sábado, outubro 30, 2010

E agora?




Fatal…

O OGE foi aprovado depois de uma «fitas» para ver quem era o mauzão que melhor ficava no retrato.

Encenada a sua aprovação, acompanhada de uma declaração extraordinária do Sr. Presidente (mas haverá alguma coisa neste homem que se possa considerar extraordinária?), parece que os portugueses até !!!podem ir, sossegados, à vida. Ora.ora…

Agora é que a porca torce o rabo…

A questão não está na aprovação do dito, mas na execução do dito. Ora isso é que sempre me preocupou: haverá quem os tenha no sítio prontos a pô-los no cepo?

Hoje o Dr. Passos Coelho já dizia (ouviram?!): acabou-se isso de pronto acas obrigações do estado. Que pressa .A procissão só vai no adro. Mas nada melhor para nos clarificar do que irá suceder nos primeiros seis meses do seu próximo reinado. Digo seis meses porque não durará mais, o mesmo.

Afanados a mostrarem-se, vimos perpassar pela ribalta dos prognósticos uma plêia de vencidos (?!) da vida, economistas, quase todos eles já tendo passado o rabinho pelas cadeiras do poder, onde só fizeram caca. Não me lembro de nenhum desses iluminados que parecem, agora, saber tudo de como fazer, que enquanto lá estiveram abusacados tivessem feito qualquer coisa que contrariasse (antes ajudaram e bem!) a situação a que chegámos.

A ignorância pesporrenta destes ilustres é doentia. Eles ainda não perceberam que estão a falar de ontem. E que hoje o que está em cima da Mesa é o facto de a doença não ser, já só portuguesa, grega e ou…. Mas sim geral A crise está na Europa e veio para ficar. Praticamente todos os países têm deficites excessivos,e preocupantes dívidas externas.A nossa crise é exactamente igual á crise dos outros.Se alguém duvidar,ponha cartas na mesa.
 E estes iluminados ainda teimam esconder que a desgraça veio mesmo pela inaptidão, ignorância, Incapacidade e conluio da sua classe, posta ao serviço das mais desenfreada especulação de capitais fictícios, acreditados como moeda de valor quando nem sequer, em boa verdade, existiam.

SF


domingo, outubro 17, 2010

Assim vamos indo…


ESQUIZOFRENIA POLITICA


Este País tornou-se um lameiro de enjoados, farsantes e mentecaptos a criarem a intriga política. E o povo enjoado e indiferente, olha para a farsa do «agarrem-me que o mato».

O espectador, esse, distrai-se: não se interessa pelos personagens e acha-os a todos uma cambada de iguais. E todos nulos.

E de vez em quando olha para os bolsos e sente que estão mais vazios. Mas sabe que com uns ou com os outros (e o mesmo seria com os outros que só fazem palhaçada e coro) era igual. Ou pior!

O povo paga e reza. Em Fátima que foi para isso que Salazar a queria: o povo enquanto reza está distraído e não pensa. Neste País pensar é perigoso.

Tempo dos «Marcelos e Medinas», padrecos que peroram nos púlpitos a anunciar tempos de dilúvio. E o espectador ouve hoje, o mesmo que ouviu ontem. O mesmo de antes de ontem…e antes …de antes de ontem.

O povo sabe bem a receita para os males destes iluminados - e por isso pouco lhes liga. A maleza cura-se com purgante de óleo de rícino. Podem morder, apedrejar, vituperar, babar, rasgar, tresandar a falsidades ou casquejar meias verdades, ou mesmo ferir o País pelas costas. O espectador sabe a receita: - purgante de óleo de rícino…para fazerem por um outro lado o que fazem pela boca.

E assim vamos neste Lameiro:- está lá aquela meia dúzia no poder, e logo a doentia mentalidade duma elite portuguesa clama : esbanjadores da fazenda, ruína do país, corruptos. E como isso não ofendesse o suficiente, logo  acrescenta umas injurias ao carácter dos ditos… e até às suas mães.

