terça-feira, janeiro 18, 2022

 Para mim a vida não foi cruel….(até agora!)





Hoje a conversa no Mar da Palha, estava um pouco bizarra. Cada um, já não muito longe do fim, a deitar contas ao que resta da vida. Havia unanimidade de que é sempre bom, um homem ir á frente. Como lhe compete, observei, sabe-se lá dificuldade das veredas a prosseguir.
Uma mulher adapta-se claramente ao aspecto mais terrível e cruel, que é o da solidão. Falo das mulheres das gerações anteriores, pois não sei se com os ganhos, ditos civilizacionais, no futuro, as coisas se irão processar da mesma maneira.

Medo da morte, logo que a conversa entra em maior proximidade, é já perceptível em todos.
Eu já abordei aqui, várias vezes, o tema. Eu o que tenho medo é de um dia qualquer, ter medo dela.
Porque não há objectivamente razão para eu ter medo dela, mas sim do que virá depois dela ,para os indefesos. Por muito que deixe tudo programado sei que o mundo não é bom para esses, em particular.
Chegado aqui, pouco - muito pouco mesmo - deixei ficar para trás. Tive uma vida já longa,de tão curta.Duvidei por diversas vezes que isso aconteceria, pois que a minha vida foi de uma violência física ,desmesurada ,excessiva. No cômputo geral fui feliz ( se é que se pode sê-lo, perante a realidade que nos cerca?!) .Se medir essa felicidade por mim, e em mim.Ainda que menos no que me ultrapassou. E mesmo nestas situações, consegui vislumbrar razões que me recompensaram das escolhas – ou sorte - imperfeitas, e nelas mesmo soube encontrar motivação para me superar e aceitar a missão com redobrada força interior. Capaz de minimizar os imponderáveis, para os quais não tinha (nem tenho) solução, mas contra as quais lutei como se houvesse. Nunca me rendi. Fiz até dessa situação, sem queixume nem amargura (exteriores), uma procura interior que me fez perceber melhor que a franqueza e a fraqueza não admitem partilha.
Amado por uns odiados (?!) por outros: de há muito que me vem sendo dada(colada) esta qualificação com a qual passei a conviver, ainda que com ela não concorde.Não é minha. Exagerada, pura e simplesmente.
Mas , se tiver algo de verdade ,então já agora ,
Aos primeiros dei-me, mas não todo. Reservei sempre uma parte de mim mesmo, que nunca deixei antever. Por instinto de precaução. Para que se doesse, doesse menos. Por isso creio que fui mais «amado» do que aquilo que dei em troca. Foi bom. Porque, repito, não dei tudo, tendo recebido muito mais.
Aos segundos pareceu-me que não é bem «ódio» mas apenas irritação por eu nunca ir atrás deles para me poderem exibir a seu lado. Nunca soube nem me quis mudar para sítios ensoleirados: preferi sempre ficar no meu sítio: - onde mora a fantasia, o sonho utópico que me inquieta e me transforma no mexeroto que gosto de ser.Mais a viver do instinto que do acto mental.
Não tive momentos cruéis a toldarem-me a alegria de viver, salvo o desaparecimento, um a um, dos que me eram próximos. Mas mesmo essa sucessiva repetição dolorosa, aceitei-a como inevitabilidade tirana da vida. Não me revoltei contra ela (por essas serem as regras do jogo), nem contra NINGUÉM, porque só me queixaria se antes LHE tivesse agradecido a dádiva (o que nunca sucedeu).
E sempre nesses actos compreendi que era melhor que tivesse sido assim, por aqueles que ali estavam, no final, já não eram os meus. Já nem sequer percebiam que eu era, ainda, o seu.E quando assim é, não é vida, é morte em vida. Sem serem cruéis, esses momentos foram terríveis estados de alma, amargos, quase ininteligíveis para a compreensão dos que me rodeavam. Eu queria amparo; o que me ofereciam era desamparo, no aconchego do tem paciência é a vida.E eu sem saber, uma vez mais, porque é que se tem de ter paciência com a vida, tive-a.
Quando deixei a vida activa, preocupei-me como ia percorrer o tempo que restava. E foi agarrando-me à construção de palavras que percebi que caminhava bem mais despreocupado do que antevira, por finalmente poder perceber muita coisa que a lufa-lufa da vida me tinha deixado escapar. A escrever, embora isolado do meu semelhante –eu!.., um obsessivo do convívio! -, parece que O visito todos os dias, para lhe dar conta dos meus desencontros, talvez para me perder ainda mais.
Uma coisa é certa: -Não mudo.
Porque já não tenho tempo para isso. E mesmo que o quisesse fazer, estava certo que a caneta não mo deixaria fazer. Porque então, tudo o que dissesse era mentira.
E no momento mais crucial do dia, que é quando me olho, de manhã, ao espelho, ao não me encontrar comigo, tenho a certeza de que não descansaria enquanto não me fosse procurar por entre o lixo da mediocridade.
Senos da Fonseca

sexta-feira, janeiro 14, 2022


 



Integração do Concelho de Ílhavo no de Aveiro. Desanexação



Em 1865, à profunda crise política viria juntar-se a pior colheita agrícola de sempre. O desemprego e a criminalidade atingem níveis nunca alcançados. O país via nos suicídios individuais que grassavam por todo o lado, a aproximação do suicídio colectivo. Os tumultos surgem por toda a parte, em particular pela região de Aveiro, com o povo a indignar-se contra o imposto de consumo, entretanto criado. Tentado um plano de emergência e de estabilidade, não se vislumbraram, contudo, quaisquer consequências positivas. Importadas do exterior vão chegando as críticas demolidoras do liberalismo. Oliveira Martins é um dos arautos da transmissão desse estado de espírito, acusando os políticos, o parlamentarismo e os partidos, de serem a causa de todos os males. A política, afirmava-se, quando petição partidária e parlamentar, era um estorvo, sendo por isso preci- so, inadiável – apregoava-se nos últimos anos do século – engrandecer a realeza para a transformar no poderoso agente da civilização, necessá- rio para defrontar os novos desafios. Era assim justificada a necessidade de um novo governo que, apoiado na autoridade real e sustentado pela apoio e pela adesão das camadas populares, fosse capaz de pôr de lado as práticas conciliatórias, empreendendo reformas vigorosas, muscula- das, que permitissem ir de encontro aos interesses instalados. 

