domingo, junho 25, 2023

 Naquele tempo....



Uma notícia,  inserida com destaque, em “O Público”, dava conta da Marinha Portuguesa ter resgatado uma embarcação  em mar alto, embarcação de pesca que teria avaria irremediável no motor.

Lembrei-me do meu tempo em que, no NRP  “ Dourada” patrulhávamos a costa Norte(Figueira a Caminha).Rara era a semana em que não tivéssemos de resgatar uma embarcação (principalmente motoras) e ou, um ou outro tripulante gravemente doente que, era necessário transportar rapidamente,para  terra. Houve situações de resgate muito....muito delicadas.

Uma delas abeirou-se da tragédia quando, dado o estado do mar, de vaga, houve   necessidade de arriar a baleeira, e tentar fazer o transbordo, para  retirar um pescador de um arrastão costeiro  acometido por dor aguda.  Foi dramático. Na primeira tentativa de acostar a baleira ao arrastão , o  “cabo” que me acompanhava - íamos seis tripulantes – ao saltar , caiu à água, entre a baleeira e o navio. Temi a sua perda . Mal lhe estendi a mão, vi (espantado)que ele saltava como tainha para dentro da baleeira (sem eu fazer esforço nenhum, tal a ânsia de se safar).

(.....)

O resgate devido a avaria das motoras era habitual. Tempos muitos difíceis daquela gente que, ainda por cima, via as avarias, frequentemente, a bater-lhes à  porta, dada a escassa ou nenhuma manutenção .Aquilo importunava-me. E numa das situações em que vi estampado o desespero da falta de meios(materiais) para obter a reparação necessária, lembrei-me de convidar um sargento e um “maquinista fogueiro”,da “Dourada”  para irmos, depois da hora, à motora, a darmos um jeito àquela gente .Foi uma festa. Motor reparado ,umas cervejas e aquela gente estava pronta a sair para a faina. Só que a cena tornou-se habitual. E lá fomos acudindo ( com mestria do “meu pessoal” ) dando solução(e ás vezes até, a arranjar ni paiol , um pedaço de tubo de cobre, um rolamento, etc)....E   com isso criámos um ambiente que ,na altura foi muito falado naquele mundo da pesca artesanal.

De tal modo que a Capitania nomeou-me para a Inspector dessas motoras. Foi uma altura de emigração(fuga) para França. A  maior parte não chegava ao destino. 

Ora num dos casos tive de reprovar três vezes a motora em  inspecção. Que eu sabia se preparava para dar o salto.. A embarcação nunca chegaria ao destino se não fossem resolvidos determinados pormenores. As coisas estavam feias. Tensas. A tripulação demonstrava forte ansiedade .E às tantas  foi-me perguntado:

-Porquê ?.... eu que até era um gajo porreiro, desta vez estava a sacaneá-los?

-É que eu quero que vocês cheguem ao destino a salvo, pelos vossos meios. 

À quarta inspecção (e ajuda),finalmente, partiram. Passados dias eis que me aparecem três mulheres ao portaló a pedir para falar comigo. Recebi-as, claro.

-Vimos para lhe dar recado que o meu José chegou a França. E manda-lhe um abraço....(e é que me abraçou mesmo....)

Creio que elas não deram que os meus olhos me traíram. E de que maneira.


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E já agora : mais uma história desse tempo:

Chegado segunda feira a bordo, tenho  um dos sargentos(O mestre) a participar-me que o marinheiro fogueiro A. tinha sido encontrado no fim de semana (onde só ficava o pessoal de serviço) em acto amoroso com a namorada, no estrado da casa da máquina.

Ora uma daquelas é que eu não sabia como resolver....

(o A.  era um dos sempre prontos a ir fazer uma reparação a uma motora em dificuldade). Ainda mais esta....

Mandei-o chamar. Bateu galhardamente continência. Eu talvez tenha respondido sem o olhar frontalmente...

E perguntei, voz dura (?):

-Então o que se passou? Não tinhas outro lugar...para...

-Saiba que não meu tenente...ou melhor:.... poderia ter...mas não tão limpo. O meu tenente sempre nos exigiu que queria aquela casa das máquinas o sítio mais limpo deste navio. O estrado está mais limpo que o mar....A minha R...até disse:  assim sim.....nem a saia emboito....vamos casar para o mês que vem ,e o meu Tenente está desde já convidado.

Fiquei sem argumentos. Não sabia se me devia rir..... se chorar de vaidade...

Chamei o Sargento. E atirei-lhe :

-  Mestre:  o rapaz ,afinal, estava só a mostrar o injector (da máquina) à namorada (que nunca tinha entrado num navio).Logo vamos beber os três umas cervejas para ele se explicar melhor....Eu trato disto com o Comandante ,esteja descansado.

(....)