Mas os outros - os que não estão no poder – os que se afirmam,os salvadores, os zeladores do Povo, os defensores dos valores pátrios….esses estão cheios de pressa para deixar de o ser.

A verdade é que:

Os que lá estão fazem tudo para merecer ser o que lhes chamam. Os outros – os que ainda lá não estão - torcem-se, conspiram, prometem censura castigadora, ameaçam, pretendendo o mais cedo possível deixar de ser os defensores do Povo para se alcandorarem a novos arruinadores do Povo.

E um certo dia, aqueles que caem, passam - logo ao outro dia - a serem os últimos e únicos defensores do País. Os detentores de toda …e única, verdade .A dança dos alcatruzes.

Onde está o ridículo desta farsa á portuguesa?

Os ministros, de um lado e do outro, são sempre ( ou quase sempre) os mesmos. Saem hoje, e logo amanhã se perfilam para voltarem a sê-lo. Por incrivel que pareça  não se reconhecem,  todos eles, esbanjadores e corruptos.Quem foram os primeiros?! ...isso é que seria interessante saber.

Muda a manjedoura mas a merda é sempre a mesma.

Aladino

NOTA :  E « AS FARPAS»  sempre actuais...

terça-feira, outubro 05, 2010


A Comemoração de um dia lindo:a implantação da República
Tão lindo como o 25 de Abril…..


A República espera ainda ser LIBERTADA para se cumprir.

Durante finais dos anos sessenta, inicio de setenta, o 31 de Janeiro e o 5 de Outubro eram os únicos momentos em que a torneira libertária de Salazar se abria (condicionadamente) para que, falando da República, se pudesse ousar dizer mal do regime do ditador. Inicialmente acompanhante de minha Mãe a todos esses momentos, não demorei a saltar para o palco, e passar de espectador a orador.
Claro que o regime tinha os seus PIDES na sala. Por acaso um desses esbirros convivia intensamente  connosco de  muito de perto, como mais tarde(depois do 25 de Abril)  viemos a saber, quando os processos da PIDE  nos vieram parar à mão.. Corria-se pois um certo risco.Lembro-me de um comício no Teatro Aveirense, trabalhava eu já na Celulose. Lembro-me de, ao outro dia do aviso de colegas : - eu corria sérios riscos. O que de facto nunca sucedeu, já um dia expliquei porquê.
Para poder arengar na altura tive naturalmente de estudar a História da Republica. Em casa de meu Pai (e agora na minha) havia muito material para estudar e um excelente professor para ensinar. Assim não me foi difícil apanhar alguma relevância, pois muita coisa do que dizia tinha sentido (o que diga-se, em boa verdade, não sucedia com outros oradores muito mais comicieiros, muito mais efervescentes, muito mais tonitroantes:caso exemplar do Carlos Candal) que achavam que o importante era falar «alto e grosso».
Para mim exaltar a Republica era mais apanhar o mote para dizer mal de Salazar. Certo é que desde logo percebi  que as grandes promessas Republicanas foram por água abaixo. E que se houve coisas boas e bem intencionadas, a gestão corrente do País foi tragicamente um falhanço.
Chamar 2ª Republica ao 28 de Maio sempre me pareceu excessivo. A ditadura tinha apenas da Republica o símbolo de um Presidente que fazia de conta, sem que a sua eleição fosse proveniente de sufrágio universal.
Creio que as Comemorações de hoje, do centenário da implantação da Republica, foram apenas a recordação do sentimento que em 1910 o Povo das elites deveria ter sentido, tal como nós sentimos o 25 de Abril. Sonhávamos com muito que afinal também posteriormente ficou pelo caminho. Hoje aqui chegados  não deixa de se sentir um certo amargo.
Em 25 de Abril, tal como em 5 de Outubro de 1910, quis-se indubitavelmente o que se viu, embora mais tarde (num caso e noutro) não se viu  o que (todos!) queríamos, de facto. De qualquer modo valeu a pena.
Hoje numa encruzilhada difícil, eu tenho boas razões para pensar que encontraremos a boa soluções para dela sairmos. Nunca como hoje o Homem teve ao seu dispor meios para a tarefa incessante de criar novos valores. Importante é que de uma vez por todas não se falhem  os ideais democráticos, colocando esses meios ao serviço de País e não apenas de uma sua pequena parte.
A questão da Republica se cumprir ,é hoje a de ser ou nãos capaz, de concretizar um socialismo (verdadeiro, na forma, conteúdo e acção) um socialismo com rosto, preocupado em resolver as necessidades reais dos mais desfavorecidos, gerando sistemas onde as suas qualidades possam ser aproveitadas. O drama da produção nacional não é a qualificação da mão-de-obra  (que em todo o caso tem de melhorar) mas os sistemas que aproveitam essa mão-de-obra que se mostra excepcional quando lá fora se integra em sistemas responsáveis.
Por isso venho defendendo que a qualificação mais urgente é a das classes ou grupos que irão dirigir; esses são que terão de ser submetidos a intensivo treino para se habituarem a conviver com o risco, avaliando-o e tomando as decisões certas para o minimizar.
SF -5-10-2010   

