sábado, dezembro 31, 2022

 

Tenham um BOM ANO....




À medida  que os anos passam(bem preenchidos e pouco doridos) a vida parece-me, cada vez mais, uma roleta. Fui um inveterado negacionista da aposta, onde quer que fosse. Até no religioso.
 Apostei nas pessoas. Nem sempre , apostei certo. Erro meu. Apenas e só nunca submetido.  Aos homens e às ideias. Muito menos aos dogmas. Quem se submete a estas pantominas vive uma vida de ilusão. Sonhei fugir, assim, à pequenez humana a que todos parecemos condenados. Cedo percebi, contudo, que a história do  mundo está cheia de  seres delirantes que , inebriados pela megalomania,  acabam em títeres ,”bestas -feras” humanas.. Mesmo assim, têm seguidores amestrados . Multidões de humanos infectados pela cantilena de que a liberdade de uns, se compra com o amordaçar da liberdade, dos outros.
Não acredito no céu. Para mim, o “céu” era aqui, na terra... Assim  nos foi prometido, mas não cumprido. Afinal não era preciso voar. Chegava saber mergulhar ao “inferno do desassossego humano".E para baixo todos “os santos” ajudam.

Meus caros: 

cada minuto meu é uma permanente inquietação : vivo sempre a pensar já no minuto seguinte, como se fosse o decisivo ,”the last and the least”.(exacto)...Perece-me morrer de véspera, e deixar tudo no “caos”.
Afinal o que andei “por aqui” a fazer?


Senos da Fonseca



domingo, dezembro 25, 2022


 O Senhor Zé e o «Visconde»


Mais uma sota, nesta segunda-feira, permitiu-me o reencontro. Eu, a Zefa e a Bernarda, falámos de muita coisa. De entre elas catei uma bonita «estória». Vo-la conto…

- Olhe – diz a Bernarda: este tempo desembestado faz-me recordar a nossa vida em pequenas. O palheiro onde nos abrigávamos do tempo, feito de um tabuado mal encostado, deixava passar o vento frio por entre as frinchas, que inté  zunia. Então, nas noites de surriada, tiravam-se os cobertores serranos da enxerga e punham-se a fazer de anteparo. E para não ir para a enxerga e ter frio, abusacávamo-nos em volta do borralho. À luz de um candeeiro trémulo, por vias da fisga ventosa que escapulia entre frinchas, íamos ouvindo os maiorais, enquanto uns cavaquitos apanhados do outro lado, no matagal da Maluca, ardiam, mitigando o frio. E entre co
nversa lá íamos assalgalhando, quebrando o jejum.

Numa lengalenga familiar, ouvíamos «histórias» do antigamente. Lembro uma, que fez o encanto da minha meninice. Sabe?!: sempre pensei, porque fui testemunha viva da heroicidade demente daqueles «arraises», que, às vezes, até parecia não regularem bem, quando no meio do areal, frente ao desalmado mar, gritavam: – «bota prómar, que este mar enxogalhado não mete medo a homes». E nós, que ficávamos especadas na praia, arrepiadas a ver o meia-lua encabritar-se na primeira vaga, e logo atrás dela vir a segunda ainda mais danada, arrepanhávamos os cabelos e só sabíamos gritar: –  ai o meu Pai, coitadinho, que lá fica!


foto .a.h cravo

Ora um dia, contou o meu avô, o Chico «Cuteta», o Sr. José (José Estêvão) tinha vindo, como habitualmente, à borda, a conversar com as «nossas» gentes. A saber da nossa vida. Trazia com ele uns «fidalgotes» da cidade, que se vestiam astrapalhados, dizia o Ti Cuteta, com a areia a entrar-lhes para as polainas. «Que inté» pareciam um barco alquebrado «a meter auga»…

Parando, apresentou-os ao arrais Thomé. Um dos fidalgos, homem de larga bigodeira engomada e retesada que, mais parecia imitar o «meia-lua», dirigiu-se sorridente ao Thomé, dizendo-lhe:

- Atão vossemecê é que é um dos tais «ílhavos» que o Visconde diz pedirem meças ao campino, a saber qual mais valente (?): se o que defronta o touro, se o que investe o mar!!!!... Sim senhora, finalmente vejo um dessa espécime. E Vossemecê que pensa do que diz «Visconde» (?), pergunta o fidalgo letrado, ao Thomé.

- Ora saiba òspois que eu penso que esse tal Visconde – òsculpe mas não o conheço – é zamparilha. Ora essa: – olhe …

E zás!!! A um boi que vinha dar o chicote ao «calão», fila-o pelos cornos, torce… torce… torce… até que o boi ajoelha e cai de borco na areia, resfolegando e espumando, preso pelas manápulas do Thomé. 




              

                           

Este levanta-se, sacode as mãos, põe o boné, e diz para o amigalhaço do Sr. José:

- Ora diga agora ao tal «Visconde» que faça isto com o mar. E veja quantos homes eram precisos para o abraçar. Todos os que há no mundo. O «manso», esse (!), como-o eu em bifes. Sem sal parecem feitos de palha. O mar, esse (!), – e ao dizê-lo tira respeitosamente o boné – bebe-se aos golinhos, senão afogamos no seu sal. Essas gentes de que fala o dito, enfarpelam-se de vermelho e são bailarinos. Morres-lhe pouca gente, por certo. Olhe em volta Vossa Senhoria, e repare na nossas gentes: vê-os quase todos de preto. Vestem-se assim pelos que ali (apontando o mar) ficaram. Mas isso não os quita de «zangalharem» com ele, as vezes que forem precisas.

Enquanto a conversa decorria, o Sr. José ria a bom rir.

- Pois… Ó Pinheiro!!!, meteste-te com boa rês. Logo este gladiador do mar.


Senos da Fonseca


segunda-feira, dezembro 19, 2022

 Odisseia....


Hoje só para relevar e extrair uma nota para o trabalho que tenho em mãos, esgotei um dia inteiro a dar voltas  na “Odisseia” de Homero. Com a finalidade de  interpretar a fuga de Odisseu, da ilha de Calipso,no navio à vela que construiu, na praia de Esquéria.

Curioso: como é possível que existam tão poucas informações sobre as técnicas de construção naval mediterrânicas, a ponto do relato de Homero (na “Odisseia”) seja uma das mais citadas.Com mais (?)e concretas informações. O problema é dilucidar sobre o termo gomphoi e o harmoniai. É preciso cuidado quando escrevemos história informativa.

(::::)

E já que estou com a mão na massa,aqui vai,um pouco da »Odisseia »,essa, de Homero


(....)

E diz-me qual é tua terra, qual é a tua cidade, para que até lá

as nossas naus te transportem, discernindo o percurso por si sós.

