, o eco que teve junto da população pelo rocambolesco da situação que pareceu configurar um “autêntico sequestro” (a que não faltou a «clausura» das «desencaminhadas» no recolhimento de «S. Patrício», em Lisboa, antes de saírem para França), levaria à demissão de Manuel Firmino do cargo de Governador Civil do Distrito; este episódio foi posteriormente utilizado como «razão» para a feroz oposição à entrada das Irmãs de Caridade, na Misericórdia de Aveiro (1888). 

No período da “convulsão liberal” laicista, gravoso para as Ordens religiosas, numa altura em que o papado de Pio IX pretendeu recuperar algum do esplendor, da influência e do poder da Igreja, que tinham vindo a declinar desde a Revolução Francesa, em Ílhavo, eram ao tempo esperadas as Irmãs de Caridade que – dizia-se –, viriam se instalar na casa do Padre Morgado (Taboleiros) que para esse efeito tinha sido sujeita a benfeitorias de vária ordem. Mas quem se apresentou a ocupá-la, em dado dia, seriam dois eclesiásticos e quatro senhoras, duas das quais se afirmava, serem naturais deste Distrito; ora uma destas – a irmã BRANCA – era, nem mais nem menos, do que a sobrinha de José Estêvão; foi pois, esta, uma das fundadoras do Retiro da Nª Srª do Pranto das Irmãs Hospitaleiras da Terceira Ordem Regular de S.Francisco onde se ministrava “ensino gratuito a meninas, especialmente a filhas de pescadores”, e funcionava – já…, espante-se! - como um verdadeiro, «Jardim-de-infância» daquele tempo ”pois receberia as crianças com menos de três anos, às horas em que as mães estariam ocupadas em outros afazeres”·. 

As Irmãs da Caridade fariam parte do contra ataque do Papa Pio IX destinado a recuperar o esplendor da Igreja e a influência que aquela vinha perdendo em toda a Europa, desde o período da revolução Francesa. A esta posição, respondia em Portugal um «novo catolicismo» que rejeitava liminarmente a (nova) «piedade» surgida, à qual se referiam entre outros, A. Herculano e Oliveira Martins, afirmando “não ter esta, nada a ver com a antiga religião”. As Irmãs da Caridade – «importadas» de França – “fazendo parecer que em Portugal já não haveria entre nós quem detivesse o espírito de caridade”, foram vistas como sendo uma emanação do espírito jesuítico e, por isso, prontamente denunciadas pelo radicalismo que as associava a uma prática onde “nem cabia a visita aos pobres”; gozando da alta protecção dos «grandes e da igreja», estariam, por isso longe de merecerem o apoio popular, pois, dizia José Estêvão, “o culto externo das Irmãs é pouco consentâneo com as formas, com os costumes, e com as prevenções da autoridade administrativa”. Via-se nas Irmãs da Caridade uma reacção das classes poderosas que, unidas à Igreja, pretenderiam «opor-se» ao ensino da escola pública, no intuito da manutenção do papel hegemónico detido sobre a mentalidade popular. 

Pelo que já anteriormente referimos, a prática das mesmas em Ílhavo, especialmente no campo do apoio aos órfãos e aos filhos das mulheres trabalhadoras, bem como na educação das jovens, parece ter merecido justificado reconhecimento de validade, e respeito, muito embora a sua instalação – com as peripécias da Irmã Branca –, o seu posterior desaparecimento envolto em grande mistério, o fim da Instituição com o confisco de todos os seus bens no País de origem, permitam colocar algumas interrogações e deixar campo aberto a hiperbólico locutório, sobre qual seria o seu fim último. Este viria a ficar ainda mais envolto em névoa impeditiva de o discernir quando, em 1910, se constatou da repentina fuga de todas as Irmãs, – sem qualquer aviso prévio – feita ao cair da noite em carroças fretadas para o efeito, deixando para trás a Instituição e todos os seus bens abandonados à pilhagem, o que motivaria fortes especulações e teria deixado um rasto de mistério nunca totalmente explicado, nas circunstâncias. 

