quinta-feira, junho 30, 2011

(cont)



Começa o «ala arriba» da rede. Que demora um par de horas: - duas a quatro, conforme a distância a que se largou a rede. As várias juntas de bois fortemente aguilhoadas, impiedosamente batidas nos lombos com as varas de tocar, são, pela laçada do chicote



































 «atadas» aos cabos do reçoeiro e da mão da barca.Que inicialmente separados por umas boas centenas metros, pouco a pouco, se vão «achegando», até que à vista dos primeiros «pipos» - as calimas -
                                      


                                 As calimas ou pipos

                                       


                                                               Ajeitando as mangas

(que indicam a posição das mangas da rede), não distam mais do que uns cinquenta metros, entre si. Os animais - uma boa dúzia de juntas -, libertos no cimo da duna são largados em louca correria, em tumultuosa balbúrdia, passando possantes por entre paisanos e «olheiros» que, de repente, se dão conta de estarem na linha de corrida de uma parelha.É tempo de correr para escapar, lestos, aos «cornigeros» animais. Os tocadores incitam-nos em gritaria alarve, fustigando-lhes os costados dum modo violento. «foge... foge... arreda!...», é o grito que se vai ouvindo no meio daquela confusão extrema.

Esforço supremo!..Ó!..Ó!.., arriba …riba …riba …vá .. vááá!. grita o Arrais já rouco de tanto rojar…Eh!.. raios... diabos!... puxa... puxa, vá riba !

E os bois e homens, buscando as últimas migalhas de forças conseguem tirar a sacada do mar que “re de enorme baleia agitadalá aparece, qual vent por convulsivo tremor

Eis que o saco (a coada) sobe na areia; todos vão por detrás dele, pés na água da arrebentação, dar-lhe uma espreitadela para avaliar da dimensão da sacada.

     


















   A coada arriba à praia






Raramente o pescador se satisfaz, pois que espera - sempre !... - melhor sorte.

É apenas um momento de ansiedade, tempo para um simples esgar e para rogar a praga do seu desencanto, porque logo esquece a estiporada sorte para de novo se envolver na árdua tarefa de levar a rede acima. O Arrais vem sobre o saco, soberano, calcando a pesca até ao «local» onde grita: - alto!; e aí, de navalhão em punho, corta-lhe «o porfírio» esventrando o «ajuntadouro da rede», deixando ver uma miríade de reflexos, provocados pelo sol a bater no peixe que saltita num derradeiro esforço para se libertar da prisão.

Num primeiro acto, homens e mulheres mergulham as nassas (os xalavares) na sacada, atirando «o peixe» para montes onde são separados por tipo, e depois, metido em cabazes de vime, para de seguida, ser apregoado.

 Enchendo os «nassos»

Mulherio, curiosos, pescadores e «mercantéis», por razões diferentes, começam a «cobiçar» os quinhões, que logo ali são leiloados à voz do pregoeiro - do quem dá mais (?!) - sob o olhar atento do apontador do livro que regista as vendas. Estes pregoeiros tinham com os «mercantéis» códigos estudados, sinais de licitação: - o piscar de olhos, o coçar a cabeça, o tirar do boné etc. - inacessíveis aos curiosos que só participam na licitação do «restolho».











Guarda Fiscal apontando....ao lado o «sinal»














 O peixe nos xalabares ,alinhado para a  venda





O peixe é então transportado em cabazes, nos «enxalavares» , carros de bois de duas rodas, muito largas, permitindo-lhes com mais facilidade se deslocarem na areia, conduzindo o peixe para os barcos dos «mercantéis» ou para os armazéns de salga, na beira-ria; ou para ser carregado por almocreves que o irão levar, no mesmo dia, e nessa noite, percorrendo afadigados por entre vales e serras, os caminhos da Beira interior



 O burrico o rapaz e o almocreve

 

para o entregar, ainda fresco, «amanhã» para a venda. Outra parte do lanço segue para os «gigos» (cabazes) do peixeiro



O peixeiro de Ílhavo

«ombreados» numa vara de cerca de dois metros que leva, enfiados nas suas pontas o par dos ditos «gigos», em que se carregam cerca de 50 kg de sardinha para ser vendida no mercado da Vila, ou de Aveiro.