É que os feácios não têm timoneiros, nem têm lemes,

como é hábito entre as naus dos outros; mas as próprias naus

compreendem  os pensamentos e os espíritos dos homens,

e conhecem  as cidades e férteis campos de todos,

atravessando o abismo do mar rapidamente, ocultadas

por nuvens e nevoeiro . Nunca receiam que algo de mal

lhes aconteça, nem nunca têm medo de se perder.

(....)



Boa noite. Bons sonhos. Cansado mas satisfeito, vou à nana que amanhã há que começar cedo. Oprazo para o final do trabalho,está próximo. E eu gosto de cumprir prazos. E pode até ser que hoje, me aconteça  sonhar com a jovem Nausicaa....


Senos da Fonseca




 Odisseia....


Hoje só para relevar e extrair uma nota para o trabalho que tenho em mãos, esgotei um dia inteiro a dar voltas  na “Odisseia” de Homero. Com a finalidade de  interpretar a fuga de Odisseu, da ilha de Calipso,no navio à vela que construiu, na praia de Esquéria.

Curioso: como é possível que existam tão poucas informações sobre as técnicas de construção naval mediterrânicas, a ponto do relato de Homero (na “Odisseia”) seja uma das mais citadas.Com mais (?)e concretas informações. O problema é dilucidar sobre o termo gomphoi e o harmoniai. É preciso cuidado quando escrevemos história informativa.





E já que estou com a mão na massa,aqui vai,um pouco da »Odisseia »,essa, de Homero


(....)

E diz-me qual é tua terra, qual é a tua cidade, para que até lá

as nossas naus te transportem, discernindo o percurso por si sós.

É que os feácios não têm timoneiros, nem têm lemes,

como é hábito entre as naus dos outros; mas as próprias naus

compreendem  os pensamentos e os espíritos dos homens,

e conhecem  as cidades e férteis campos de todos,

atravessando o abismo do mar rapidamente, ocultadas

por nuvens e nevoeiro . Nunca receiam que algo de mal

lhes aconteça, nem nunca têm medo de se perder.



Boa noite. Bons sonhos. Cansado mas satisfeito, vou à nana que amanhã há que começar cedo. Oprazo para o final do trabalho,está próximo. E eu gosto de cumprir prazos. E pode até ser que hoje, me aconteça  sonhar com a jovem Nausicaa....


Senos da Fonseca


segunda-feira, novembro 21, 2022

 Há 127 anos  a integração  de Ílhavo no  Concelho de Aveiro (21.11.1895)



Em 1865, à profunda crise política viria juntar-se a pior colheita agrícola de sempre. O desemprego e a criminalidade atingem níveis nunca alcançados. O país via nos suicídios individuais que grassavam por todo o lado, a aproximação do suicídio colectivo. Os tumultos surgiam  por toda a parte. Em particular pela região de Aveiro, com o povo a indignar-se contra o imposto de consumo, entretanto criado. Tentado um plano de emergência e de estabilidade, não se vislumbraram, contudo, quaisquer consequências positivas. Importadas do exterior vão chegando as críticas demolidoras ao liberalismo. Oliveira Martins é um dos arautos da transmissão desse estado de espírito, acusando os políticos, o parlamentarismo e os partidos, de serem a causa de todos os males. A política, afirmava-se, quando reduzida a uma mera competição partidária e parlamentar, era um estorvo, sendo por isso preciso, inadiável – apregoava-se nos últimos anos do século – engrandecer a realeza para a transformar no poderoso agente da civilização,  necessário para defrontar os novos desafios. Era assim justificada a necessidade de um novo governo que, apoiado na autoridade real e sustentado pelo apoio e pela adesão das camadas populares, fosse capaz de pôr de lado as práticas conciliatórias, empreendendo reformas vigorosas, musculadas, que permitissem ir de encontro aos interesses instalados. 
Desta situação irá surgir, de novo integrado num governo regenerador, João Franco, que assumirá papel determinante na função legislativa. Ainda que levada a cabo com o parlamento encerrado, o que préconfigurou a prática de uma ditadura, desculpabilizada com o facto de ser “provisória e condicional”. João Franco vai assim proceder a uma profunda reforma administrativa com que pretendeu acabar com os influentes e com o interesse dos campanários. Para lá das mudanças no ensino, reformulou o exército, estabeleceu quotas de representação no parlamento e introduziu profundas mudanças constitucionais. Assim, classificou os concelhos por ordem (primeira, segunda e de terceira categoria), fixando que os pequenos concelhos sem capacidade para satisfazer as necessidades básicas, deveraiam ser agregados aos maiores. É nesta mudança, neste novo panorama administrativo, que se irá decretar a inclusão do Concelho de Ílhavo, no de Aveiro. 
Para a esquerda progressista, os concelhos deviam ser comunidades independentes. Para Franco, positivista, o que contava eram os factos históricos: os municípios e paróquias só faziam sentido conforme tivessem, ou não, recursos para prestar serviços de modo a poderem cumprir uma função social. Por isso, na sua ideia, haveria que acabar com os municípios inviáveis, integrando-os nos grandes municípios. 
Mas o que a reforma administrativa – que centralizou o país em trinta e três círculos eleitorais – visaria, seria acima de tudo, e fundamentalmente, era controlar o voto, no sentido de que a votação dos grandes centros urbanos não fosse pulverizada pelo voto rural (normalmente reaccionário, clerical). 
O Decreto de 28 de Março, revogando a Lei Eleitoral, vai permitir que a área dos círculos eleitorais coincida com os distritos administrativos, com o que se pretendeu conceder representatividade às forças minoritárias. Para conseguir esse desiderato, alguns pequenos concelhos são incluídos  nos concelhos mais representativos da área. 
O Decreto de 21 de Novembro de 1895 vai nesse sentido, fixando a inclusão do Concelho de Ílhavo no de  Aveiro. Em acta da Câmara Municipal de Ílhavo dessa data501 dá-se por extinto o concelho, de que era na altura presidente Augusto Oliveira Pinto, e vereadores João César Ferreira, Henrique Cardoso Figueira e José Maria da Silva Valente, nomeando-se para administrador na nova orgânica, o Dr. Mário Duarte (conhecida figura do desporto aveirense, que contava em Ílhavo com grandes amizades). 
Naturalmente, e apesar disso, o facto não foi bem aceite na terra, tendo-se formado uma Comissão para a Restauração do Concelho cujos ecos se fizeram ouvir em toda a imprensa da região, chegando  ao parlamento. 
A integração iria durar pouco tempo e não teria nenhuns efeitos perduráveis. A situação económica e financeira do país piorava e era já previsi vel a queda do governo de Hintze Ribeiro e João Franco. A Lei Eleitoral já em 1896 fora corrigida; Franco reconheceria que a sorte dos Governos dependia da prosperidade do País. O próprio Luís de Magalhães, ilustre aveirense, seu amigo, ter-lhe-ia afirmado: tenho graves dúvidas sobre o êxito da sua politica. 
Portugal definhava. O rei D. Carlos concluiu que aquele governo já não tinha qualquer préstimo, nem para o rei, nem para o país. 
O governo cairá a 6 de Fevereiro de 1897. Era o fim de quatro anos de governo regenerador e o regresso do Partido Progressista com José Luciano de Castro. 
Por Decreto de 15 de Janeiro de 1898, o concelho de Ílhavo será novamente reformulado e recuperará  a sua autonomia administrativa. Forma-se nova Câmara; a primeira acta pós este período de inclusão  data de 28 de Janeiro de 1898, sendo o cargo de presidente ocupado por Ferreira Pinto Basto (documento 61). 
Nessa data, o ilhavense José Barreto dedicou ao acontecimento um so- neto que, por curiosidade, aqui se reproduz: 