O episódio das Irmãs da Caridade – de quem se dizia “serem um veiculo para submeter as consciências e manter o povo na ignorância através do ensino religioso a que se dedicavam” –, serviu para a denúncia, por parte da esquerda, dos privilégios mantidos pela Igreja que se consideravam excessivos, prejudiciais, pois com eles se pretenderia impedir a democracia, a igualdade de direitos do povo e a sua libertação secular. E as Irmãs viriam mesmo a ser apedrejadas em Agosto de 1858 à saída de uma igreja, levantando ondas de indignação, na facção conservadora. 


Em Aveiro seriam impedidas de entrar no Hospital da Santa Casa da Misericórdia. Para esse propósito contribuiu José Estêvão, quando na sua notável intervenção no Parlamento afirmou a dado passo: “Acho desnecessária a instituição. Se Deus quer a caridade seja tão oculta, que a mão direita não saiba o que dá a esquerda, para que é então decorar a cabeça das suas sacerdotisas com um certo ornato… e o corpo com uma certa fazenda”.  

 O sentimento anticlerical era levado a todo o país pelos vultos do pensamento e cultura que se afirmavam chocados, e revoltados, com a centralização da cúria romana·, o que, se não era uma expressão anti-religiosa ou até anti-católica, era antes uma critica às práticas e devoções e às instituições (Patriarcado e Ordens). O debate “exprimia uma contradição insanável entre os adeptos de uma sociedade livre e secularizada e os defensores da restauração de um modelo clerical”.

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Polémica (1925)

Abandonado o Convento, deixado o seu recheio ao dispor de quem lá quisesse entrar, os seus bens foram, em Outubro de 1910, anexados pela Câmara de Ílhavo, aguardando-se um processo que corria contras a Congregação das Irmãs de Calais a correr em França (que terminaria com a confiscação de todos os seus bens!). Foi, pois, em 1910, feito um rol dos bens existentes, repetido em 1915 (este muito diferente do anterior) do qual, ninguém mais tarde se assumiu conhecedor, ou detentor.

O período conturbado e as lutas entre as diversas clientelas politicas foram aqui, como no resto do País, se extremando, em extrema virulência que nem sempre acabava da melhor maneira.

Em 1925 era bem patente a diferença de opinião entre os que se agrupavam em volta de «O Ilhavense», os conservadores monárquicos que apoiavam a figura politica local, Diniz Gomes, e aqueles que n’ «A Beira-Mar» se situavam perto das ideias republicanas, ou pelo menos militavam na corrente progressistas, próxima.

Ora o recheio que restou do Convento, que uns diziam ser muito valioso, mas que outros afirmavam convictamente, ter em boa parte sido roubado, no período em que esteve de porta aberta, sem ninguém decidir a quem competia guardar o que lá se encontraria, parece ter levado um sumiço. 

Desses bens relevava-se o recheio: trem de cozinha que se dizia ser o melhor de Ílhavo, 30/40 camas, roupas para as mesmas, pinturas e paramentos, talheres, serviços V.A etc. etc.O Convento, dizia Damas, estaria cheio como um ovo.

Aconteceu neste período (1922) que sobre a câmara de Dinis Gomes se levantaram algumas acusações, denunciando-se obscuros procedimentos de índole económica e uma situação catastrófica das finanças da mesma. M. Damas parece vir aproveitar a questão do Convento com a finalidade de criar um facto político que servisse de distracção do problema que afligia as hostes conservadoras. E assim surge a levantar publicamente a questão que, havia tempo andava em surdina de boca em boca. O recheio que tinha sido objecto de arrolamento e de que teriam ficado administradores responsáveis -diz Damas em «O Ilhavense» – compreenderia 58 páginas, o que atestava uma ideia da sua grandeza. O que teria sido arrolado deveria, pois, existir, e a não existir alguém teria de dar conta do seu paradeiro.

E adiantava: já vimos como as pobres freiras foram postas fora de Ílhavo («O Ilhavense» de 12.04.1925); pouco menos que nuas. O que de facto não fora verdade, pois ao que parece ninguém as teria posto fora. Elas é que teriam desaparecido, certamente pelas razões que mais tarde pareceram esclarecidas, quando no seu Pais de origem a Congregação foi dissolvida e lhe foram confiscados todos os seus bens. O problema da sua desaparição repentina, não teria sido motivado por reacções locais, mas sim consequência de uma situação exterior em que estaria envolvida a Congregação das Irmãs de Calais. 

M Damas continuava: A malandragem pagava assim aquelas que lhes ensinaram as esposas as filhas e as mães.