As «pescadeiras», depois de darem uma mão na «safa» do peixe, esperam pelo  pela



 A Peixeira da Costa-Nova

repartição do lotes .É tempo de encher as suas canastras, «atapetadas» por um oleado que evita o escorredoiro, e lá partem estugando o passo numa correria para apanhar a barca da passagem que as levará ao outro lado, à Maluca, de onde partirão ajoujadas ao peso do carrego. Que bem equilibrado sobre a rodilha ou sobre o chapéu de «penache», não necessita sequer de mão para o ajeitar ou segurar. Graciosas, descalças, mãos na cintura, seguem lestas em passo leve mas corrido, até que as primeiras casitas da vila aparecem lá ao longe; é então que da garganta fina, esbelta, orlada de belos cordões e libras d’oiro - seu único derriço! - sai o grito em voz sonora, clara e apelativa, no pregão: “Olha a sardinha da nossa costa! Freguesa!… venha «cumprar q’é do noisso mar”….


E assim vão calcorreando todas as ruas das redondezas até de noite, tempo de chegar a casa mortas de fadiga, mas ainda, com tempo, arte, e folguedo q.b., para fazer um «trauto» com «seu Arrais» no folhelho aconchegado onde se fez mulher… vai para um par de

Invernos»…, (…“que mulher «d’íbalho» não casa de verão!... não há tempo… nem homes em terra, para tal….”)

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Era assim no meu tempo de rapaz.
Lembro-me desse tempo.De muita e boa gente desta terra.De vez em quando repuxo-os à memória e brinco com eles.
Deambulava então pelo Curtido a fazer barquinhos de casqueira com o Ti Antoninho Ronca,saltava á Manguinha para chatear o bondoso Ti Cunha, e enfronhava-me nos Sete Carris à procura de uns olhos lindos.Havia tantos c'um homme (quase) nem sabia para onde cair.Ou caía em todos .
E às vezes dava de caras com o pai de uma,barrete negro encafuado na cabeça até ás orelhas,borla caida,com olhar de poucos amigos.Parava o atrevimento.
E eu olhava-lhe para o peito troncudo,cachimbo de pederneira abocado ao lado, e via o camisolete de flanela grosso,espicaçado de cores fortes,e sonhava ter um igual. Eu queria-lhe a filha ...e o camisote.Mas o olhar refreava-me os intentos.
Essa é a galeria de Homens e Mulheres que já não há.
Nesses tempos ,meus amigos,todo o Portugal deveria olhar para Ílhavo de calcanhares unidos e de chapéu reverencialmente tirado.Hoje andam para aí uns sanapaios engordados no aquacultura.
Os outros de antigamente era  gente nauda e criada aqui,nestes becos ,veias singulares onde pulsava vida e morte,capaz de dar cara para uma nova História Trágico Maritima.
Por isso me lembrei de lhes fazer justiça.
AH! arraias Parracho;ah! arrais Ançã,ah arrais Cajeira;ah arrais Batata;Piorro,Agualusa e Bicarada ;ah Càloa mulher «d'um carago»,relíquias de uma história que hoje se esconde,venham de novo contá-la.
E vós mulheres em cujos olhos ardentes  tantas vezes me enliei rondando a soleira das suas  portas- menos do que agora queria!-,meneiem esse esbelto perfil,afogueiem esses carnudos lábios,mostrem como o vosso ondular imitava o ondular do mar,e como o vosso corpo acolhia o Vosso arrais,como o mar acolhia a quilha do seu barco em momento de estrambolho desejado.

Senos da Fonseca(Junho 2011)

Nota: A grande maioria de fotos foi levada a cabo por Rui Bela.)