“Assente sobre um vasto e fértil plano,
 Em ruas amorosamente repartida,
De estradas, largos, praças, guarnecida, 
Com mui saudável clima em todo o ano 

Perfumada pela brisa do Oceano 
Por aldeias Formosas envolvida 
Mãe de nautas valentes, cuja vida
É um poema d’ingente esforço humano 

Marítima, píscosa, industrial, 
Formosa, alegre, activa e ilustrada 
De importante labor comercial, 
Este é d’Ílhavo a terra abençoada 
Hoje enfim, do concelho a capital
 Esta é a ditosa pátria minha amada” 


Senos da Fonseca


(Di livro «ILHAVO ENSAIO MONOGRÁFICO -Séc.X-Séc.XX»)

A OBRA DA CRIANÇA


 E já agora:

 Desde logo : este pequeno reparo:  não pretendo elogiar, quem nele  é citado...Apenas repor -ou lembrar para  história futura...um estranho e parece que esquecido facto.

A  propósito do 42º Aniversário do CASCI

Tenho visto e lido,ao longo dos anos, as elogiosas (bem merecidas) referências, ao CASCi. Nelas  citando   o nome da fundadora que, decididamente, pulso a pulso “contra ventos e marés “ o ergueu. Espantosamente  esquece-se – por uns tantos, propositadamente–  a OBRA DA CRIANÇA.

Ora a verdade é que esta  foi o prelúdio causador do nascimento do CASCI. 

A OBRA DA CRIANÇA, foi um “atrevimento”  notável na altura da sua fixação em Ìlhavo..Nascida de um repentina decisão da Zeca, instalada à pressa  na Casa Relvas, ao Cruzeiro, acolheu rapazes  desinseridos, sem família nem aconchego, acolhidos e maltratados num centro de acolhimento (?)  bem intencionado, mas mal orientado, existente na  Ermida. Foi uma decisão que, a Zeca, bem apoiada pelo Cap Zé Vaz,Sr Celestino e outros, se lançaram ,criando do nada, um (já) exemplar centro de acolhimento fraterno.  

Mas ....a Casa era pequena....

A  Zeca  era insaciavelmente desmedida na ambição solidária. Queria ir muito mais longe...muito mais além....Já que Ílhavo era um símbolo do mar,a Zeca queria fazer desse “nosso mar”,um mundo onde apenas navegassem as caravelas da  solidariedade e a fraternidade.

E por vezes acontece a todos, nesse desmedido sonho, tropeça-se....na tormenta da vaga.



Fruto de uma errada parceria, apenas e só pelo seu esforço e decisão ,irá nascer o novo centro já de casas especialmente construídas para o fim em  vista, ali na proximidade (hoje) da Escola João Carlos Celestino Gomes. Tudo parecia correr bem.O parceiro ,em nada intervinha no funcionamente da OBRA. e esta navegava  e desenvolvia-se imparavelmente. Estabilizada ,começou a medrar nova ambição ,novo desígnio, novos mundos a desbravar: estender a OBRA a todo o Concelho, criando novos centros de acolhimento.

O medo instalou-se perante a magnitude do sonho...

E a parceria desmoronou-se....

A Zeca partiu, então livre, para outro fim. Assim nasceu o CASCI liberto de teias limitadoras, bafientas.... acomodatícias....

A OBRA DA CRIANÇA ,felizmente, continuou. Estimo-a muito...Visito-a e olho-a com pena. Sem querer ferir susceptibilidades, olho um pouco triste para tudo.Se em boa decisão , a obra continuou– e deve continuar ,porque é importante– julgo que está parada no tempo e na ambição, há  precisamente,42 Anos.Tantos quantos anos perfaz, hoje, o CASCI !...O sonho de a estender e reproduzir em todo o Concelho: –  morreu...(isso sem duvida na afirmação).

Sempre antevi , e repeti insistentemente, várias vezes , a ideia de se chegar a um acordo com o CASCI para que,  a OBRA DA CRIANÇA,  seja integrada nas funções sociais daquela Instituição. Mas.... sempre houve. “velhos e novos do restelo” a não quererem  misturas. Ciosos ...da sua ociosidade, na sua (pequena) relevância.

Claro:  nada tem a ver com os que, na OBRA, sempre  se esforçam por fazer o melhor.


E ponto final....


Senos da fonseca (Nov.2022)


segunda-feira, outubro 31, 2022

  •  
  • E porque amanhã fazias anos…lembro-Te


  • Olha amor!
  • Anda! … junta as tuas mãos 
  • Mete-as aqui aconchegadas nas minhas
  • E vem fazer o que tantas vezes fizemos, sós:
  • Vamos falar aqui baixinho
  • Como que a rezar (o que eu nunca soube fazer)
  • Mas baixinho ouves melhor a minha voz.


  • Partiste há uma imensidão de tempo.
  • E nesse tempo turbulento e desesperante
  • Nunca soube ao certo de onde soprava o vento.
  • No recanto dos teus encantos, procuro-te a cada momento.
  • Olho para a ria, onde vejo cintilar os teus olhos verdes
  • E neles o reflexo das estrelas, estilhaços do coração
  • Então o nada será tudo…serão farrapos da emoção(?)


  • Tenho trabalhado, mas sem ter a tua crítica

  • Não consigo distinguir o bom do mau.
  • Ai daqueles que como eu perdem o ajuste!
  • Nunca mais o seu trabalho será alegria.
  • Nem o sono, acredita, disfarce de doçura
  • Não há mais noites de ternura, 
  • Exprimir-me mesmo, para quê?
  • O muito que tinha ainda para te dizer
  • Melhor será nunca ficar dito.
  • Olha amor:
  • A renúncia por vezes é bela!
  • Mesmo que por vezes seja dolorosamente fria
  • Porque aqueles que me ouvirão 
  • Não amarão o que eu digo 
  • Com os ouvidos com que tu me ouvias.