A BARCA DA PASSAGE na «MALUCA»



- Raios partam o ladrão do tempo – esconjurado[1]! - que me empata a vida - ia dizendo de si para si, a Maria, encharcada até aos ossos, engaranhida[2] pelo frio. Com uma mão lá ia segurando o canastro, enquanto que com a outra se afadigava no desbravar das contas da reza, invocando a Senhora dos Aflitos e a protectora, a Santa Bárbara, para a livrarem dos raios medonhos que riscavam em zigue zagues o céu chumbeiro, logo seguidos do ribombar assustador da trovoada que parecia capaz de esfanicar[3], tud’òmenos[4], o que tivesse forma ou expressão material na natureza. 


     Certo é que Maria não se preocupava demasiado com o estramboto[5] do temporal, que a rapariga não se enleava [6] com tão pouca coisa. Preocupava-a, isso sim, ter deixado para trás o irmãozito mais novo, que uma tosse mais parecendo esgana dos bofes, atacara. Tinha-o levado à botica do «ti Manuel Cunha», para que este lhe desse um xarope melaço e um cáustico, capazes de afadigar o malzinho[7], ao garoto. Antes de se pôr a caminho, a Maria agasalhou o Luisito que ficou bem aconchegado, e tratou, ainda, de deixar um «caldito de conduto» na lareira, e a traganeira[8] de milho, com que os restantes irmãos, e a mãe, a Efigénea, a «Pederneira», pudessem aconchegar o encostado[9] do estômago.
Tudo isto fora a causa de faltar à hora combinada, para, em grupo – o que sempre era mais prazenteiro, e naquele dia, até aconselhável – demandar o caminho da Maluca. Afadigou-se, por isso, a aligeirar o passo, mas o certo é que, nem ao longe, olhar atirado lá para as funduras do caminho, divisou as colegas. E nem sequer outra alma penada se divisava por aqueles endireitos[10], que naquele dia – pensava – mais pareciam os caminhos do purgatório. Ninguém com canastra de venda à cabeça, ou burricos carregados, ajoujados de lenha, sal ou outra mercancia, acartadas para a vila, se avistava. Ninguém se afoitara ao caminho com aquela trabuzana[11] medonha, que parecia imprópria para seres vivos.  
A Maria da Anunciação não era mulher de desistir. Era uma mulher de còrage[12]. E, mesmo só, não hesitou em atirar-se ao caminho, e atravessar aquele deserto de areias maninhas, onde aqui e ali se distinguiam tufos raquíticos de vergônteas enfezadas, castras gafadas[13], povoadas por vezes (já) por uns enfezados milheirais. Os tinhosos pinheiros com que se pensava fixar as areias, e desse modo proteger os aluviões, que se acreditava poderiam vir a ser a terra prometida, separavam os prados arenosos para onde o esfalfado colono cachiava[14] carradas de pilados e outro escasso, e muito moliço, com que ousava esfalfadamente cumprir o desígnio de «agarrar um povo», àquele deserto nascido do mar.  
Quando desembocou no prado da Maluca, terra já verdenta, e avistou ao longe a torre da Capela da Srª da Encarnação. Maria «Pederneira» pensou com os seus botões que não levaria mais de meia hora para que o sol descesse ao nível do mar. Tempo suficiente que lhe seria necessário para chegar ao cais da passage[15]. Parecia-lhe ter ouvido o longínquo ressoar do búzio[16]que assinalava a partida da carreira, o que sendo improvável, dada a distância a que se encontrava, inté[17] podia acontecer com o escarampêto[18] do tempo. Já não tinha ideias de apanhar a última barca. Com este temporal desfeito, era até provável que não houvesse carreira. Se calhar, nem o Tóino «Murtoseiro», o mais atrevido e esturto[19] barqueiro da carreira do Ti Ambrósio, se astreveria [20]a tal escaramuça.