Desta situação irá surgir, de novo integrado num governo regenerador, João Franco, que assumirá papel determinante na função legislativa, ainda que levada a cabo com o parlamento encerrado o que pré-configurou a prática de uma ditadura, desculpabilizada com o facto de ser provisória e condicional. João Franco vai assim proceder a uma profunda reforma administrativa com que pretendeu acabar com os influentes e com o interesse dos campanários, na qual, para lá das mudanças no ensino, reformulou o exército, estabeleceu quotas de representação no parlamento e introduziu profundas mudanças cons- titucionais. Assim classificou os concelhos por ordem (primeira, segunda e de terceira categoria), fixando que os pequenos concelhos sem capacidade para satisfazer as necessidades básicas deverão ser agregados aos maiores. É nesta mudança, neste novo panorama administrativo, que se irá decretar a inclusão do Concelho de Ílhavo no de Aveiro. 

Para a esquerda progressista, os concelhos deviam ser comunidades independentes. Para Franco, positivista, o que contava eram os factos históricos: os municípios e paróquias só faziam sentido conforme tives- sem, ou não, recursos para prestar serviços de modo a poderem cumprir uma função social. Por isso, na sua ideia, haveria que acabar com os municípios inviáveis, integrando-os nos grandes municípios. 

Mas o que a reforma administrativa – que centralizou o país em trinta e três círculos eleitorais – visaria seria, acima de tudo e fun- damentalmente, controlar o voto, no sentido de que a votação dos grandes centros urbanos não fosse pulverizada pelos voto rural (normalmente reaccionário, clerical). 

O Decreto de 28 de Março, revogando a Lei Eleitoral, vai permitir  que a área dos círculos eleitorais coincida com os distritos administrativos, com o que se pretendeu conceder representatividade às forças minoritárias. Para conseguir esse desiderato, alguns pequenos concelhos são anexados aos concelhos mais representativos da área. 

O Decreto de 21 de Novembro de 1895 vai nesse sentido fixando a anexação do Concelho de Ílhavo por Aveiro. Em acta da Câmara Municipal de Ílhavo dessa data4 dá-se por extinto o concelho, de que era na altura presidente Augusto Oliveira Pinto e vereadores João César Ferreira, Henrique Cardoso Figueira e José Maria da Silva Valente, nomeando-se para administrador na nova orgânica, o Dr. Mário Duarte (conhecida figura do desporto aveirense, que contava em Ílhavo com grandes amizades). 

Naturalmente, e apesar disso, o facto não foi bem aceite na terra, tendo-se formado uma Comissão para a Restauração do Concelho, cujos ecos se fizeram ouvir em toda a imprensa da região e chegaram ao parlamento. 

A integração iria durar pouco tempo e não teria nenhuns efeitos perduráveis. A situação económica e financeira do país piorava e era já previsível a queda do governo de Hintze Ribeiro e João Franco. A Lei Eleitoral já em 1896 fora corrigida; Franco reconheceria que a sorte dos Governos dependia da prosperidade do País. O próprio Luís de Magalhães, ilustre aveirense, seu amigo, ter-lhe-ia afirmado: tenho graves dúvidas sobre o êxito da sua politica. 

Portugal definhava e o rei D. Carlos concluiu que aquele governo já não tinha qualquer préstimo. Nem para o rei, nem para o país. 

O governo cairá a 6 de Fevereiro de 1897. Era o fim de quatro anos de governo regenerador e o regresso do Partido Progressista com José Luciano de Castro. 

Por Decreto de 15 de Janeiro de 1898, o concelho de Ílhavo será novamente reformulado e recupera a sua autonomia administrativa. Forma-se nova câmara; a primeira acta pós este período de anexação data de 28 de Janeiro de 1898, sendo o cargo de presidente ocupado por Ferreira Pinto Basto. 

Nessa data, o ilhavense José Barreto* dedicou ao acontecimento um soneto que, por curiosidade, aqui se reproduz: 

“Assente sobre um vasto e fértil plano, 

Em ruas amorosamente repartida, 

De estradas, largos, praças, guarnecida,

 Com mui saudável clima em todo o ano 

Perfumada pela brisa do Oceano 

Por aldeias Formosas envolvida 

Mãe de nautas valentes, cuja vida


É um poema d’ingente esforço humano 

Marítima, piscosa, industrial, 

Formosa, alegre, activa e ilustrada 

De importante labor comercial, 

Este é d’Ílhavo a terra abençoada

 Hoje enfim, do concelho a capital 

Esta é a ditosa pátria minha amada” 

* José Barreto foi um ilustre ilhavense, indivíduo muito talentoso, actor nas peças O Camões do Rocio, Côroa da Loira, Opressão e Liberdade. Ironista admirável, poeta satírico de merecimento.


Senos da Fonseca



  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...