  • Se era erro: – lixo! 
  • Se era fantasia, amor, loucura paixão
  • Iam para o álbum.
  • Tu foste sempre a decisora das minhas grandes decisões
  • Tu foste a doçura de um longo passado
  • E se o recordo é porque Tu estás sempre presente.
      
          J  2022


terça-feira, outubro 18, 2022


 

Num cravo ruivo para Ti


Pudesse eu sentir o bafo dos dias quentes
(para deixar de sentir a dor
A dor tremenda de me ver ainda acordado
(em tudo o que escrevi.
Nessas folhas em que amei e fui amado
(ainda que noutras, não sei (?), odiado..


Sinto a dor tremenda de nelas não ver gestos,
(seria que lá não couberam?
Ou estando lá, eu não os vi, tão escassos eles eram,
(a vida é «soma e segue».
Por isso quem me dera morrer num instante
(antes que o inverno mos negue.

Ateio as poucas brasas que ainda há em mim
(frias dos beijos que não recebi
E recuso o sono, a paz e a solidão que só hei-de querer no fim
(quando então longe daqui;
Mas não deixo, hoje, de escrever num cravo ruivo para Ti
(o que já não sei dizer a mim.



Senos da Fonseca 


domingo, outubro 09, 2022


E nos papéis encontrei este  discurso louco,ininteligivel(?) ...ou talvez não....

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 Anfiguri …


Carapau/bacalhau/ e pitáu



O dique foi a pique

O farfalho foi ao alho.

O asno corou de pasmo

O corifeu fez-se ateu.

Comeu o bacalhau

Deu espinhas ao marau.

Falou com cagança

De uma grande vingança

Ninguém o atrapalha

Vai  daí,puxou da navalha.


Falou com vigor

De tudo que for.

Empenhou-se a fundo

A prometer meio mundo.

Abanou o chocalho

A um certo bandalho

Que cheio de riso

Mostrou pouco siso.

E disse a debique

Metendo-o a pique,

Cruel vadiagem

Fartai vilanagem.

Tão mau é o termo

Como este Governo.


Mostrando a dentuça

E o pelo na fuça

Prosápia balofa

Em orelha mouca.

Brilhante o dixote

De tão vazio pote.

Imbecil gargalhada

No meio d’ alhada

Plena de manha

Em soez artimanha.

Vazia de tino

Tamanho o cretino

Tão larga é a lauda

Como curta é a cauda

Do infeliz menino



Em feroz desatino,

Cuspindo borrões

Em vãos borbotões

Num tolo escarcéu,

De lhe tirar o chapéu.

Tão tolo e tão mau

Ó grande ribau !

C’a g’ande pitáu

Dá cá bacalhau!



Senos da Fonseca




sábado, outubro 01, 2022

 

Ciúmes da Ria


 



Surpreendes-me sempre que te visito...
Nunca pareces cansada de andar de um lado para o outro.
Serena,
Calma na tua frieza de hoje
Eras a mais bonita neste entardecer
Onde só a ausência do sol dava pena.

E eu parado
Cansado de tanto correr
Em mim ausente o prazer de viver
Olho para ti extasiado.
Que pena!..

Não encontrando semente para semear,
D.Quixote, atiro-me aos moinhos
Ergo o braço e ferro o punho,
Num desbaratar,até, de ilusões.
Apenas e só a desbaratar
Pois já nada, nem eu me ergo do chão.

Quem me quer nesta idade sonolenta?
Quem me leva a recriar desejos despidos(?)
A fazer-me lembrar pecados já esquecidos.

Parado enciúmo-me de ti
Desse amor que vens fazer à praia
A horas repetidas, não te cansando de amar,
Envolvida com o areal ainda estremunhado
A deixá-lo beber do teu ventre salgado.


Senos da Fonseca

(foto M.Bernardo Balseiro) 



sexta-feira, setembro 30, 2022

 LENDA DA TERRA DA LÂMPADA 

Há muitos... muitos anos, tantos que já ninguém o sabe ao certo, aconteceu em Ílhavo uma estória que virou lenda. 

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Era uma vez... uma terra que em menina foi surrada pelo mar que  sucumbia aos seus  pés. E que depois, já crescida, viu aquele amainar, aprisionado pelos braços da sereia lagunar. Irriquieta e fugidia logo tentou escapulir-se, obrigando as suas gentes, pescadores da borda, a atravessar o prado já então a revessar de verde, que se estendia, qual tapete macio, para os levar à Costa-Nova em demanda da sardinha. Que, tal como a mulher, se quer rechonchuda e pequenina. Como todo o gentio do mar, pescadores ou mareantes, sempre os ílhavos foram mais tementes a Deus que a esse cão danado – o mar! Por vezes amuado de tanta ousadia, enraivado,  ronrona ameaçador, desfeito em ondas espúmeas a embater contra os frágeis barquitos em que aqueles ganham o pão para os seus. Nada que os apouquentem ... ou sequer aporrinhem.

Era nesses momentos dantescos que o arrais Ançã vociferava chacoteava : Ah!... danado, se fosses d’aguardente emborcava-te só de um trago! 

E logo o mar parecendo amedrontado com o desafio do arrais gigante, alquebrava e, às arrecuas, tolhido, desembestava a tramontana, serenando. Mas com Deus não se brinca, ou ofende, e os ílhavos, criaturas de fé devota, muito embora confiassem nos seus arrais – que não havia outros de tal ògalha por essa costa abaixo –, quando, chegados os momentos de aflição –que os havia...havia–, faziam as suas promessas ao S. Pedro. Orago da sua devoção que, atento na Igreja da santa terrinha, no altar, velava pelas suas vidas. Acreditavam piamente no dito.... 

Apesar da vila ser, naqueles tempos idos, aconchegada e pequena, era escufenada, tendo já desde os nossos primeiros reis uma igreja real, vistosa e imponente,  conferindo-lhe merecido destaque. Os pescadores e famílias, principalmente o mulherio, eram gentio muito religioso, comparecendo diariamente à missa pelas matinas, levando consigo uma esmolna que entregavam às almas para protecção dos seus. Esta igreja desde muito cedo passou a ser das mais importantes e mais ricas de toda a região de Aveiro, exibindo valiosas imagens de Santos em terracota, adornada de ricas alfaias de ourivesaria, muito faladas e, por isso, também muito cobiçadas. De tal modo que, aquando das invasões francesas, os soldados do general Junot a esbulharam das suas riquezas para assim recomporem o seu cofre depauperado. 