O Labareda

Por pensar no Tóino …, acudiu à Maria, um sorriso maroto:
A passage[21] para a outra banda servia para raparigas e rapazes daquele tempo descontraírem do fardo que é a vida, e se entreterem ao jogo do beliscão, ousio que para os tempos era a antecâmara de outros atrevimentos, a sós. 

                 Sola, sapato, rei rainha
                 Foi ao mar buscar sardinha
                 Põe o pé na pamplina
                 O rapaz que jogo faz?
                 Faz o jogo do capão
                 Diz à velha do condão
                 Que arrecade o seu pézinho
                 Que arrecade o seu pézão
                

                  Salta a pulga da balança
                  Os cavalos a correr
                  As meninas a aprender
                  Diz-me lá minha menina
                  Qual será a mais bonita        
                  Que se há-de recolher?

Lá estavam as costumazes  comadres da galhofa: a Xerobia ,a Ana Gaiteira- danadinha prá brincadeira maldosa -, a Prazeres «Anunciada»,e a Pardala «Biqueira».Mulheres a quem a vida dura não conseguia retirar uma certa jovialidade, por mais atormentadas que fossem as agruras. As mais recatadas e menos faladeiras  abusacavam-se nos bancos a bombordo e estibordo ,para junto do cagarete onde o arrais  Toino dirigia a manobra.A Anunciação ,era sabido tinha lugar bem junto ao ao varão da escota aquando da manobra da atracção ,sempre de cortar a respiração ,o Labareda enquanto calava a porta do leme a estibordo, dava a escota á Maria que habituada aquelas lides bem sabia o momento exacto para pôr a vela a panear ,facilitando o encontro aos moirões.




O rapazio, filharada daquelas mazio ,filharada daqueoiras de trabalho, que ainda traziam um ao colo e já outro se assentara no interior da barriga, dispersava-se pela barca. Uns empoleirando-se no bico da proa atracados aos   golfiões [1] .Outros faziam companhia ao ZéZé, um pobre e manso rapagão, vogando de lugar em lugar em passo marcial, sempre agarrado ao seu pífaro de cana verde: um entalhe feito logo abaixo da norsa, no lenho, deixando um membrana fina que produzia  uma sonoridade fonha.  O ZéZé, um pobre diabo incapaz de fazer mal a uma mosca, era induzido pelo rapazio a  abeirar-se das moças a  pedir: -éh! chopa mostra-ma a tua coisa.
As mais ozeiras [2]resolviam dar trela ao pobre homem. E não se desmanchando, respondiam na galhofa: -amostro pois atão, amigo! ; mais vale mostrá-la a ti que não importunas nem ofendes, c’ó Padre Engrácio que é atrevido e mexeriqueiro. Aqueles fraldocos[3] que ta mandaram, que peçam às tísicas das  irmãs  escolhambradas[4], para tas mostrarem. Haviam de ser bonitas de se ver.
 Quando alguma se ofendia e arrenegava como o pobre, logo a voz de trovão do Labareda se fazia ouvir:
-Veja lá a ofensa ó «Ti Essa[5]»; havia de se ver a sua sarda [6]que deve ter mais pregas que o manto que o Sr. Jesus leva na procissão.