E até do simples desaparecimento de vasos, Damas se servia para acusar os republicanos, invectivando E. Craveiro de os ter oferecido a várias pessoas gradas, em Ílhavo.

Craveiro defendia-se com os recibos que exibia, e que dizia serem prova de que quando teria entregue a administração dos bens, em 1915, ao Dr. Carvalho novo administrador Concelhio – nos mesmos se indicar o que teria vendido (o valor de 45$08 que era o saldo acusado pelo novo administrador).

M Damas exibe declarações recolhidas junto de alguém (incógnito) que se afirma ter sido uma das fugitivas que lhe afirmara: fomos obrigadas a deixar o nosso tam querido colégio da Nºª Srª do Pranto e a seguir para a própria pátria como se fossemos criminosas (.) sem de lá trazer nada.

E a polémica foi subindo de tom, com o tratamento dado a Craveiro de acéfalo e míope de alma …, mau filho e péssimo irmão …e pior cidadão, libertando-a da sua linguagem das latrinas, pelo que deve ser expulso da casa e do convívio de todos os ilhavenses, incita Damas.

A padralhada não podia faltar ao combate; e associa Craveiro à aversão pela mesma, acusando-o de ter afirmado -e como eu não engraço com alguns padres (…). Desse modo Damas (sidonista sem ser monárquico) tenta obter o apoio daquela para a sua cruzada. O que diga-se eras de importância vital dada a influência clerical no meio local.

Logo Craveiro ripostava: - se isto fosse um País de homens, estes tipos da «Corja» (O Ilhavense) era sumariamente fusilá-los contra um muro 

A vias tantas, de um lado e do outro, começa a germinar a convicção que a questão acabará na cadeia ou sob o chumbo das armas.

Ora se é certo que o recheio poderia ter desaparecido, pois que há noticias da época que referem que o Convento esteve de porta aberta à disposição de quem quis, certo é que se verificou que a Confraria em poucos anos teria amealhado bem, já que se constatou ser o Convento riquíssimo em prédios rústicos: terras no Pinhal na Lagoa, pinhal nas Ervosas, pinhal na Castelhana, pinhal na Gândara de Sousa, metade de um pinhal em Salgueiro, um pinhal nos vales de Sôsa, e uma terra de lavradio nas Cancelas, num total de 29 prédios!!!.que se dizia terem recebido como herança do Padre.Calvo, o qual teria deixado todos os bens ao Convento a troco de ali ser tratado um filho (?!) -ou afilhado – demente, o que de facto aconteceu. 

Nunca foi esclarecido onde estes bens foram parar. O Governo de então prometeu mandar apurar o descaminho dos bens fugíveis e infugíveis. Mas nada foi apurado…

Os opositores zurziam-se forte (1925), usando uma terminologia nem sempre a mais aconselhável. O trauliteirismo manejado por um caciquismo que enquistava e destilava ódios, procurando por todos os meios assumir o poder, expressava-se de um modo virulento fazendo gala do insulto patético, soes e odiento, não olhando a meios para atingir os fins.    

Em 1925 a Câmara de Diniz Gomes acusada de graves procedimentos, de onde sobressaía a grave situação económica municipal, com os cofres completamente exangues, acabaria por ser dissolvida (Dec. Lei11875 de 16 de Julho de 1925). Interinamente o administrador do concelho, Coronel Alberto Maia Mendonça, assume a posse da Comissão Administrativa, até ao momento em que a entregará a Câmara de Júlio Calixto.

A questão do convento terminaria, assim, sem qualquer tipo de esclarecimento cabal, satisfatório...Se havia dúvidas, elas não só se mantiveram, como até, porventura aumentaram.

Mais tarde, novamente na Câmara de Diniz Gomes, o edifício é então adaptado para os Paços do Concelho,  e para quartel da GNR( no R/c) .Nas partes traseiras vieram instalar-se as Escolas, que aí funcionaram até meados do séc. XX.


Senos da Fonseca


  




quarta-feira, maio 11, 2022

 



FREDERICO DE MOURA



(...)