Conta-se então, que só uma rica custódia de ouro – que hoje ainda existe – e uma valiosíssima lâmpada (vistoso e artístico candeeiro de prata que descia do tecto alumiando bruxuleante a capela do Santíssimo) se salvaram, porque um tal Malaquias – o Raposo –, antecipando-se à soldadesca francesa, as encapotou na batina, levando-as consigo, tendo-as  enterrado. Só passados muitos anos, vendo que o perigo tinha então já passado, resolveu desenterrá-las para as entregar ao prior. Que muito agradecido pela esperteza do acólito, logo mandou preparar grande festa para celebrar o acontecimento do retorno das valiosas peças, à igreja. Uma festa com direito a pregão prodigamente trombeteado pelos párocos das redondezas que, do alto dos seus púlpitos, prometiam foguetório de arromba, procissão solene,  testemunha da virtude da hora, a que não faltaria o ignoto dominicano frei Elias, cuja voz tonante faria ribombar os Evangelhos mais as ameaças da Santa Inquisição. Alevantando abundosas tremuras em todos aqueles que, pecando, andariam tresmalhados, mais perto de trambolhão no caldeiro onde frigiam as almas penadas, do que no azul celeste do paraíso – promessa habitual do sermonário – por onde ricos e pobres se passeiam, irmanados na dádiva de graças ao Altíssimo. Vá-se lá acreditar. Mas nestas coisas do alto mais vale precaver do que ver. 

Tanto alvoroço faria acorrer à vila gentiaga estranja para render tributo aos tesouros que voltavam a arejo para regalo dos fiéis crentes, aboletados por toda a vila em palheiro de compadre, de amigo ou de simples conhecido, tudo gente de boa crença e fulanagem. Andara o povo em grande folgança, a doidejar havia já três dias, com visita obrigatória à esplêndida igreja que, aperaltada com vestes de gala, mostrava, envaidada, as relíquias a quantos as quisessem admirar. Um ror de gente... 

No final da festarola era já segunda-feira. Dia para estas gentes voltarem à labuta diária depois de reconfortadas com a missa da madrugada. Ainda os galos cucuritavam nos poleiros, já na igreja restavam abusacadas  algumas beatas que, ouvida a missa, ali ficaram a fazer as suas rezas e, assim palrando, esperavam pela missa seguinte, da manhã; duas sempre reconfortavam mais do que uma só. 

Como eram mulheres de palanfrório, daquelas que todas as tardinhas vinham ao rebate contar as últimas, aproveitavam aqueles momentos para pôr a conversa em dia, pois que a festança as afastara do convívio diário da má língua, onde as bocas baladeiras falavam disto e daquilo... desta ou daquela, de toda a gentalha do sítio; o tempo dava para isso.Era tanto que ainda crescia para rezar um Pai Nosso e três Avé Marias. 

— Oi... chopa! - olha para quem entrou..., disse às tantas a Maria Calatró da Malhada, interrompendo a conversa.Acto contínuo virando-se para a Josefa do Arnal, ali  engrunhada, enxerida,encapuchada no xaile de burel que lhe cobria a cabeça ,como se o frio da manhã a tivesse entorpecido; ao tempo em que indicava dois indivíduos que, de escada na mão, com umas cordas aos ombros, tinham entrado na igreja onde ainda apenas a luz mortiça das velas e as das lamparinas da majestosa lâmpada quebravam o negrume. Tinham parado debaixo da mesma, assumindo um ar de consternação e espanto, dizendo em voz alta um para o outro, de modo a que as beatas ouvissem: 

– Ora vai-te... que raio de negócio fizemos... Quem é que a há-de limpar por semelhante preço?!..., dizia o mais baixote, parecendo arrependido com o negócio.

– Bem... já que justamos o preço, agora não há nada a fazer... Toca a baixá-la que se faz tarde..., diz o outro, homem de barba cerrada, de aspeito desconfiado, olhar de aspe decidido a saltar sobre a presa, ou fugir lesta, se inimigo se abeirasse. 

E se melhor o disse, mais rápido o fez: pondo mãos à obra, subiu a escada e arriou a lâmpada perante os olhares assarapolhados da Josefa e amigas, logo a metendo num saco saiu tranquilamente da igreja, de escada às costas...sobraçando o saco ao ombro. 

– Estais a ver... chopas, como o Senhor prior manda tratar das coisas da Igreja para esta luzir ?!..., diz a Josefa Carqueja para a Calatró.. e agora inda hás-de dizer que o home é um mancatufe que nem p’rás novenas serve. És uma mal dizente...raios! Que ainda hás-de ir estorricar no fundão do inferno... morrendas se não falendas, vade retro satanás. 

Tocadas as sete badaladas da manhã, o prior lá veio com o sacristão para rezar a segunda missa do dia. 

Vinha ofegante o abade.Face espaçosa onde ressaiam as bochechas avermelhadas que uns diziam ser do afã do ministério, mas que outras, maldosas, diziam ser fruto das barrigadas das caçoilas do carneiro avinhado, ou de se alambazar – à farta! – com a chispalhada que servia de lastro às enguias de escabeche, tudo regado por tinto farto vindo das bairradas, que lhe provocava aziumados borbotões. O cabeção, manchado pelas manápulas pouco asseadas a tentarem aliviar o nó de enforcado, inchava-lhe o pescoço, exsudando-lhe os refegos que serviam de caneja para o suor que escorria para a sebada sotaina ruça. 

É então que a Calatró, alvoroçada e já desconfiada de tanto cuidado do prior, pois no seu entender não era «arrais» p’ra tão grande barca, lhe salta ao caminho e diz: 

– Ó ó!... senhor Abade... tanta pressa para quê (?!) santo Deus...a  limpeza podia esperar mais um poiquinho e acabar-se a festa com a nossa lâmpada, cá!... 

– Que limpeza estás tu a dizer?... Ó mulher!...E de que lâmpada... estás para aí a falar?!, resfolga o padre João dos Mártires. 

– A que o senhor Prior mandou alimpar, hom’essa!, que estes olhos que o chão hão-de comer, viram ali... e «q’uinda» agora a levaram, a mando de V. Reverência– responde a Calatró apontando para o tecto vazio da igreja. 

E foi só então, que o Prior olhou para o sítio onde era suposto estar a lâmpada. Vendo-o vazio, de olhos esbugalhados, gritou: 

— Ah ladrões. Ah cães!...que me roubaram, grita o aporrinhado abade, vermelho como um pilado da praia, logo se arriando das pernas, caindo para o lado... a bufar em apopléctico estertor. 

— Ide depressa buscar auga da benta... que o pobre homem vai-se, grita a Luísa dos Sete Carris para as restantes, ao tempo em que amparava o desfalecido abade nos seus braços de pimpona pescadeira. 

— Que vá... olhendas!... É como a lâmpada, assome-se que é um ar que lhe deu– logo diz a Calatró que não perdoava ao prior tê-la um dia mandado para casa onde, disse, tinha mais que fazer que estar ali sentada no rebate da igreja à espera da missa da madrugada. 