 
















                                                



                                                  









                                        





































                                     




















quarta-feira, junho 29, 2011




À laia de explicação

Com este revisita à Xávega quis, no fundamental, perceber-ou melhor,dar-me conta - do que tinha mudado nestas ultimas cinco /seis décadas.De uma atiividade febril,juntando homens e animais na borda, cena que deslumbrou  Unamuno,que a classificou  como «a ruralização do areal»,já nada resta. Das  que Raúl Brandão  descreveu,magistralmente, verdadeiras telas impressionista encharcadas de cores vivas e quentes ,em que  o  homem liberto das  brumas é apreciado e glorificado,, em  pontilhados andantes, breves, fortes e fugases,já só resta a natureza. As plavras de RB faziam emergir  desses homens  a luz  cujas côres( as palavras) retratavam as emoções.Agora ( já) só pressentimos fantasmas geometrizados, envolvidos em côres desfocadas, plasmados  numa paisagem quase desértica na qual se esvaiem gentes e animais, de antigamente. Quase tudo mudou .Concluo eu, triste e (ou) nostálgico. Já só resta o alteroso e desafiador, meia-lua : do qual  delírios mais febris   evocam  dever ter sido «a nave em que os aqueus arribaram a Tróia.As naves homéricas».


Ora, ora: nado e criado aqui na beirada, queiram vossências acreditar,eu o juro 
Julgo que a melhor maneira, depois de descrito canhestramente o que hoje vivi,nada  melhor que aqui deixar a recordação das Artes  Grandes (a Xávega de antigamente),e deixar ao leitor paciente o tirar conclusões .O exercício que Vos proponho e para o qual quero contar com a vossa boa vontade ,foi feito,já lá vão anos -muitos!- para uma  finalidade concreta.Coloco em confronto os dois clichès.

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O Lanço na Xávega em outros tempos(Iª Parte)


Era um espectáculo que atraía multidões, postadas ou alapadas no areal a ver os preparativos, a observar curiosas, as decisões tomadas pelos Arrais a olhar o mar, a tentar decifrar os seus arremessos e enleios. E que depois, atónitas e espavoridas, e até incrédulas, a observar os empinanços do meia-lua a romper a vaga por entre um coro de gritos e imprecações, vozearias e esgares das mulheres especadas, hirtas, erguendo braços e face ao protector, a clamar piedade ao Divino, até o mar deixar de zangalhar o barquito que lá ia, longe, deitar as redes, à sorte.

 
       
                                              «O Barco de Xávega»


Era deslumbrante no seu todo, o lanço da Xávega. Começava com intenso movimento, uma espantável e louca azáfama enrolada no turbilhão dos gritos e imprecações das gentes. E continuada com o portentoso clímax da entrada no mar, do meia-lua. Viviam-se momentos de ânsia partilhada, aquando do «estripar» do saco permitindo ver o inebriante espectáculo do peixe em «faiscante» estertor; e tinha momento de ingénua gratificação para os mais novitos, na «recompensa» de poderem encher o «baldito de lata da praia», com um ou outro lacrau subtraído à rede. Para os graúdos ficava a abundância do pilado fêmea com que enchiam os nassos para, à noite, se empanturrarem com o saboroso pitéu.

 Mas tentemos a descrição do «Lanço na Xávega».Ainda  sabendo ficarmos longe de o retratar com rigor, por carência de fôlego e arte, para dele dar a grandeza impressiva do estendal das emoções que perpassam ao longo do seu desenrolar.
                                    
 
 O arrais

 
À ordem do arrais, embarcadas as últimas voltas das «calas»
                          

trazidas em rolos nos varapaus pelos moços da Companha, desfilava a rede em «estranha procissão», carreada aos ombros por toda a tripulação.

