segunda-feira, setembro 20, 2010

O «BARCO DE LANHEZES»

O 2º Encontro de Embarcações Tradicionais do Rio Lima despertou-me a vontade de rever Viana, uma cidade de que guardo gratas recordações.

Num dia espectacular o Rio Lima estava majestoso. Embarcações tradicionais deste rio , muito poucas. Propriamente do rio Lima só o «barco de Lanhezes». Recuperação notável de uma embarcação de carga, de 13,5 m de comprimento, que no passado, segundo relatado, teria chegado aos 20 m. Na dimensão dos 13,5 m calculo que terá um deslocamento de cerca de 5 ton. Era uma embarcação usada no transporte, de pessoas e carga, «rio abaixo rio acima» ,deslocando-se com as marés (ou à vara) e aproveitando ,de manhã o vento leste para descer o rio com a vazante e, pela tarde ,enchendo a vela quadrangular com a aragem do norte que encana, rio acima.





«Barco Lanhezes» com Construtor Embarcado( Foto: AML)

Trata-se de uma embarcação esguia – barca - de casco trincado, envergando uma original (e complexa) vela de pendão, manobrada por seis escotas que se vêm fixar nas cadilhas ou fueiros (peças de madeira desmontáveis para permitir o uso de varas).

A embarcação é muito abicada de proa, tendo na ré um painel de popa que não ultrapassará os 0,40m.Neste inserem-se as fêmeas onde trabalham uma porta de leme de cana, de feitio muito estranho mas e também muito curioso.




Porta do leme da embarcação (Foto AML)

Olhando para a embarcação assaltou-me a ideia de que esta curiosa e um pouco tosca embarcação teria sido claramente inspirada nas embarcações nórdicas, que, se sabe visitaram, perpetrando pilhagens sanguinárias, nos rios Lima e Vouga antes de aportarem a Lisboa .

Na cavaqueira com participantes do «Encontro» ,alguém sugeria que tinha visto embarcações semelhantes(com casco trincado)na Ria de Aveiro. Apressei-me a desfazer o equivoco. Na Laguna não há, nem houve, embarcações de casco trincado para lá dos «Dories».Mas estes não são embarcações da Laguna.
Ora curioso é que o construtor da embarcação estava presente .Assaltado por um pressentimento perguntei-lhe como se desenvolve a feitura do casco, na construção. E o meu pressentimento confirmou-se com a resposta .Tal como os nórdicos, primeiro dava-se a forma aos tabuado trincado e só depois se colocava o cavername(shell first). Claramente o contrário da técnica naval Lagunar, esta de inspiração árabe(skeleton first), onde se parte da ossatura (cavername) da embarcação para depois lhe aplicar o tabuado encostado.



O casco trincado(foto:AML)

Voltei então, de novo, a deter-me sobre outros vários pormenores aspectos que me despertaram intensa curiosidade.

A embarcação está feita com muito respeito histórico. Percebe-se que a feitura da mesma denota um certo empirismo, mas recupera com fidelidade histórica aqueles barcos, pelo menos como seriam no século XIX (extinguiram-se no segundo decénio do Séc.XX). A duvida que me assalta é: -teriam sido sempre assim, desde tempos remotos?

A manobra da vela de pendão é exactamente reproduzida. Amarrações,escotas,aparelho, poliame, adriças, cadilhas, etc, tudo relembra, em rigor, as embarcações normandas. Mas o que mais me chamou a atenção foi a troça (aconchego da verga ao mastro) executada por dois cabos atados na verga que se vão inserir numa peça curva de madeira que corre aconchegada por aqueles, ao mastro, facilitando a subida (ou descida) e a mareação da vela.



Vela de pendão e aparelho de manobra(Foto AML)

Se as semelhanças são assim tantas, porque motivo não teria a embarcação, originariamente, as duas bicas(proa e popa) ,sem existir painel de popa? (Afirma o construtor e quem o ajudou, que, de facto, parece que os barqueiros mais velhos falavam que antigamente os painés de popa eram muito reduzidos, quase inexistentes ).Exactamente! O que veio ao encontro do que deduzimos.



«CADILHAS» (Foto AML)

Admitimos, que, provavelmente, esta embarcação oriunda de tempos remotos poderia ter usado espadela lateral , originariamente, em vez da actual porta de leme(que praticamente não permite manobra). E (admitimos)que só posteriormente, para facilidade de manobra, se terá mudado a espadela para a porta de leme prolongada para ré ( com muito pouco calado e por isso má manobradeira) trabalhando no estreito painel de popa.

Esta embarcação despertou-me, pois, muito interesse. Explico desde logo as razões.

No livro que sairá em breve «Embarcações Que Tiveram o Seu Berço na Laguna» ,abordo e ensaio uma teoria onde refuto as influências nórdicas nas embarcações Lagunares que Jaime Cortesão(e outros citadores),sugeriram. A meu ver as semelhanças das embarcações lagunares são ténues demais para tal se poder afirmar.

Ao contrário ,no caso do barco de «Lanhezes» não tenho qualquer dúvida da influência. Aqui sim: - a influência é evidente demais para sequer se duvidar. Algumas dúvidas sobre visitas normandas ao Vouga, restam certezas de visita daqueles irredutíveis povos ao rio Lima.

Não pude estar presente ao Colóquio. A Ana Maria Lopes marcou presença, Espero que traga mais informações e fotografias para as quais a câmara do telemóvel não é bastante.

Remato : - tudo o que acima refiro é puro domínio de especulação minha, pois nunca tinha visto a referida embarcação. Desconheço se outros ensaiaram (já) estudos mais aprofundados que clarifiquem a questão.

Os nórdicos teriam visitado a Corunha e o rio Lima aquando da terceira investida para o Mediterrâneo (966-971).Considera-se que nos locais onde fixaram arraiais ,o máximo de estadia não terá ultrapassado os três anos. Nos Knarrs traziam pequenas barcas para remontar os rios.





Réplicas de pequenas embarcações vickings para trabalho nos rios.

Teria sido tempo de contacto suficiente para transmitir conhecimentos ?


Réplica pequeno «Knarr» vicking.



Nota : Fotografias cedidas gentilmente cedidas pela Ana Maria Lopes que esteve presente no Encontro.

SF



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