E logo a Calatró, acrescenta : 

— Q’uinté tenho mais pena da lâmpada que do corvo que não faz falta aos filhos, que os não tem, referindo-se ao pobre abade que, pouco a pouco, depois de rebaptizado pela Josefa, começava a dar acordo de si. Uns gorgolhões de cachaça que o sacrista tinha ido, lesto, buscar ao passal, acabaram por recompor o pobre diabo. 

— Ai!... filhas..., diz a Luísa, desta vez nem o Raposo nos vale!!! 

Em Ílhavo, durante três dias, os sinos dobraram afinados por ordem do prior João dos Mártires; tantos quantos os da festa. 

A lâmpada, essa, levada pelos larápios, levou um sumiço... 

...até hoje. 

Senos da Fonseca

quarta-feira, setembro 28, 2022

                                                                              
 A roda nunca pára. Nunca!


Conto os anos por cada mês de Setembro, de cada um deles.

Ligo pouco à data de aniversário, até porque começa com ela o ano que pretendo levar até ao fim. Eu quero. Ainda e sempre.

Mas chegado Setembro começa como que o desencanto, a noção de que rapidamente este (ano) já se foi…

Daqui ao fim é um tiro.

A passagem do tempo é, por assim dizer, pelo menos para mim, relativa. Ou melhor a velocidade com que se esgota, não tem (para mim) a mesma escala: - suportável até este período, e inclementemente apressada, a partir de agora.

O tempo (meteorológico) sente-se de repente, parece também mudar. A cor empalidece, os finais do dia são tristonhos, e isso causa claro mal-estar. O banquete que me chegava deste azul da ria visto da minha janela parece estar já nas arrumações. No levantar da festa.

O sol inclina-se cedo para o ocaso, a fragrância da maresia dilui-se no resfriado da noite e no ar perpassa um fluido de melancolia, e até de saudade. De nós…




A beleza onde diariamente dessedentava a intranquilidade de espírito de tantos afazeres, languesce, definha. Paira no ar um certo torpor espreguiçado, esmalmado. Uma promessa de voltar um dia destes. Volta de certeza. Nós é que poderemos já aqui não estar.

Inquieto, dorido, penso nesta dança corrida que é a vida humana. Começa de quê e para quê?

Não sei. Sei contudo apenas, e com certeza, onde acaba. Na dança (da vida) as gerações sucedem-se. Ela, a mangana, mantém-se.

A vida é um carrossel. Gira entre montanhas e profundezas. Entramos a rir; saímos descorçoados por a viagem ter demorado tão pouco

Por vezes temos a sensação de parar nessa dança das voltas. Pura ilusão. Estamos redemoinhando apenas; a roda continua a girar, e nós corremos dentro dela. Mesmo parados estamos a correr no tempo. Nunca para trás. Nunca! Sempre para a frente.


Senos da Fonseca

(foto Ana Gomes)

segunda-feira, setembro 26, 2022






AINDA O MMI.


E porque andamos em maré de falar do MMI, repesquei este texto - vejam lá! – de 2007, onde abordei o caminho ínvio seguido por uma nova leitura(não errada,mas claramente incompleta, começando pelo fim)da história dos “ílhavos”.

Não fará mal lembrar que outros nunca se acomodaram à indiferença do “olhar” para o nosso historial: uns por ignorância; outros por estratégia politiqueira; outros porque estar calado ,parece bem.... .

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Há mais história- muita! - para além do bacalhau.....

Volto a esta matéria. Veio até mim um coro de indignação - provindo de vários quadrantes -provocados pela abordagem de Ribau Esteves – cataménio monstruoso - nos setenta anos do Museu .De vez em quando as pessoas sentem o insulto e a menoridade de tratamento com que os «ílhavos» são brindados por esta personagem.

Deixemos o lixo …-----------------------------------------------------------------------------------

O livro «Museu com Memória» que elogiei no Blog anterior –ponto final !- contém abordagens que ,no meu entender, necessitam de alguma fixação.

No final do livro, numa espécie de ensaio antropológico ,Elsa Peralta produz um estudo de cariz académico ,ao principio demasiadamente pesado - tantas são as citações evocadas em procura de uma roupagem para o Museu de Ílhavo- peso que à medida que o ensaio se desenvolve, é aliviado .Não sei se muitos leitores o irão levar até ao fim, Seria bom.

Algo me justifica uma observação .

A prof. Elsa insiste, um pouco, na história das cisões, dissidências, conflitos representacionais ,contidas na história do Museu, o que me parecem considerações um pouco excessivas.

Assinala o que lhe parece ser um pouco de incongruência entre o Rocha Madahil que tinha protagonizado uma imagem de Ílhavo enquanto comunidade do mar - a história mal contada do brasão –e a sua proposta de uma exposição de uma panóplia de temas ,desde a etnografia á cerâmica, passando pelas artes e pela industrias locais ,para a celebração da terra e das suas gentes. Estávamos, pois, longe de um museu marítimo, diz-nos .

Ora eu penso –e não tenho aqui o espaço para o justificar –que esta leitura pode ter um pouco de imprecisão, provavelmente consequência do entendimento do que significava ,naquele tempo ,a memória marítima, a guardar .Qual era, pois?

Em 1922,altura em que Madahil propôs, nem sempre com acerto e lógica ,o Brasão, ou em 1933 ,altura em que define as bases para o Museu ,por exemplo, não haveria ainda qualquer memória para guardar da Faina Maior, o projecto museológico em que assenta, hoje, o Museu , fazendo da mesma a memória privilegiada a salvaguardar. Porque essa faina –sublinhe-se -mal tinha(?!), naquelas datas ,ainda começado .E nem se entenderia ao tempo a relevância da nossa posição na mesma –ou até se escamoteasse a identificação com a mesma –por razões que seria interessante abordar, mas não aqui. Falo da parte da Faina Maior que ainda não foi abordada, e que inevitavelmente um dia o será ….

Na altura, a questão era, em termos de memória : dez séculos de laguna ; três séculos a desbravar novas terras, inserindo gentes completamente diferentes, no ser e no modo de estar, aqui chegadas; três séculos de migração em condições singulares, que nos identificaram como individualidades diferenciadas das restantes; três séculos de actividade numa industria em que a arte era a vocação que a distinguia, entre todas. E séculos de individualidade no trajo, de uma riqueza e diversidade notáveis, que tinham sido assinaladas no século anterior, e ainda presentes ao tempo.


Que escolha fazer ,com tudo isto ?Essa era a questão.


A preponderância de João Carlos ,e do seu pendor artístico, ou da identidade com os ícones glorificados, na altura, toda gente da borda (Thomé Ronca , Ançã e outros), eram as compreensões sobre o principal ,a que se lhes juntava a memória do traje.