     

                                          




                           procissão


             



           Embarque da tralha   
                           

Entra primeiro «a manga», depois «o saco» e, finalmente, segue-se «a manga» de retorno.A «tralha» :-assim se diz na gíria da beira mar. É chegada a hora do meia-lua, com todo o aparelho a bordo se fazer à pancada do mar.
 Para o levar á borda  é puxado pelos bois para a sua beirada,

 
                                             Bois e homens na água


deslizando sobre tarolos que vão sendo sucessivamente apostos na sua proa. Chegado mais perto da rebentação, os homens de terra metem-se pelo mar até aos joelhos, e colocam a embarcação já muito perto do farfalho da maré. O Arrais - que não tira o olhar do mar esquadrinhando todo o seu movimento -, espera pelo período das «três vagas sucessivas», a que se seguirá um espraiado. Passada a última vaga, ouve-se o grito: é agora… é agora!…


     

          Homens e animais entrando no mar

A Companha, em terra, dá então o último empurrão com a «muleta» (vara com aguilhão) que enfia na bica da ré (no descanso da muleta).Ou à mão, utilizando as bossas da embarcação ligadas as «armelas» - num esforço hercúleo para desenvencilhar o meia-lua da areia, e, desse modo, o colocar a flutuar. Com o cabo da fateixa enfiado nos «golfiões», evita-se a «atravessadela» fatal.
 Eis que a primeira vaga vem beijar a embarcação enquanto se grita num esgar de vozes roufenhas: agora… agora !!!

… e  o meia-lua lá vai, mar adentro …

     

         ....e lá vai mar adentro

até se sentir que o barco já abóia. Os remos entram então na água tentando em luta desesperada chegar o mais rápido possível à segunda vaga. O Arrais, que não larga o «reçoeiro» já que este lhe serve de controlo para o correcto posicionamento do barco, de frente para a vaga (evitando assim a «atrevessadela» que seria fatal) ordena, invectivando: - temos maré… força… força… seus calões… desse jeito «aguilhoando» o amor-próprio dos remadores e «camboeiros». Por vezes o barco parte lesto demais; é preciso travá-lo; cia… cia, ordena o Arrais, para que desse modo, «borregando», se espere pela vaga. «Trilha!… trilha», grita então, dando a ordem para fixar o remo, e assim se «amainar» o impulso.

             

E eis que a montanha de água se abate com fragor na proa recurvada, altiva e desafiadora (!) do meia-lua, que se «encabrita» até às alturas, num ângulo medonho que chega a superar, por vezes, os 50/60 graus, ficando apenas apoitado de popa.

         
                                                  meia-lua encabritado

 O farfalho da vaga despedaçada pelo encontrão com a proa que a rasga, faz a água galgar e cobrir a embarcação, «esparralhando-se» por sobre os homens que não param de remar, pés retesados nas «recoveiras», em derradeiro supetão para fugir da quebra do mar. O Arrais, de barrete em punho, grita: rema, rema… estamos safos.

E o meia-lua, lesto, atrevido, toma o rumo do poente, lá para o largo, deixando atrás de si o «reçoeiro» que ficará «preso», entregue aos camaradas de terra.

 

                                   
                                       Juntas em «intervalo» 
Passada a pancada do mar - o ponto crítico de toda a manobra – onde se não percebe se é mais de enaltecer os bravos, se espantar com o seu demente atrevimento; ou tão só respeitar e admirar a intolerância da natureza agreste. Vencida aquela, o barco navega então em águas calmas, avançando compassadamente, parecendo espairecer do esfalfe da luta tremenda, desarcada e hercúlea; e lá vai empurrado pela força dos remos até ao calamento, momento em que, findo o cambo do «reçoeiro», depois de largado o saco, é tempo de «abicar» à praia. Não sem que antes se responda ao Pai Nosso reclamado pelo Arrais, que, cabeça descoberta, em acto de fervorosa prece, roga a intercepção do «Altíssimo» para que lhes conceda uma «boa pescaria», no que é imitado por toda a Companha.

Posta (toda) a rede na água ao correr do mar, está na hora de arribar. O «calado`» (espécie de segundo do Arrais, e seu prometido sucessor) vai largando o «cabo de mão da barca» até se chegar à praia. A manobra de aproximação é muito delicada, exigindo toda a atenção e destreza do Arrais, olhos permanentemente postos nas vagas que lá vêm. Se o mar é de lama, o Arrais ordena o volteio.E a embarcação vem nessa posição - de popa - varar (achapar-se) à praia, ficando de novo voltada para o mar, pronta para nova sortida. Se o mar está de «vagalhoça», o Arrais não arrisca; ferra «a volta na bica da  ré» e, de pulso firme, vai folgando ou retesando o cabo, conduzindo habilmente a manobra, «guiando o meia-lua» até encontrar a «folga da vaga» que permita varar de queixos, entrando pela praia dentro. A tripulação, lesta, salta para a areia, esfusiante de alegria; as parelhas de bois com o chicote solto - o «trambelho» - «chegam-se» para permitir enlaçar as guias, e assim, «alar» a embarcação, puxando-a para cima sobre os rolos. Para que depois de volteado - aproado ao mar - «descanse» bem lá no cimo da duna. Onde a maré não tem «esfolfe» para lhe chegar.