Este caso trouxe-me à lembrança quando, embarcado na  fragata “Corte Real”, fomos aos Açores e Madeira. À noite havia uma recepção a bordo, ao Consulado Inglês. Os oficiais da “ Corte Real” era um tal carrear de inglesas para lhes “mostrar” a sala de operações (às escuras, luz avermelhada mortiça, com os fogachos de radares, sonares , etc etc.).

Às tantas pedi ao sargento:

- Sargento. F.:  abra aqui a porta para eu mostrar a sala....





Nem foi preciso acabar:

- É p’ra já ---- olhe! ... o tenente V.  já me pediu a chaves seis vezes.....


Senos da Fonseca


quarta-feira, junho 14, 2023

 A HISTÓRIA EXTRAORDINÁRIA DE UM "PIEDOSA" MULHER !

(A dona do bordel dos ministros de Salazar, que deixou a fortuna à Misericórdia. A incrível história da madame Calado, proprietária da casa de prostituição mais exclusiva de Lisboa.

E o testamento escrito por José Hermano Saraiva.

16 Dezembro 2016 • Pedro Jorge Castro)

"Esta senhora, Maria da Piedade Calado, caiu na prostituição por força das circunstâncias. Mas se não soube viver, soube morrer", diz Joaquim Nunes das Neves, antigo funcionário da Santa Casa da Misericórdia do Fundão, que guardou uma cópia do testamento da madame Calado, a dona da casa de passe mais exclusiva de Lisboa nos anos 50 e princípio de 60, frequentada por ministros e directores-gerais.

Nasceu às 3 da manhã de 25 de Novembro de 1894 na freguesia de Boidobra (Fundão), filha de um jornaleiro e de uma doméstica, e foi baptizada na véspera de Natal, tendo adoptado os nomes da madrinha, Piedade Calado, que não assinou o assento de baptismo por não saber escrever.

Fez depois fortuna como meretriz em Lisboa, até a prostituição ser ilegalizada por Salazar em 1963. A partir do dinheiro que acumulava com os negócios do sexo na sua "Pensão" Calado, num primeiro andar da Calçada do Carmo, 25, frente à estação do Rossio, acumulou capital suficiente, por exemplo, para emprestar 550 contos a um comerciante em 1943 (o equivalente a 272 mil euros a preços de hoje). Ele passou-lhe um cheque sem cobertura e ela pôs-lhe um processo, consultado pela revista SÁBADO na Torre do Tombo.

Analfabeta, mas rica.

Mais impressionante ainda, em 1948 era proprietária da Quinta das Águas Livres, que vendeu por 1.800 contos (757 mil euros a preços actuais) a Manuel Santos Sobrinho. O caso deu origem a um novo processo, desta vez porque ela recusou pagar a comissão de 54 contos ao mediador que tratou da venda. Este pôs-lhe um processo a exigir a comissão, onde referia que Maria da Piedade Calado não sabia ler nem escrever, só assinar o nome. Apesar de analfabeta, tinha ainda um prédio na Calçada do Poço dos Mouros, na Penha de França, que arrendava a inquilinos – encarregava um procurador de cobrar as rendas por ela. E vivia num apartamento na Rua Castilho.

A 29 de Abril de 1951, quando tinha 55 anos, casou-se no Santuário de Fátima, com Fernando Filipe Pereira da Silva, do Seixal. Já não tiveram filhos. E separaram-se pouco depois.

No Fundão, Maria da Piedade Calado era proprietária da Casa do Bico, um palacete com um torreão, um elevador interior para a alimentação, um jardim de inverno no quarto e uma casa de banho toda em louça preta. "Tinha um gosto extraordinário e era de um arrojo tremendo, naquela época", recorda Carlos Couto, que viria a alugar o edifício para gerir a Estalagem da Neve. "Tinha um chauffer, que a conduzia num carro preto muito grande, enquanto ela acenava às pessoas. Na altura havia dez ou 15 carros no Fundão, mas o dela era o mais espampanante".

Massagens a meio da noite

Um jardineiro contratado pela Madame Calado no Fundão despediu-se ao fim de um mês. "É maluca. Acorda-me a meio da noite, pede-me massagens e anda nua pela casa", desabafou na altura a outros patrões da terra, conta uma ex-professora da Misericórdia. Outra residente no Fundão descreve-a como uma mulher "alta, loura, forte, de pele branca e rosadinha e que andava sempre bem apresentada, extravagante até".

Em redor da moradia principal, a madame Calado mandou fazer vários pequenos apartamentos que seriam alegadamente usados pelas prostitutas que trabalhavam para ela. Fernando Nogueira Gonçalves, autor do livro Ilustres e desconhecidos, meio século de memórias do Fundão, dedicou-lhe estas rimas: "A madame Calado, // que a Estalagem construiu // foi uma casa de meninas // algumas esbeltas e divinas // e onde muito rico se divertiu".