Quando na verdade ,Ana Maria Lopes, na sequência de «À glória desta Faina», indica que o caminho a seguir passaria por o museu poder e dever estar melhor representado no sector da pesca à linha (1989),a ideia ,valorizada com o então recente desmoronamento daquela actividade, acontecido em anos anteriores, tornou mais premente a necessidade de a preservar ,embora se tenha tratado de um período passageiro da história , embora épico :- pouco mais de sessenta anos, numa história de dez séculos!... .Todos perceberam que esta opção seria a correcta, mas seria ainda mais correcta se as outras memórias pudessem caber em outros projectos complementares (por exemplo pólos museológicos). Induz-se do livro que para a escolha deste caminho,foi preponderante o condicionalismo das instalações, muito limitadas no espaço disponível, a exigir uma escolha de síntese museológica..

Mas pensaria A.M.L. que a questão etnográfica ligada á memória do traje não valeria a pena ser equacionada, pondo-a por isso, completamente de parte? Desconheço o que pensa. Até porque A.M.L será uma das ultimas pessoas existentes (locais) com conhecimentos suficientes –e seguros – de a sistematizar ,e até, de lhe dar corpo.

O que se passou depois ?!…

É a própria autora do Ensaio, Elsa Peralta, quem logo no inicio nos ensina que os museus são uma expressão ideológica da nova ordem politica .E quando a história chega por sua mão – por ela contada - a 2001 ,parece ter-se esquecido que foi isso mesmo que sucedeu., e nesse período entra por caminhos bem escusados, de glorificação A história do Museu, de facto, a partir dali, tomou então outro rumo, imposto por uma nova ordem politica –local – que toma a seu cargo a definição da especificidade da memória a guardar. Claramente uma definição que interessava ao poder politico aproveitar, mais preocupado com a divulgação externa da imagem do Museu, do que com identificação interna com as gentes locais .A inserção do Museu passou a ser mais fora do que dentro. Ao sobrevalorizar a Faina Maior ,esquecendo, praticamente, a memória da outra Faina, a Menor(?!)- só agora timidamente recuperada na exposição temporária da «Diáspora» - aventura com que nos identificámos de corpo inteiro ,ao contrário no sucedido, na Faina Maior ,onde isso não aconteceu ,nem de perto nem de longe, optou-se pelo caminho fácil ,que dá mais dividendos .A leitura da Faina Maior não compreende apenas a versão que dela temos dado. Já o disse por várias vezes. Este olhar, aqui, é a nossa leitura ,mas não é a única leitura.

A escolha está feita .Mas o percurso não está encerrado. Por muito que se pretenda fazer passar essa ideia

Voltaremos a falar disso .


Senos da Fonseca (Out 2007)





 

Aquilão


Foste cantado por Plínio

Quando vindo lá da serra

Trazias contigo

O perfume da urze e o cheiro da caruma.

Descendo, encosta abaixo , caminho ínvio

Sobrevoando a terra, apressado,

Para te vires refrescar na laguna


Exsudaste o marnoto

Fazendo-lhe correr rios de suor

Enquanto cometias o prodígio

De transformares água em flor,

E assim nascia o sal.

Mais do que um milagre.

Igual, só o vivido no natal!




Teu sufoco causticava

O moço do moliceiro

Que de vara ombreada

Percorria a auto estrada da borda

Na procura de um novo veiro.

Enquanto lá ao longe

Um maçarico sonolento ,acordava.




Fazias do mar ,lama

Levando contigo a «xávega»

A paragens que pareciam infindas.

E o arrais endoidado por ti

Seguia-te como à sereia

Sem saber se havia mar e norte

Ou se o atrevimento findava, em morte.

Senos da Fonseca


sábado, setembro 03, 2022

A minha visita ao S.Paio

Segunda –feira, mal ataviado e mal informado,procurei, contudo, não faltar ao encontro anual com o Orago.
Desamoirei o «Costa-Nova», essa beleza de bote de fragata (já agora aqui fica a informação, pois andam sempre a perguntar-me que tipo de barco é aquele), icei velas e, toque- toque – no caso bole-bole que o vento estava mareiro- em duas horas e meia atracava o “Costa Nova” ,ao cais dos pescadores, na Torreira.
A meio da singradura, na ilha da Testada descobri dois enormes bandos de flamingos  que, sossegados - tão sossegados que nem reagiram ao meu pum-pum! para ver se os fazia levantar, e assim admirar o deslumbrante espectáculo daqueles pernas longas ,rosados, flaps em baixo, a ganhar altura - procuravam a mariscada que lhes dá os salpicos da plumagem




                     

                                                                 Os flamingos


Chegado á Torreira, o foguetório estreloiçava no ar, avisando que a festa ainda ia a meio. E a procissão, também, pensei eu de que ….
Amainadas as velas, trincados os cabos, arrumadas as tralhas, fechados os paióis de proa e ré, olhei espantado para uma série de bateiras embandeiradas que se faziam ao regresso. Interrogado um amigo com quem regateei (?!), em tempos, no Moliceiro «O Ilhavense» - paz á sua alma e a quem assim ordenou o seu fim, o de apodrecer no cais da Bruxa - fui informado que a regata dos «Chinchorros» em que eu pretendia participar, hors – série, se tinha realizado no sábado.
Bem, engano por engano - um homme nasce p’ra ser enganado, se for que não se importe
                         

                                         cangas (inspiradores dos brochados do "Moliceiro")


Cangas há muitas!.... dizia o Felisberto, «Ógado da Inês «Mamalhuda» - que até de vaca era corno!......

 Decidi render de imediato visita ao S.Paio, não fosse ele levar a mal, a falta de urbanidade. Com santos, nada há como os não indispor. Zangados podem atirar cá para baixo, alguma maroteira.
A procissão, essa, já não ia no adro, pois tinha feito o seu percurso. Os andores jaziam já encanteirados dentro da igreja, ainda exuberante e prodigiosamente floridos, exibindo, ao lado, um dístico: Proibido roubar flores. Sem mais. 
Que raio, interroguei-me eu. Lá que se roube um Multibanco, eu compreendo. Mas uma flor(?)... Uma flor:-flor.... Não das outras, está bem de ver!.. Se ali estivesse a Manelinha Leite, aproveitava para afirmar com aquele ar de beata empedernida: - a onda de criminalidade já chegou ao interior dos lugares de culto, tudo por culpa desses maçons socráticos.
E foi então, aí, que vislumbrei o S.Paio.Não o o pequeno e mulato S.Paio, avinhado como uma linguiça, escurecido por tanto baptismo com tintol.

Este Orago tem uma história.