                                     

                                                                            meia lua varando de queixos

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terça-feira, junho 28, 2011





O lanço na Xávega
2ª Parte
Pousado e aquietado o meia-lua que fica a dormir na sua cama de areia estreme, quente e asseada, emborcada uma cervejola, eis que todos se preparam para o alar da rede.

Sem movimentos nem correrias tudo é feito com método e precisão (a mais!). A correr devagarinho.

Dois tratores vão colocar-se voltados a Sul, distanciados um do outro, cerca de trezentos metros. Ambos na parte de trás (a ré como lhe chama o arrais) têm montado um engenhoso sistema de tambores accionados pelo veio motor, dispostos segundo um triangulo isósceles de modo a diminuir a tensão sobre os cabos de alar. Numa velocidade constante o «guincho» improvisado vai metendo cabo: o «reçoeiro» a norte e a «mão da barca», a sul, distanciados cerca de duzentos/trezentos metros. De imediato dois camaradas vão colhendo para um carroço (a cada cabo) o cabo alado, enrolando – o, preparando-o para nova emposta.

Não demora muito (30 minutos, talvez) a serem avistadas as bóias (que substituem os pipos- as «calimas» brochadas de branco alvo - de antigamente) que sinalizam os «càlões». Os veraneantes, que são muitos, aproximam-se, curiosos ,da beira do mar.

Entretanto o trator lá do norte, paulatinamente, vai-se aproximando do que ala a «mão da barca», de modo a ir fechando a «bocada». Surgem os «càlões» e logo a seguir o «claro» e o «regalo»,

   

 das mangas(«tralha»), cuja cor do encascamento» ,de um vermelho salmão a deslizar sobre a areia, oferece uma excelente imagem.

   

 Logo dois camaradas metem por baixo o «estacão» de modo a evitar que a rede sofra o desgaste na areia.Quando as mangas chegam ao tambor de alar, dada a volta, deslizam como que enroladas (um chouriço).

A «bocada» sai já do mar e monta o declive da praia. Quando o saco está já todo no areal (mas não tanto que não recebe beijos da água fresca das ondas que escachoam para manter vivinha a pescaria), o arrais monta-lhe em cima, plantado em pose de gladiador sobre a presa, postada a seus pés.

Surge – lhe na mão um navalhão bem afiada. Um desconhecedor da faina ao olhar para aquela figura, rapando da naifa de umas cinco polegadas, ficará a pensar que a presa se terá revoltado. Coitados dos peixitos cuja cabeça aflora por entre as malhas, bocas escancaradas, olhos a querem saltar-lhes do corpo aprisionado, aflitos, à procura de mar que lhes fugiu.

Desta vez o saco negro pouco bole. Advinha-se a escassez do que contém. Como dizia aquele celebre capitão quando via surgir assim uma tão escoada sacada: «Olha caga no lanço». Tantas vezes o repetiu que hoje carrega com a alcunha.



Pescadores e mirones rodeiam o saco como que a avaliar o seu conteúdo. Os veraneantes vindos a banhos, olham indiferentes; os pescadores, os actores de todo aquele quadro humano, esses, de cara magoada, espelham o desalento estampado na tez tisnada pelo
Confrange olhar aquele espectáculo, simultaneamente belo pela intensidade expressiva como medonho pela dor que o atravessa. Retenho-o, pensando para comigo que o medonho é uma face do belo. E que estes minutos ficarão para sempre gravados em mim. Amanhã eles estarão de novo com a mesma alegria, com o mesmo entusiasmo, com a mesma fé, prontos a partir de novo. A vida destas gentes é uma ode ao querer, à perseverança.

