quarta-feira, maio 11, 2022

 



FREDERICO DE MOURA



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Ora Frederico de Moura foi um exemplo superior dessa inquietação permanente, apostado numa aprendizagem contínua e prolongada, em verdadeiro sacerdócio « de colher  muito, de muitas coisas». A  formação assim conseguida  enraizava-se   na ânsia desmedida de  conhecer -e dar a conhecer – o resultado do permanente  «diálogo» que travava  com os mestres,em  cujos livros,  insaciavelmente, abafava a exegese do saber   e  que, depois, incapaz de os «pôr em reclusão» só para  gozo intimista , vertia-os de uma maneira viva e apaixonada sobre  os  companheiros de vida ou, tão só, de esporádica jorna .Tudo e todos, lhe mereciam o acto  fraterno de partilha . Discorria com uma segurança incrível, não programada, genuína e de momento,  com uma  referência que ia da clareza e disciplina metódica de  Descartes,  à filosofia critica   de Kant ,ou ao koinos –logós  Socrático , numa  imensidão temporal  povoada de referências a  «quem pensou e por isso existiu» ; ora  rumando a um outro campo,para aí  patrocinar «providência cautelar» contra (alguma) novel   literatura de cordel   escanzelada, se  confrontada com a  arte dos Senhores de Seide ou  de Tormes,de Sernancelhe ou  de Anta . Deleitosamente sensível  à criação artística , Frederico de Moura não perdia a ocasião, se ela  se ajustasse ao momento ,de nos dar conta  do contexto económico ,religioso e social vertido na linguagem do maneirismo de Domenikos Greco ,ou, levando-nos pela mão para a “Aula de Anatomia” de Rembrandt, ou ainda , maliciosamente,  descrevendo-nos  as obscenidades de “Las Majas”  de Goya ,   sublinhando-nos a atmosfera –temporal e espacial -  em que se teriam  desenvolvido as mais belas peças saídas do génio artístico do Homem. E quando o voar tinha tectos mais baixos, sublinhava com « ternurenta » amizade a teia, díspar mas frutuosa,  em que se enredou João Carlos, colega de proscénio na profissão e  na cultura , degustando  com requinte de apreciador insaciável  o multifacetado empenhamento do «ílhavo», na resposta aos sinais que lhe inundavam a imensidão da   inquietude  artística. Que procurava satisfação nas mais variadas formas em multifacetados   ensaios  (pena ,goiva ou simples lápis)       

Difícil é, em Frederico de Moura ,distinguir o homem do intelectual, pois nele as duas afirmações  conviviam em permanente e absoluta simbiose .Mostrou uma insaciável disponibilidade para tudo quanto à condição humana  se põe em desafio, assumindo o desassossego de uma alma inquietada pala necessidade do renovo permanente do «sujeito» da mesma .   

Era um espírito «em  graça» de recolha de impressões   maravilhadas  da natureza Nesta , deteve-se  em  particular atenção  ao espaço geográfico onde fincou as suas  raízes . Desconfio que ninguém –e foram muitos e grandes que o tentaram fazer – descreveu, como ele, o Homem da Laguna no confronto suado  com a paisagem. Um dia confessou-me emocionado ; “Sabes – disse-me  enquanto  vertíamos o olhar deslumbrado sobre os tons em constante mutação, que a ria nos ia exibindo  –das coisas de que levarei saudade quando me for ,é da maravilha desta ria que me preenche o ser e me desperta o afago de todo o meu olhar”. A admiração é o principio da ciência de todas as ciências ;mas é-o também da própria transmissão dessa ciência..Isso era –Lhe intrínseco…

Tinha uma minúcia de observação  para a paisagem humana contemporânea   , vincada  nas pinceladas impressionistas com que retratou, numa perfeição  estética sublime, figuras  que o tocaram  profundamente. Tinham um fio comum esses retratos que nos legou : exaltavam com a mesma força com que o escopro deixa ruga na pedra ,   numa minúcia de observação e  de rigor anatómico , de um  modo objectivo,probo e escrupuloso , os valores vitais dos biografados , catando minuciosamente os sinais com que  justificava a impoluta compleição moral ,intelectual ou humana do retratado.    

Foi um Homem fiel ao   Povo da Terra  que serviu em sacerdócio de  entrega, com um grau de  competência invulgar .Mais do que invulgar : notável, a excepcional bitola profissional que lhe era reconhecida por todos os Colegas com quem convivia de perto ;mais ainda ,  por muitos daqueles com quem ,por razão profissional , longe do seu meio , conferenciava . 


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Senos da Fonseca 

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