[1] Peças no castelo que servem para calar o ferro de fundeio.
[2] Ousadas.
[3]  Tipos sem importância.
[4]  Descomposta, com mau aspecto.
[5] Uma qualquer.
[6] Peixe mole, peganhento, de bigodes.


Passantes habituais o amolador,  o « Ti Chinquilho»,homem dos cem ofícios ,exímio gateiro de malgas e alguidares, prático colocador de varetas nos guardas chuvas e amolador de instrumental de cortar. Certo que a Pardala dava um caquinho[22] para se meter com o pobre homem que sossegadamente se sentava no traste junto ao mastro em faladura com outros passantes.
 - É «ti Chinquilho» há-de passar lá por casa que o meu Xico diz que o meu alguidar já tem a «racha» muito  aberta de tanto pucelo [23].Precisa de uns gatos ,que eu não quero botar chana ,desafiava a língua da Pardala.
- Pois que vou..catão[24] ?!mas é melhor levar um sevela [25]não vá de teres por lá algum ilhose [26]da cônchara[27]  entupido.
Risota geral e já o «ti Cantante» puxava da concertina e a preceito tocava uma de roda.

                               Indo eu ,eu ,eu
                               A caminho de Viseu
                               Encontrei um novo amor
                               Ai Jesus que pra lá vou eu…

Logo o grupo soltava o chinelo e, pé descalço nos paneiros, rodopiava em desafio.
 -Eh! gente…tomai freio, que ainda me botais a borda debaixo d’auga  suas colamantroas[28] ..Artas[29] com elas que me esfanicam o barco. Berregas [30]malinas ,gritava o Labareda.

A  Berta «Pimpoa» -a alcunha viera-lhe  do seu jeito de andar sempre exuberante e garridamente atafada[31] , viúva  do José Cachino que deus  tem!- mulher escofenada[32] ,de carnes rijas,  bem mantida – no alimento que  aconchega os interiores  esfomeados , mas e também , dizia-se entre xailes!, no alimento  espiritual que o Padre Malaco lhe prodigalizava em visitas a horas incomuns -, levava   sempre consigo ,debaixo do encerado ,na canastra, uma saquinha  onde metia uma traganeira[33] de broa de milho ,saída do forno da Ti Josefa Rendida, e ainda, embrulhados em papel pardo amarelecido pelo molhanca [34] gordurosa deles saídos ,dois coiratos bem avinhados  por via da vinha d’alhos[35] em que eram conservados no pote de barro. Não faltava uma garrafita que outrora fora do fino[36] , aberta pelo Supero, e que agora continha uma pomada tinta de que comprara um quartilho lá na loja do «ti Traquete», afamado taberneiro com altar montado [37] lá no Urjal, que tinha fama de vender vinho  extreme, sem baptismo d’auga da fonte dos amores ( a melhor , mais límpida e a mais frescal [38] água para tal sacramento baptismal).
De navalha de astripar [39]e escorchar[40] a sardinha, em punho ,a «Berta» cortava a broa para onde encaminhava  o coirato[41] que lhe ia servir de conduto para o resto do dia. Logo que aberta a garrafita para pingolar[42] o conteúdo,  era sabido que a Berta só abria excepção para o Labareda que,  cuspindo e limpando a boca às costas  da mão, trilhava entre lábios a dita e deixava que «o sangue de Cristo[43]» lhe escorresse gorgomilos abaixo.
Quem se amofinava toda com esta deferência era a Anunciação  que entre dentes murmurava: raio da viúva gaiteira, parece que o padreca não lhe arrefece os calores.