Mas ao mesmo tempo que explorava as raparigas, ia praticar caridade a 12 km do Fundão, na Boidobra, a terra onde nasceu e onde era proprietária da Quinta Branca. Um familiar afastado contou à SÁBADO: "Chamavam-lhe a rainha das putas, mas foi uma boa senhora para a malta. Tinha uma cozinha, onde mandava fazer sopa, e toda a gente, trabalhadores e crianças pobres da Boidobra, ia ali almoçar de graça".

Na adega desta sua quinta, mandou construir um cofre, enterrado na terra, e que foi descoberto depois da sua morte: estava cheio de jóias.

Viciada em jogo, generosa na missa !

Tinha o vício do jogo – organizava jogos a dinheiro em casa – mas era generosa na missa: "No ofertório notava-se logo, dava uma nota", recorda outra familiar. A conversão total de Maria da Piedade Calado sobressaiu quando fez o testamento. "A dada altura no fim da vida arrependeu-se. Pensou que ia morrer e teve medo de ir para o Inferno. Já tinha feito mal a tantas raparigas levadas para a prostituição, passou a querer livrá-las da prostituição", conta uma ex-professora do Fundão.

Morreu às oito da noite de 9 de Junho de 1964, com um enfarte de miocárdio, no Hospital da Misericórdia do Fundão. Tinha 69 anos. No campo destinado à profissão no assento de óbito, a que a SÁBADO teve acesso, foi identificada como "doméstica".

"Peço perdão por todos os meus pecados"

Dias depois, foi aberto o testamento, escrito por José Hermano Saraiva, advogado com ligações ao Fundão e que viria a ser ministro da Educação com Salazar, embaixador no Brasil com Marcello Caetano, e apresentador de programas de História na RTP depois da revolução.

É um texto dactilografado em sete folhas, extraordinário pelo arrependimento e pelo destino dado à fortuna. Arranca assim: "Sou católica e na hora da minha morte o meu pensamento eleva-se para Deus, a quem peço perdão por todos os meus pecados. Àqueles que ofendi e também a todos aqueles a quem fiz mal ou deixei de fazer bem, peço que perdoem todas as minhas faltas (…) Desejo que todos os meus bens possam contribuir para minorar a pobreza e a dureza da vida das crianças pobres da minha região".

E assim destinou a Casa do Bico à Misericórdia do Fundão, para aí instalar a Casa-mãe de Nossa Senhora da Piedade, um lar para 20 raparigas, com idades entre os dez e os 20 anos, escolhidas entre as crianças mais pobres com maior vocação para o estudo – que assim poderiam evitar cair nas malhas da prostituição.

"Desejo que a casa-mãe não se transforme num asilo. Mas num verdadeiro lar, onde as raparigas possam encontrar o carinho, o respeito e a alegria a que todas as crianças têm direito, mas que infelizmente tantas nunca chegam a conhecer. Por isso não se usará farda, sendo ministrado ensino de costura de forma a que as alunas possam confeccionar o seu próprio vestuário segundo o seu gosto." A casa-mãe ofereceria ainda o vestido de noiva às educandas, uma por ano. Deixou à instituição mais 1.200 contos (416 mil euros a preços actuais) resultantes da venda do prédio em Lisboa, na Calçada do Poço dos Mouros.

Testamento por cumprir

Havia um prazo de dois anos para a casa começar a funcionar, após o que o legado ficaria sem efeito. Nunca chegou a ser instalada, sob o pretexto de que já havia outras instituições para acolher raparigas nos arredores. O bispo da Guarda ainda terá chamado a atenção para o facto de o testamento não estar a ser cumprido. Mas o testamenteiro, José Hermano Saraiva, terá dado o seu acordo para que a herança fosse usada pela Misericórdia do Fundão para outros fins.

Contudo, o testamento da Madame Calado não terminava ali. Deu instruções para que fossem entregues "uma esmola de cem escudos em dinheiro [34 euros] e um cobertor bem quente a todos os pobres da freguesia da Boidobra", escolhidos pelo padre da freguesia. Este receberia ainda 20 contos , para rezar dois trintanários gregorianos de santas missas pela alma da madame Calado, mais uma missa perpétua no aniversário da sua morte e ainda para lançar sobre a sua campa, em cada dia de finados, flores brancas. 250 contos (86.750 euros a preços actuais) seriam para a Igreja da sua terra, a Boidobra. E outros 250 contos seriam entregues ao Ministério da Educação, para construir uma cantina escolar na aldeia.

Por fim, nomeava testamenteiros José Hermano Saraiva, o padre Alfredo Ferraz, do Fundão, e António Paulouro, director do Jornal do Fundão: "Confio em que todos os três, que toda a sua vida têm amado os humildes e os infelizes, me ajudem depois da minha morte a realizar esta obra, que em vida não pude realizar".

Joaquim Nunes das Neves, o ex-funcionário da Misericórdia que guardou este testamento e o facultou à SÁBADO, despediu-se assim no fim da conversa: "Se no seu texto puder dar a entender que ela foi mais do que uma puta, já valeu a pena." Foi. E valeu.




  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...