O Aveirense
Fernão Oliveira: simplesmente um génio.
Quando criamos um livro obrigados a consultar várias matérias, estudando novos perfis (ou aprofundando já conhecidos), não temos tempo a conceder a certos factos ou figuras que nos surgem e que nos despertam viva atenção. Deixamos então, “para depois”, uma procura, uma investigação sobre a personalidade ou facto que nos captou a atenção, para um estudo mais aprofundado.
Assim aconteceu na feitura do livro “Saberes que tornaram possíveis as Grandes Navegações Marítimas Portuguesas”. Ressaltaram-me entre outras, as figuras de Piri Reis e do “aveirense” Fernão de Oliveira.
Deixemos Piri Reis para outra emposta e abordemos Fernão de Oliveira.
A genialidade em Fernão de Oliveira torna difícil a abordagem à sua personagem , tanta é a obra espalhada por saberes tão diversos, numa vida tão irrequieta e inconformada Homem inquieto e irrequieto, resistente às tentativas para o fazerem calar e soçobrar, difusor de palavras amargas, permanente gerador de conflitos criados pela sua notável inteligência, toda esta truculência é acompanhada pela feitura de obra impar, em matérias de que é percursor a nível nacional e ou e até, europeu.
Difícil um especialista numa só matéria, analisar toda a obra por onde Fernão Oliveira fez “navegar” o seu conhecimento.. Estudos feitos foram quase sempre de análises fragmentadas, num ou noutro ramo de saber, difundido nos escritos de Oliveira. O seu feitio onde reinava em excesso, a intuição e indisciplina (mas simultaneamente supremos tiques de génio), fê-lo dispersar-se por matéria muito diferentes, por vezes nada tendo linhas de rumo comuns, ou próximas.
A abordagem à necessidade de “criar” uma nova língua portuguesa que fosse o suporte do “império” em formação, afastando-a tanto quanto possível da mão latina, tendo sido a primeira abordagem gramatical portuguesa, anterior a outras tentativas de autores de quinhentos, tem sido das obras sobre as quais mais se têm debruçado os estudiosos linguísticos, sendo Oliveira reconhecido (apesar de algumas imprecisões técnicas) como um dos gramáticos mais originais de toda a Renascença.
E se os seus trabalhos sobre a “História de Portugal”, são talvez, dos menos apreciados pelos especialistas que lhe têm dado atenção, já a “A Arte da Guerra do Mar” o único tratado de estratégia naval alguma vez editado em Portugal, sendo unanimemente considerado a mais perfeita obra sobre assuntos bélicos”, (Silva Ribeiro) e o folheto “Ars Náutica”,são reconhecidamente trabalhos de vulto que lhes garantem lugar sem comparação no espaço europeu.
O “Livro da Fábrica das Naus” ( estudo detalhado da concepção de carenas – o primeiro tratado científico de construção naval surgido em todo o espaço europeu) é considerado, por especialistas nesse domínio, “ como nenhuma outra obra, ao tempo, dada a sua abrangência e aprofundamento ,”repositório metódico de todos os conhecimentos então havidos sobre construção naval”. (H.Mendonça).Seja qual for o ângulo de apreciação do livro “A Fábrica das Naus”, há acordo generalizado de nos encontrarmos sobre um trabalho onde ressalta um certo “experiencionalismo” na teorização da construção naval (saber, regulamentação, léxico, tradição “que parte de um conceito de arte em “teoria geral da construção naval”), num alcance disciplinar vasto. Logo no introito, Oliveira afirma: esta arte em regras, e preceptos ordenados, e claros, de maneira que os possa entender, e usar toda a pessoa “.
O livro sobre a viagem de Fernão Magalhães, escrito 30 anos após a conclusão da viagem, não deixa de ser um valioso trabalho. O prólogo explicativo (da autoria de Fernando Oliveira), permitiu-lhe um enquadramento histórico e ideológico do audacioso empreendimento do experimentado navegador português. O autor, no manuscrito, pareceu reduzir a sua intervenção no fazer História, considerando que lhe compete o acto de historiografar a contextualização os factos e o rigor. O manuscrito, é pois, uma narrativa factual caucionada por um testemunho pessoal de um participante na viagem de circunavegação .
Para lá da importantíssima obra literária Fernão Oliveira, impressiona descortinar na sua multifacetada personalidade: um verdadeiro aventureiro. Talhado para uma educação religiosa praticante (iniciada no Convento de S.Domingos, em Aveiro, e depois enviado para o Convento de Évora da mesma Ordem), Fernão Oliveira não tarda a escapar à reclusão conventual. E dai em diante, irrequieto, ávido de saber, de estudar novas línguas, conhecer técnicas da arte naval e da guerra no mar, de participar em viagens que quase sempre terminaram em cativeiro de que, espantosamente, se consegue livrar pelo aproveitamento e como “troco” que os seus notáveis conhecimentos, Fernão Oliveira não deixa de criar inimigos de estimação que o levam à condenação pela execrável e impiedosa Inquisição que, contudo, se mostrará insuficiente para se opor à sua fuga da masmorra, e de novo partir à aventura. A vida de Fernão de Oliveira seria guião a notável documentário de prodigiosa vida aventureira, enquadrando a pioneira produção literária (aqui e lá fora), prenhe de riqueza e diversidade em múltiplos e variados saberes e ofícios. Verdadeiramente um espírito genial de que Aveiro se deve orgulhar, a justificar evocação histórica ,adequada e compatível com a grandeza da figura.
Senos da Fonseca-Set 2023
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