Mas seja com seja, o arrais de um supetão rompe a virgindade da coada, extirpando-lhe o «porfírio»,


                          

 deixando á mostra o ventre onde saltita, estrebuchante, o peixe de um prateado (e por vezes dourado) que se aviva ao reflectir a luz intensa do sol. Miríades faiscantes refulgem daquele amontoado de vida a pedir que a devolvam ao mar. O saltitar do peixe produz um barulhento rumor que pouco a pouco se esvai.
 
Aproxima-se já o trator trazendo a reboque um carroço, que faz a vez  de «enxalavar» de outrora,de rodas largas puxados por uma parelha de cornígeros animais, e onde se alinham cabazes de plástico, amarelos, que vieram substituir os «jigos» de outrora.
                            
 
 Um moço empunha o «xalavar» (uma das poucas ferramentas que ainda subsiste) e mergulha-o no peixe, trasfegando-o para os cabazes. Estes alinham-se e todos começam a efectuar a operação da escolha: sardinha (tão pouca!) para ali, biqueirão (substancial apanha) para outro, tainha de pinta amarela (negrão), vivinha, para aquele do canto. Mas o «pilado», aquele espécime de caranguejo de um rosa marfim, que no antigamente ia para «escasso» adubar as terras, e com que nós, miúdos, enchíamos o balde de praia, para depois os coser, agora é escolha de primeira. Arrecadado do primeiro ao último. Porque é escassa a quantidade que vai direitinha para iscar o anzol dos pescadores de assento, que o pagam principescamente.
                    


Feita a escolha a venda é feita logo, ali. É tão pouca a quantidade que o turista pega em tudo. Nem sequer a disputa do pregoeiro que cantarolava os números em decrescente, e atentava aos sinais dos mercantis, gritando «Chui!», agora merece a pena. O esfalfe. Guarda-fiscal, nem Vê-lo. Ao menos a pescaria tornou-se mais democrática.

Estranha e surpreendentemente, o biqueirão, é o espécime que desaparece num instante. A sardinha, este ano, ainda não pinga no pão. E da mulher só tem a pequenez. Falta-lhe ser gordinha. Pequena e com falta de gordura, não é, ainda, de todo em todo, aquele petisco que emprenhe um home.

Duas enormes medusas gelatinosas ficam na praia. Alguém tocado de alma, as virá devolver ao mar.

Olho para as contas. E arrepio-me. Num repente ponho-me a calcular. Concluo que o apuro pouco mais terá dado do que para pagar o combustível.

Então interrogo-me: porque é que aqueles arrais, que de inverno andam nas robaleiras da Costa-Nova, onde fazem belíssimas marés de milhares de euros de retorno, saltam para a beira do mar, engolfando-se com o meia lua, a dançar com ele na vagalhoça, num destemido e por vezes desatinado desafio ao mar, tendo por paga tão escasso aviamento ?!.A empobrecer alegremente?

 
(Cont)

domingo, junho 26, 2011


Um lanço na Xávega



No sentido de relembrar tempos antigos e saber como funciona a Xávega nos dias de hoje, aprazei com o arrais Zé um embarque, para dar um lanço, no mar da Vagueira, onde o que resta do que foi uma grande companha, vara ainda hoje, ali, o seu barco de Xávega.

    

Às cinco da manhã já lá estava, como me fora ordenado. Cedo demais. O arrais deu para brincar comigo. No areal apenas eu e o barco, no lusco fusco da madrugada, que prometia um dia de sol intenso. Atentando melhor dei com um espectáculo interessante e pouco vulgar por estas bandas. Um casalinho aproveitava a noite quente(!) deliciando-se com a frescura das ondas, no matar(ou atenuar) o fogo que neles ardia impetuosamente. Nus lavar  se deixam na água pura. E brincavam (se brincava!...) na cálida cecém da matina ,dispensando qualquer cobertura para «as suas vergonhas»Claro que nada se importaram comigo. E eu retribui o gesto…(ainda que com babada inveja) .Adiante…

                      

Com o mestre que só apareceu lá para as oito, aprazei, finalmente e seriamente, a hora de embarque. Duas da tarde, logo após almoço.

