sábado, dezembro 23, 2023


 NATAL




O relógio não pàra

O tempo corre

Neste dia, frio e zangado,

A ria palheteada de prata

Parece cansada

Na sua peregrinação

De tanto correr para o mar.

E eu também cansado

Fico a desouvir  o mundo

Onde reina humana expiação.

 


É frio este entardecer,

Não vale a pena fingir

E rezar por mim.

Não, não o faças.

Cheguei à vida

Porque assim quiseram.

Cheguei a sorrir...

Eu não sei bem se o desejava.

Não sabia que ia cumprir

Um fadário em que me negava

Mais fazer pelos outros

Que por mim não ser.


 

Hoje sonho

Noite de magia

Em que nascesse  de novo;

Não  para ser mais o menino

Mas para ser o “Homem”

Que com a palavra derrubasse o muro

Para que por ele passassem

Aqueles para quem não há presente,

E muito menos futuro.


Quereria ainda, antes de partir

Ter a doce ilusão

Uma ilusão do tamanho

Do  meu eu

Em que a humana pequenez

Do espoliado revoltado,

Ferisse a «fera» do mundo avultado.

Para que  quando a manhã nascesse

Não houvesse ricos nem pobres,

Manhã onde o Homem se afirmasse

Querer ser sem condições

A poder olhar livre, em todas as direcções.


 

E quando hoje deixasse de ser hoje,

Este obscuro poema

Transformado presépio real

Pudesse mostrar  ao mundo:


Afinal sempre há  Natal!


Senos da Fonseca


sexta-feira, dezembro 22, 2023

 O chocante problema dos “sem abrigo”... ainda .mais chocante nesta época


Confesso não compreender (ou melhor,não aceitar) este  chocante(e insultuoso) problema dos “sem abrigo”.E se me permitem conto um caso que vivi, e me vem à memória, perante o número de “sem abrigo” que é anunciado existir no país, anunciado  nos canais televisivos(nos intervalos dos futebóis).



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Um dia recebi um telefonema da « Zeca » (Maria José) a dizer-me:

–Anda comigo ali abaixo da ponte, pois disseram-me que está lá uma família sem abrigo em condições miseráveis.

Claro: fui logo. E numa curta caminhada,no terceiro pontão, encontrámos a família.

O que fazer (?!), perguntei eu..

Para já meto-os numa casa do CASCI (o Casci então tinha várias casas onde acolhia famílias em extrema dificuldade).



E logo veio a carrinha buscar os “trapos” e levámo-los para o CASCI.

E agora....?

– Anda : vamos ali á Gafanha da Encarnação ,há lá um terreno com uma casita, vai-se comprar e recuperar...

Dito e feito. E a « Zeca » nem confiou nos ”dotes” do irmão e incumbiu o João Cura de fazer a “planta” de recuperação do casebre,  batidas as notas e  assim comprado o sítio.

(permitam-me desabafar...)

Nunca por nunca, acredito, em Ílhavo (concelho), poderia haver um sem abrigo..

Fosse cigano, negro ou branco, ou de outra qualquer etnia, que fosse ( nesse tempo da Zeca....).Nem o problema chegava a tirar um minuto de sono aos “abusacados” edis.

Houvesse o que houvesse, ninguém ficaria na rua sem abrigo, ou sustento. 

A lista dos que iam diariamente buscar alimentação ao CASCI, ainda no tempo em que por lá passei, era relevante (e creio que continuará a ser).

Por isso, não compreendo, nem aceito, este problema chocante, impensável, revoltante.

Como pode uma Câmara (seja qual seja) optar no seu domínio de intervenção por atitudes falaciosas, festivas, de sumptuosidade bacoca, e permitir deixar subsistir este problema?),ao tempo que ilumina as suas ruas e pracetas com BOAS FESTAS...

Senos da Fonseca



quinta-feira, dezembro 21, 2023

 Eu e a minha má relação com os «Natais» 

Gostaria de viver utopicamente num mundo onde não fosse necessário haver «natais», para, por vezes  e só aí, nos lembrarmos para fora. Para todos os que nos rodeiam. Uns para quem olhámos mais, não precisariam de…. Outros apesar de tão próximos, nem demos por eles.

Parece que só no Natal, nos apercebemos de que durante o ano errámos (inadvertidamente?!) os gestos.