A embarcação atravessara já o Canal do Desertas e orçava ganhando o vento para não se deixar descair.
Era tempo de Josefa «Caixina» inquisilar [44]com o  «Quim Trolaró» que no carroço levava umas mercancias para venda ,porta a porta. Chambres, camisotes, ceroulas, cuecas de perna e barguilha[45] abotoada, linhas e derivados, enfim uma loja ambulante.
-Èh ti Jaquim,  vossemeçê[46] não leva aí uma camisinhas, daquelas sem mangas nem abotoadura, de enfiar pela cabeça ao zamparilho[47]? A Zefa «Lavada» está mesmo a precisar, que logo entra a barra o seu home, o Toino «Espiga», e é certo que rapaz vai querer botar a jaja  [48]no sitio.Vai ser uma laburdia [49],que o Toino parece um simprinhas[50] mas é um marjavante[51] afiançado e deve trazer o chamiço[52] em brasa.
-Cal’ te mulher. Delambida [53]invejosa. Eu e o meu Toino cá nos arranjamos ó natural  ,desmantados.[54]O que tu querias sei eu bem ,astipôr. Num me injerizes chopa,que desinquietada já estou eu.
-Pois pudera. O festim vai ser d’arromba[55].

A mota estava ali a dois passos. A manobra era sempre de arrepiar. A dois comprimento, uma ligeira arribadela para ganhar velocidade, e logo todo o leme a barlavento, em orça de aterragem. A Maria larga escota, o pano bate, trava a embarcação e a força da corrente, faz o resto atirando-o mansamente para o pousio.
É a debandada. Ainda os cabos de amarração não estão passados e já bando  granizeo salta lesto para a mota. Posta a canastra á cabeça, ala que se faz tarde. O peixe prateado espalha-se já pelo areal: é preciso conluiar-se com os mercantis para que o quinhão fique a preço menos contribado.[56]   



[1]  Amaldiçoado
[2] Tolhida
[3]  Fazer em bocadinhos
[4] Tudo
[5] Extravagância
[6] Atrapalhava
[7] Maleita
[8] Pedaço de broa
[9] Vazio
[10] Paragens
[11] Temporal
[12] Coragem
[13]  Tifosas
[14] Acarretava
[15] Passagem para a outra banda ; carreira da barca
[16] O sopro do búzio era o sinal de chamada para a largada da barca
[17] Até
[18] Escarampanteado
[19] Teso, valente
[20] Atreveria
[21] Vide  19)
[22] Fazia tudo para…
[23] Furo aberto com um bico agudo
[24] Porque não.
[25] Instrumento afiado com que se abrem furos na madeira ,couro ou até no barro.
[26] Peças de latão que se colocavam nos sacos por onde passavam os atilhos.
[27] Concha.
[28] Desleixadas.
[29] Raios.
[30] Que fazem muito barulho.
[31] Vestida; bem arreada.
[32] Limpaça.
[33] Pedaço de broa de milho.
[34] Molho gorduroso avinhado.
[35] Processo de conservação da carne consistindo em regá-la com vinho ,e apondo-lhe muito alho.
[36] Vinho doce ( do Porto)
[37] Balcão onde se bebiam os copos de três.
[38] Fresquinha.
[39] Tirar a tripa ao peixe.
[40] Cortar a cabeça e esventrar o peixe, para o salgar em tinas.
[41] Pedaços da pele do porco com alguma entremeada agarrada.
[42] Bebericar.
[43] O vinho de missa.
[44] Intrometer-se;desinquietar.
[45] Abertura nas cuecas para verter águas.
[46] Vossa mercê.
[47] Coisa desajeitada.
[48] Peça tronco cónica que se coloca no fundo da embarcação tapando o bocal de escioamento.
[49] Enfartadela.
[50] Simplório,incapaz de fazer mal.
[51] Maroto.
[52] Tição.
[53] Presumida.
[54] Com a camisa retirada.
[55] Assinalável.
[56] Proibido.

SF  5.10.2010

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