Às duas e meia ,o trator que substitui os bois que antigamente puxavam o xávega pelos «arganéus» ( o trator  dispensa tudo isso, e mesmo a « muleta») leva de zorro o meia lua, «O Novo S. José». Um pequeno meia-lua de 2R (que só leva os remos por precaução,não para uso),pouco maior que uma «robaleira».
 Chegado o S.José à borda ,   



                 
com a água a chegar-lhe à focinheira, logo obedeço à ordem peremptória: «Salta».E logo eu e mais quatro «camaradas», lestos e decididos, galgámos o bordo, e entrámos na embarcação .
          À ultima da hora ainda se juntam a nós mais dois rapazes. O local que me é destinado é o do antigo «vareiro»: na bica ,com os pés na «sacada» que agora segue no paneiro de proa(aonde antigamente iam os «camboeiros»),bem arrumada .

                           

O trator, tal como a parelha de bois de antigamente fazia, entra mar adentro dando um ultimo empurrão, o que o obriga a ficar com boa parte do rodado anterior e motor, debaixo de água (como sucedia antigamente aos bois).O moço ao meu lado que olha atentamente a vaga que «lá vem» grita: é agora.Vamos!...Vamos… dá-lhe gás.E a embarcação impulsionada pelo potente motor de 80CV (os remos vão amarrados pelos punhos aos «trastes») rompe a vaga ,encabritando-se ao de leve, com umas meigas e pouco convictas vagalhoças, dando pouco tempero à aventura (para mais tarde recordar).

           
   Dia espantoso, com o sol a esparramar-se por todo o mar de um azul intenso e vivo, que mostra uma ondulação fraca de 1m. O mar nada bole.Apenas uma ligeira ondulação como a querer  dizer-nos que está vivo.Só que adormecido.E a luz intensa parece concentrar-se numa larga estrada que vai até ao fim do mundo.O mar é imenso!Maior (!), só céu que nos cobre ,azul ,muito azul,só que um pouco mais desmaiado .
O «reçoeiro» que liga a embarcação a terra, corre veloz sobre a alheta de BB, de ré, enquanto nos dirigimos um pouco para norte. Vogamos paralelos á praia, dela distanciados uns bons 100 metros. Percorridos cerca 300m a norte, guina-se para fora, rumo a Oeste .

  
Largam-se os 1200 metros do «reçoeiro» antes do «càlão» ir borda fora. A este liga-se uma bóia de sinalização, presa a um chicote de 30/40 metros. .A «manga» da rede difere das antigas por não ter «cortiçada» (sendo por isso «menos boieiras»), pois que o cabo de nylon flutuante faz o mesmo efeito.Tem 300 metros de comprimento. Na parte inferior,no «promeu», leva a «chumbada» para arrastar a varredoura pelo fundo. Neste aparelho já não existem as «pandas»,malhas de barro de três furos, que antecederam as chumbadas fazendo o mesmo efeito que estas(afundar o «promeu»).

É chegado o momento de o arrais gritar ao moço: «à borda».Com isso quer dizer que a «sacada» e a «coada» devem ser ajeitadas sobre a borda de estibordo, de um modo impecável, para permitir o seu corrimento sem ensarilhar. Guina-se entretanto para sul. Chegada a vez, o saco sai pela alheta de bombordo a toda a força (nota-se neste momento um particular e intenso esforço, pedido ao motor, com o fim de abrir a «bocada» ).Colocada  a sacada no mar , segue a «alcalena», e o resto da manga do sul:- «caçarete» ,«regalo» até chegar ao «claro» que antecede o «càlão».