Bem: valha-nos, ao menos, termo-nos apercebido, momentaneamente, disso.

Os «natais» foram sempre (para mim) tempos de grande amargura. De mal-estar e inquietação. Tempo de avaliar que, o que fui fazendo, quase sempre esteve em desacordo com o que queria realmente fazer. Ou pelo menos longe…..

Afinal olho para trás, e concluo: fui um acomodado.

Aqui chegado, concluo que não vale a pena ter pena de mim por me não atrever a mudar.

Também nos meus «natais» havia pratos fingidos, postos em cima de toalhas fingidas, com trenós e renas. fingidas, cheios de vitualhas que, fingidamente, se acreditava existirem em todas as mesas. Porque o fingido «Pai Natal», não cometeria o sacrilégio de as dar só a alguns.... fingíamos!!!!

Andei uma vida a prometer-me, que, um dia, iria finalmente para um qualquer lado, onde houvesse um qualquer rio, para nele voltar a pôr a navegar os barcos de papel que levavam as pedras preciosas dos meus sonhos de criança.

Agora que já não há rios, nem barquinhos, e muito menos sonhos, abstraio-me, esperando que as horas corram. E minimizo, aqui e ali, pontualmente, as coisas. Como já não estou em lugar algum que me permita modificar seja o que for, não o altero. E não me incomodo. Vou para a cama sem projectos .

 E percebo então porque há muitos que dormem sempre bem !São os que andam uma vida a acreditar que os «pais natais» chegam e sobram para resolver os problemas dos outros....

SF - Natais

Imagens:  « natais »   &  Natais




 & Natais

terça-feira, dezembro 19, 2023

Na Sociedade de Geografia


 Tive ontem, o grato(e honroso)prazer de participar na apresentação do meu último livro ” Saberes  que Tornaram Possíveis as Grandes Navegações Marítimas Portuguesas”, na Sociedade de Geografia ,numa iniciativo da Comissão de Estudos  “Corte-Real.

Tive o grato prazer de encontrar(na S.de G.) um bom punhado de ”ílhavos” exercendo a sua actividade na capital que, muito me sensibilizaram ao comparecer, e participar, no evento, “apoiando-me” ...

                        

Ao Presidente da Comissão de Estudos   “Corte-Real”,Alm. Henrique Fonseca, e ao apresentador do livro, o eng/historiador Mattos e Siva, os meus sentidos agradecimentos.

Não poderia (seria ingratidão imperdoável) não referir a disponibilidade do Presidente da Câmara de Ílhavo que, voluntariamente, sem que lhe fosse solicitado, pretendeu acompanhar-me. E estar presente na apresentação do livro. Ficou combinada a ida. Uma mudança súbita do programa (pelo meu lado) obviou à sua presença.

E também não posso deixar de sublinhar, e agradecer, a presença(inesperada) do Arnaldo Russo, que me surgiu, ainda em Aveiro, e foi companheiro inseparável do dia do princípio ao fim. Por razões perfeitamente justificadas e entendidas, a Directora de “O Ilhavense” não pôde estar presente. Sei, contudo  que, solicitou a amigo presente no evento,notícia para o jornal. Agradeço à D. Maria Helena e ao Comandante Rodrigues Pereira, notável historiador e grande amigo de Ílhavo e suas gentes, o facto.

E pronto. 

Hoje, logo manhãzinha, foi-me dada a notícia de que os livros se esgotaram todos, auscultando a possibilidade de mandar mais alguns para venda....

Tenho pois razões para estar satisfeito.

Totalmente? Não...nunca atinjo esse limbo. Mas o suficiente para perceber que o caminho escolhido esteva certo. Se mais não fiz, não foi porque não desse o máximo de mim. Distraí-me com outras escolhas de vida.....(em boa verdade ,vida cheia a extravasar...)

A todos, pois, o meu muito obrigado

Senos da Fonseca



sábado, dezembro 02, 2023

              LEMBRANDO–TE....


Fazias hoje 86 anos.....

Onde quer que estejas, sei que entenderás, porque sempre nos aprendemos a descobrir nos pequenos gestos ou nos tiques, indecifráveis para os outros, evidentes para nós.

Tenho uma vasta, dolorosa e amarga sensação de estar, agora, tão só (!). Já todos se foram; e não sei porquê (?), deixaram–me para trás, como que para guardar a vossa memória. A mim que era o mais frágil, a quem prognosticavam vida breve.