Ora Frederico de Moura foi um exemplo superior dessa inquietação permanente, apostado numa aprendizagem contínua e prolongada, em verdadeiro sacerdócio « de colher  muito, de muitas coisas». A  formação assim conseguida  enraizava-se   na ânsia desmedida de  conhecer -e dar a conhecer – o resultado do permanente  «diálogo» que travava  com os mestres,em  cujos livros,  insaciavelmente, abafava a exegese do saber   e  que, depois, incapaz de os «pôr em reclusão» só para  gozo intimista , vertia-os de uma maneira viva e apaixonada sobre  os  companheiros de vida ou, tão só, de esporádica jorna .Tudo e todos, lhe mereciam o acto  fraterno de partilha . Discorria com uma segurança incrível, não programada, genuína e de momento,  com uma  referência que ia da clareza e disciplina metódica de  Descartes,  à filosofia critica   de Kant ,ou ao koinos –logós  Socrático , numa  imensidão temporal  povoada de referências a  «quem pensou e por isso existiu» ; ora  rumando a um outro campo,para aí  patrocinar «providência cautelar» contra (alguma) novel   literatura de cordel   escanzelada, se  confrontada com a  arte dos Senhores de Seide ou  de Tormes,de Sernancelhe ou  de Anta . Deleitosamente sensível  à criação artística , Frederico de Moura não perdia a ocasião, se ela  se ajustasse ao momento ,de nos dar conta  do contexto económico ,religioso e social vertido na linguagem do maneirismo de Domenikos Greco ,ou, levando-nos pela mão para a “Aula de Anatomia” de Rembrandt, ou ainda , maliciosamente,  descrevendo-nos  as obscenidades de “Las Majas”  de Goya ,   sublinhando-nos a atmosfera –temporal e espacial -  em que se teriam  desenvolvido as mais belas peças saídas do génio artístico do Homem. E quando o voar tinha tectos mais baixos, sublinhava com « ternurenta » amizade a teia, díspar mas frutuosa,  em que se enredou João Carlos, colega de proscénio na profissão e  na cultura , degustando  com requinte de apreciador insaciável  o multifacetado empenhamento do «ílhavo», na resposta aos sinais que lhe inundavam a imensidão da   inquietude  artística. Que procurava satisfação nas mais variadas formas em multifacetados   ensaios  (pena ,goiva ou simples lápis)       

Difícil é, em Frederico de Moura ,distinguir o homem do intelectual, pois nele as duas afirmações  conviviam em permanente e absoluta simbiose .Mostrou uma insaciável disponibilidade para tudo quanto à condição humana  se põe em desafio, assumindo o desassossego de uma alma inquietada pala necessidade do renovo permanente do «sujeito» da mesma .   

Era um espírito «em  graça» de recolha de impressões   maravilhadas  da natureza Nesta , deteve-se  em  particular atenção  ao espaço geográfico onde fincou as suas  raízes . Desconfio que ninguém –e foram muitos e grandes que o tentaram fazer – descreveu, como ele, o Homem da Laguna no confronto suado  com a paisagem. Um dia confessou-me emocionado ; “Sabes – disse-me  enquanto  vertíamos o olhar deslumbrado sobre os tons em constante mutação, que a ria nos ia exibindo  –das coisas de que levarei saudade quando me for ,é da maravilha desta ria que me preenche o ser e me desperta o afago de todo o meu olhar”. A admiração é o principio da ciência de todas as ciências ;mas é-o também da própria transmissão dessa ciência..Isso era –Lhe intrínseco…

Tinha uma minúcia de observação  para a paisagem humana contemporânea   , vincada  nas pinceladas impressionistas com que retratou, numa perfeição  estética sublime, figuras  que o tocaram  profundamente. Tinham um fio comum esses retratos que nos legou : exaltavam com a mesma força com que o escopro deixa ruga na pedra ,   numa minúcia de observação e  de rigor anatómico , de um  modo objectivo,probo e escrupuloso , os valores vitais dos biografados , catando minuciosamente os sinais com que  justificava a impoluta compleição moral ,intelectual ou humana do retratado.    

Foi um Homem fiel ao   Povo da Terra  que serviu em sacerdócio de  entrega, com um grau de  competência invulgar .Mais do que invulgar : notável, a excepcional bitola profissional que lhe era reconhecida por todos os Colegas com quem convivia de perto ;mais ainda ,  por muitos daqueles com quem ,por razão profissional , longe do seu meio , conferenciava . 


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Senos da Fonseca 

  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...