 

A Torreira (meados séc.XVIII) é um pouco mais nova que a Costa-Nova. Começou por ser um ponto do litoral onde se empregou a Xávega. Ora, conta a tradição que, um dia, na coada de uma das artes, terá vindo arrolado um santinho de pau, com rosto de criança .Logo foi adoptado para orago, por aquela gente da borda. Companhas sem orago, não puxa remo . O ser o orago, uma criança, até teria as sua vantagens, deveriam ter pensado aquelas gentes. Mas para o que eu não encontro explicação, é para o facto da tradição mandar verter almudes de vinho sobre a criança-santo, despejando-os pela cabeça abaixo do pobrezito. A  tal ponto que as faces rosadinhas tomaram uma cor arroxeada que mais parece provocada por cirrose de figadeira empapada em vinhaça, a que só falta, uma cebolada, para dele fazer umas excelentes iscas.
Ora o S.Paio é santo de muita devoção lá para a Galiza. E eu acredito que, aqueles que trouxeram as Artes Grandes, no séc.XVIII, para estas bandas, teriam trazido com eles o santinho, dando conta do seu feitio milagreiro. A entrega do santo deveria ter tido festa de arromba. E copos a mais. Às tantas foi um banhada. E daí a tradição foi o que foi . Mas ao que parece, já não é…

Voltemos ao rendez – vous:
No andor estava o Orago que, muito embora exiba a cara de menino, tem um corpo de rapaz espigadote. Estive tentado a dizer-lhe: -Vai chamar o teu irmão mais novo. Mas como nisto de falar com santos, não sei em que dialecto se faz, decidi antes inquirir uma santa, que, ajoelhada em frente do irmão mais velho, se lhe encomendava, confiadamente.


 


                           

                                                          O S.Paio (espigadote)

-Olhe por favor, não me sabe dizer o que é feito do santinho «bebedola»?
-Está guardado….
-Então porquê? Não me diga que têm medo que o roubassem…adiantei eu, com cara de santa ingenuidade.
-Pois olhe o senhor, que até «assucedeu», uma vez….Uns «escaramentados velhacos», quiseram levá-lo p’rá Aveiro….Mas não é por isso. É que faziam –lhe uma tropelias e o Sr Prior achou por bem acabar com elas…
O santo não compareceu ao encontro, não por sua culpa ,que até devia de gostar desta visita de um ateu, respeitoso, seu conhecido e com quem mantém bom relacionamento desde há mais de cinquenta anos. Paciência…
Como habitual dei uma volta pelo arraial da feira antes de entrar numa das muitas tasquinhas para a bacalhauzada do costume. São dois quilómetros de barraquinhas das vendas.Tudo de marca(?!): malas Versage, óculos Raybam, camisolas La Coste, Calvin Kleiner, etc. etc. Este ano proliferavam, contudo, os hair dressers a anunciar:
Fazem-se TERERÉS e RASTA
Nas vendas de roupa, por todo o lado se exibiam body’s para todos os gostos e tamanhos: vermelhinhos como as «papoilas saltitantes» do Benfica, negros como a Briosa, ou branquinhos como as pombas que pretendem engaiolar.
Dei comigo a apreciar como uma Murtoseira avantajada, daquelas que só debaixo de um capote de Varino disfarça os refegos, mirava e remirava, tirando medidas a um dos vermelhos, tipo fio dental. Não entendi lá muito bem – ou imaginei - como seria a avantajada moçoila , vestida (despida), com o bodesão a conformar-lhe as regueifas. Ainda se fosse ás riscas.O que estaria ela a pensar fazer com aquele body extra largo? Dei tratos de polé á minha imaginação ,que dizem fértil, a pensar no que seria o ataque do bode (salvo seja)
Mas a verdade é que, na feira, se encontra tudo.
Por exemplo: - eu que me vejo atrapalhado sempre quero comprar uns boxers (fino não é?!) -XL, lá, tinha ao dispor a medida XXXL. A 5€ a molhada. Não podia perder a oportunidade, até porque a marca era convidativa: «DESPERADO», assim mesmo. Elucidativo e apelativo para aqules momentos , em que, um home se vê com as ditas na mão…
Adiante que estamos a falar de coisas sérias...…
Regressei ao cais. Foi aí que deparei com um grupo especado, embasbacado, contemplando o «Costa-Nova». Claro que quando cheguei meteram conversa, inquirindo onde tinha eu ido buscar aquela maravilha. Palavra puxa palavra, e eis que do grupo, há um velhote simpático que me atira:


 
                                                               O «Costa-Nova»

-Pena é que tenha sido pintado «à moliceiro». 
Foi lamiré bastante para eu já o não largar…
-Então mestre diga-me porquê…
-Olhe: - ali e ali faltam os botões de rosa; ali, àquelas letras falta-lhe ressaimento, e no painel de popa falta a corda da embelezadura. E a bica não é pintada em preto.

Fiquei espantado: andei eu na semana passada a dilucidar sobre as diferenças, levando horas a ensaiar a dissertação, e o homenzinho, um pintor de “Varinos”, “Faluas” e “Fragatas”, explica-me, ali, tudo bem explicado, em duas penadas. Exactamente como eu pensava ser. As diferenças são, de facto, abismais.
Então abri o jogo e lá lhe expliquei que eu sabia a diferença. Só que não podia levar o barco todos os anos à Moita para ser pintado por mestre. E assim, tinha-me socorrido do que havia (do melhor!) por cá. Como não havia outros para acomparar, fiquei-me pelos mestres de cá, e o barquinho faz um vistão. Pudera…
Conversa puxa conversa, e quando dou comigo – e com o «Costa-Nova» - velas içadas, ambos desejosos de regressar para trazer cumprimentos do orago á Srª da Saúde,o CN estava em seco: encalhado, abusacado no lodaçal.

-Estou bem aviado, pensei. Agora vou passar aqui a noite. 
Resolvido lá me atirei para o lodo. E zás: fui por ali abaixo. Espetado até à cintura, eu já queria era, ao menos, saltar para dentro da embarcação . Mas o que vale é que por aquelas bandas tenho muito gente conhecida. Lá vieram quatro murtoseiros, safar-me: -a mim e ao «Costa Nova».

         A calmaria apanhou-me entre águas, e lá arrolei com a maré e com um sopro de vento, até ao CVCN.
Lancei mourão às dezanove. Tempo de tirar as arrufadas da bica da proa. O  CVCN estavaDescontraidamente lá vim para casa, todo sujo de lodo, quando ouvi uma voz:
-Onde é que vai de cuecas?!

      Então não era mesmo verdade que despidos os calções …por causa do lodaçal, eu nem tinha dado
         que vinha naquele preparo!....
           Ao menos se estivesse atento, tinha calçado as «Desperadas».
           Cumpri a minha promessa. As contas com este "santinho". ficam em dia.

           



Senos Fonseca. (2004)



  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...