Retrocedo no tempo em Vossa procura. Nem isso me vale. Parece que, ao fazê-lo, me é ainda mais nítido que o processo de desintegração já começou. Procuro a lógica de tudo, até da tua partida. E só encontro um sentido para a paz que encontraste, aquela paz que nunca por cá, tiveste. Aqui, neste mundo de desigualdades – cada vez mais desigual, trágico onde apenas os canhões suportam a revolta dos mais fracos–  ,Tu nunca a poderias ter encontrado. Fosse o que te rodeasse – a Ti, chegava-te. Era impressionante como tudo (o pouco ou o nada ) Te chegava, indiferente que eras a qualquer tipo de necessidade vã. Só que o problema não eras Tu, mas os outros. E para os outros, nada era suficiente para responderes ao que sentias ser-lhes necessário - e devido. E por isso não havia “guerra” que Te fartasse.


 



 

Recordo que, no dia da tua morte (25 Novembro 2007) ,o sino não tocou .Não porque não quisesse –os sinos sabem por quem deverão dobrar -,mas porque Tu não quererias .Querias, isso eu tenho a certeza ,que, ao outro dia , chamasse a rebate.  Chamasse todos!.. a continuar o que sempre, e só, soubeste fazer : - a distribuir solidariedade a rodos .Como ninguém nunca o fez (ou fará !!!) na (tua) terra que fede, cada vez mais, insuportavelmente, ao individualismo egoísta , Boa madrasta mas mãe esquecida. Hoje, por cá,  faz-se  parecer que se faz, mas nada  um  faz, fazendo. À excepção do blá-blá...

Pareço hoje encurralado; sinto-me a última rês a preparar-se para o abate. Quando a morte bater de novo à porta, não posso mandar ninguém ir abrir, tenho de ser eu a franquear-lhe a entrada.

Sinto-me, pois, subitamente envelhecido; desamparado de um modo irremediável. Como que amarrado a uma solidão onde me faltam todos os que me rodearam no sonho. Sinto-me só, ao não poder partilhar a responsabilidade com mais ninguém. Puseste-me a ser o número um (!) da família.  Parece que o mundo me caiu em cima, como um pesadelo que oprime e tolhe.

Parece – e não entendo este súbito parecer –que havia restos de infância, ontem ainda, que hoje desapareceram de vez, irremediavelmente. Todos passaram, não a ver-me como o mais novo,mas a ver-me como o ultima abdicatário destes irredutíveis ,que quiseram ser ,só e apenas, não indiferentes.    

As árvores morrem de pé ,..
  (....)Bem vistas as coisas assim foi: foste autêntica até ao fim. E isso–  perdoa que Tu diga, mas Tu até o sabias –era o que eu queria que tivesses sido. E sacontecido .Neste mundo que não tem moral ,nem vergonha, em que a vergonha se transforma em impudor, sem ética, não transigiste, nem sequer foste cadavérica em vida .Soubeste até ao ultimo dia erguer o teu fardo á altura da cilha do burro; os outros preferem que o burro se ajoelhe para o depositar, e fazerem de conta que estão cansados .Cansaço foi coisa que nunca vislumbrei em Ti.

E sabes o que “lhes” rói a alma?: -é que mesmo na sepultura irás prolongar a tua razão .A razão da tua vida. Dia a dia, ela será mais evidente.

Acertemos as nossas contas. Se em alguma coisa não fui capaz de Te acompanhar como merecias, foi não ter –nem manter –a Tua UTOPIA.
Por vezes, até, ta censurei (por excessiva); porque não acreditava que depois de tudo, ainda a mantivesses, intacta. Mas no fim percebi porque a tinhas –e a mantinhas intacta –apesar de todos os desaforos que foram desabando por cima de Ti: o Teu mundo tinha horizontes que o meu não enxergava.

Até sempre … 

João
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Nota. No  pretérito dia 25, fui por mero acaso ao CASCI: Do cemitério vinha uma tua antiga colaboradora acompanhada de alguns dos teus “miúdos”. Vinham do cemitério .O Helder lembrou que era o dia em que os deixaste, e eles quiseram, por iniciativa própria ,levar- te uma flor.  J


  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...