E hoje a noite apossa-se de mim.
Desta minha janela, lugar de privilégio que idealizei e fiz para mim (e para mais ninguém) vejo acontecer a tarde estranhamente escura. Plúmbea, tristonha, toldada de uma luz pardacenta que parece – só! – existir superficialmente. Olho e pareço tentar perceber este estranho determinismo que leva a natureza a comportar-se como um ser humano. Tão risonhos éramos ontem, esquecidos da amargura de ser consciente quando não fingimos. Sofre-se sempre mais com a consciência de que os outros sofrem, do que com a ilusão que só nós é que sofremos.
Hoje não encontro nada de belo no que me chega e envolve. Indisposto, vou e fecho a janela. Tento assim ficar só eu ….comigo , com a minha realidade interior. De fora não vem nada que me ajude a acordar. A perceber que uma flor qualquer está neste momento a despontar, não sei em que jardim. De certeza num jardim que não é o meu. Ligo a música: espero algo que me alimente e desperte, e me crie a ilusão de que não vale a pena pensar.
A tarde está tão carregada que as minhas penas com ela comparada parecem (tão) leves. E bondosas. Hoje não virão as estrelas. Das serranias a luz alourada da ria não virá fazer a estrada que vem bater no meu degrau. Será uma noite de luar oculto, noite adormecida cheia de nada.
A ria está um molhado indiferente. Sombras aqui e ali recortadas, sonolentas, carregadas de uma monotonia inquietante. Não há cheiro. Nem sequer há vida. Até os barquitos desapareceram. Ah! se eu me pudesse como eles amoirar, e, indolente, deixar-me rodopiar numa valsa à deux temps» a sonhar com o me substituir a mim próprio?!
Tento ficar desperto, a pensar sem pensar. Pois só pensa quem é iluminado por dentro.
Já nem os poentes fazem vogar em mim as caravelas da descoberta. Parece que já não consigo descobrir nada lá fora, pois já nem em mim descubro coisa que valha.
Estou farto de mentir para o prazer, para a glória, para o poder (tudo a que miseravelmente não consegui escapar apesar de de tudo). Só desejo em cada dia que passa, ganhar a liberdade de ser eu.
Tudo o que faço para fora de mim me parece inútil.
SF Agosto 2011
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