     
Presa a este, começa a sair a «mão da barca»,o cabo por onde a rede vai ser puxada para terra (e pelo «reçoeiro»). O «Novo S. José» ruma então já a terra. Para trás as bóias: da «coada» ao centro ,e as dos «càlões» ,a norte e a sul. Quase chegados o arrais faz a pergunta :
-Astão mestre (que sou eu..)!.Eu até me esqueci de lhe praguntar : vossemecê sabe nadar ou não?.

Apeteceu-me responder-lhe como o Ançã : pissalho!
Eu um descendente (?!) do arrais Tomé Rhonca,o tal que ia ali às Américas a nado enquanto a Maria preparava o conduto,não havia de saber nadar? Hòmessa ,crendas lá ber ...Mas o bom homem não o fez por mal. Melhor seria prová-lo .Rápido tiro o boné a e T-shirt e mergulho do «castelo» no mar. Faço os últimos 100 metros a nado ao lado do S.José. Outro camarada, entusiasmado, salta, ele também, e acompanha-me.
                    



Na praia um monte de veraneantes recebe a embarcação que rapidamente é atrelada ao trator que a leva até às dunas.Lá no cimo é voltada ,prôa ao mar,pronta a meter de novo o redame.
                          

    

Reunidos antes de se começar a alar o redame, digo-lhe:

-Tome para uma cerveja com os camaradas---

-Rosa! Vá … vai à loja buscar umas cervejolas. C’a este camarada é companheiro. Vai num pé e vem no outro.

Esta simples mas tão acertada, como subtil, diferença, martelou-me os ouvidos pelo dia fora. Vá-se lá perceber como é que um homem simples clarifica tão bem a dicotomia entre camarada e companheiro. Que grande lição….Anda para aí tanta gente sem o perceber.
Fico a matutar.Que gente é esta,o pescador da xávega, hoje?O lavrador que desceu á borda,humanizando e ruralizando o areal, já partiu ,hà muito(?!).E levou com ele os bois.O espetáculo perdeu força e movimento.Perdeu beleza. 

(Cont)









                             




                         







terça-feira, junho 21, 2011

Dia curioso


Atente-se:
1-na resposta do novo Ministro das Finanças quando inquirido como iria ser:

- Oxalá tenha sorte.

Bom pronúncio. Um que já percebeu que aquele lugar já não depende das suas decisões …mas da sorte. Quer dizer: do que a Alemanha e investidores sem rosto, decidirem. Chama-se a isso :-sorte.

Mostrou saber.Promete.  A sorte não lhe falte.

2- Jorge Coelho na entrevista dada a RTPN dizia que em todas as Organizações é preciso que os exemplos venham de cima. Não entendi o que aquele camarada e colega quis dizer.

Que raio de exemplo dará J Coelho na sua empresa, que sirva aos de baixo  ?!. Especialmente nas remunerações.

É preciso lata…

3- Pinto da Costa deu lição que deveria levar o nosso Primeiro-ministro a repensar. Uma crise resolve-se com decisões rápidas e calculadas. Pinto da Costa deu um baile à classe política. Estratega, calculista e previdente, sabe tornar as potenciais derrotas, em superiores e incontestáveis vitórias. A única coisa em que os políticos parecem ter aprendido com ele é a da recolha de trocos.

Que raio : com tão excepcionais treinadores, porque os não aproveitamos colocando-os nos Ministérios mais sensíveis? Já viram o que seria um Mourinho Primeiro Ministro? Alguma vez Mourinho escolheria um Nobre para ponta de lança? E claro a um Portas o lugar seria o do banco ,e pouca conversas. Estratégia?- : pressão alta, boa cobertura na área decisiva e depois ir lá fora mostrar como se ganha.

4-Defino uma mulher pelos tornozelos. Por isso fui ver a nova Ministra da Agricultura de perto para lhe apreciar a crista. E embora a dita pareça ter a crista deslocada, o certo é que moça promete. Tens uns tornozelos do outro mundo. Prometedores de que tudo com ela será possível….

Terá pois, é, de pensar com os pés…

Não percebendo nada de agricultura, dixit, garantiu aprender tudo muito depressa. Vamos lá a ver como aprende no bouquet.Claro nas provas dos vinhos. Ou no que estão por aí, já a pensar.

Aladino

























  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...