(Carta da Zefa «Trinca» para o seu home Josuè «Tròlòrò»
Meu home amigo, Josuè:
Há marés que não te dou novas, de mim e dos daqui.
Ando estrussegada,
e derreada, como a jumenta do Ti
Toino.de tanta lide,a ver se ganho
uns míseros reises pra umas arrecadas doiro, para fazer inveja
á Ermelinda «Catracega», que o istipor – ponha lá sr padre…ponha, não
se quite , que istipor né desonra pra ninguém ,e menos p’ressa fraldoca,inté é
elogio - anda sempre de montra, tu
sabes bem de onde lhe vem. Manteúda
pelo Ti Ricoca, lá do Arnal, a zamparilha
meneia-se com mais chança que os bezerros do tio Pio, lá do
Cimo de Vila.
De ti, rico,inté me
roiem as cordas do coração ,que doutros baixios,
desses nem te falo ,pra não te pôr mastreação atiçada, não vás desembarcar
em qualquer chaputa c’ande proaì, a se baldar por uns peixitos. C’a fome, filho,faz uma mulher se enzonar, e botar-se de fralda alavantada ao de labaró. Mas vou-me óguentando,
que mulher séria respeita a péroga para um só bico. O teu,meu filho, de quem tenho saudades quinté roiem o peito.
Deves estar pediqueiro de novas. Olha !... aqui vão;
tão frescas como sardinha de Junho saída
no mês de Maio, porque esta terra não tem novas, só velhas encarquilhadas e penegantes, dos seus c’andam mar fora. Olha
uma cliente da minha canastra, noitro dia
inté me disse:
-Ai mulher…nem sei
como vocês mulheres díbalho óguentam ?!
Logo lampeira,ali
lhe dei cunfia: olhe se eu tivesse um homme simprinhas comó seu óguentava uma vida. A ivernia chega para
instifazer o corpinho.
A Gertrudes «Vigia», aquela
cordilheira, escorrupicha a vidinha de todo o pissofoque que caia na sua língua .Anda sempre numa fona,de casa em casa, a avinhar-se,
a comer e a escoldrilhar, pra ósdespois vir dar nota do que viu e oiviu, a vergalheira. Nanqueiras
ver : o Padre Fradoca finou-se em casa da Rosa «Paquica». Inté dizem uns, que o pobre
foi lá dar consolo à viúva,e finou-se, o coitado, sem dizer ui!. Mas ali há peixe.
Disque que, ao acudirem ao pobre ,tiveram c’arriar
a
óstaga, a aliviar os cabos
para lhe arriar o mastro. Ora eu chinco que o arrais não sobe o mastro debaixo da ponte. Aquilo foi
navegação em barra aberta, penso eu de que….mas seja ceguinha se o juro….que a
maledicência espincha mais que vaga
farfalhona na proa do barquinho.
E agora os nossos, Josuè: a tua irmã pariu. Esteve difícil a hora, esperou-se até
de manhim para chamar a Ti Micas «Abortadeira», para
safar o estrafego, que o mazaruco do teu sobrinho ,é coisa de se lhe tirar o barrete. A Micas,ainda
cortou o finéu e quase que tinha de
libertar o peixe pela cuada, muito
apertada. O chuço mal saído da paxona
da mãe, gritou que mais parecia um possesso.
Olha Josuè:- tu bem sabes que eu sou uma mulher calada,sem responder ao
que os meus olhos paneiam. O rapaz é loiro ,parece feito de
porcelana. E tu sabes que o teu cunhado pinta tão negro que lhe chamam o
«Marroquino ».Eu sempre ta disse que
aquele molengão era uma lancão ,que nem para fazer filhos servia. Tu sabes que à tua
irmã, o vinho lhe faz mal às pernas. A cachopa foi capaz de bebericar um copito
e chegou-lhe a doença : fez-lhe abrir as pernas. Mas não há mal. O Marroquino,desausservado,
anda todo contente e como o outro, diz: se
tiver cornos que se não vejam; se se virem
que eu não me importe; e se eu me importar que os serre.
As coisas lá pela Costa não andam nada boas. Nem ó vidas….o mar esta tisico ,escasso
de peixe ,e a gente anda aos lancões, a botar a arte no mar …e
ela volta enxuta .Peixe nem chari-lo.
O Ti Batata, macambúzio, diz que
aquilo são coisa de lobishomes, e garante que a sua companha é uma manada de gálicos. Palavra atina palavra, e põe-se tudo á galipa, parecem esgalfos
de sangue. Anda tudo esculhambado,sem
amno.. E diz-se que a companha dos
Velhos já não tem créto para mais uma
rede, quanto mais para o vinho, que é o que dá freimas àquela gente para voltar
à maré. Eu bem lhes digo ;se não têm vinho buem
auga, calamandrões. Põem-se todos abusacados
na praia, a conluiar,a comer pelo cú da guergina dos mais beberrões. Parecem umas cagarras com fome..
Meu Josuè, extremoso : mê
home:
Tenho de interromper, porque o bom padre cura não me
acompanha . Eu bem lhe digo que não há ninguém da tua ógalha :Tu, começada a faina, era só molhares o bico no tinteiro ,e
estavas sempre pronto para mais um
lanço. Mas a pena dele é rombuda, e tem de descansar para o pobre poder ir lavar a tripa.Eu bem lhe disse: ò Sr
Padre,estamos quase arribar. Aguente
lá a reçoeiro mais um bocadinho, home
de Deus ,que o andaço das noticias está a terminar. Mas o pobre estava apertado, com a borda já debaixo de água, o pelingrino.
Deves ver c’a letra não é igual. É que a Pinta «Escudeira» ,
aqui ao lado a oivir, o de mim para
ti, cuvilheiraça de olhos
e oivido, logo se veio oferecer
para continuar. E eu aproveito, para Te
dizer umas coisinhas c’a tinha, as mode, òreceio de as falar á frente do
bom padre …: ah! home bô : falo dos meus apetites, de um cochicho..ah!...,cantava-te, enloilava-te ,enfiava as tuas pernas de cuinhas nas minhas, e irias ver a
sacada que dava à praia de manhã. Raio
desta vida de separação. Uma mulher parece que nem tem direito de ter home por riba, a acalmar-lhe as trízias
e dar-lhe sastefação, a adoçar as agruras do dia com umas licotices.
Mas o padre cura já ai volta, aliviado…. Deve ter bebericado
uma chusca do tintol da Ti Taresa, ali
da rua direita. Alembras-te da simpas
da velhota, tão picnina e tão sinfrosa?
Continua forte e rija, mas cismática,
sempre a bautizar o tinto com potes d’auga da Fontoura….
E vou terminar, que o pobre cura já não escreve, já só
bordeja…
Olha ! proqui anda
lobishome á solta. Atão não queiras
lá ver que abotaram um saco cheio de cornos á porta do Ti Possidónio,
lá do Urjal de Baixo?. Coma tu
sabes, a mulher, a Micas «Gerovia», depois de casar com o arrebitado velhote, é mais séria que a mãe de Deus(deus me perdoe…). Vai daí, o Ti
Possidónio, foi aos Sete- Carris, e
pregou um retorcido par de cornos ,tão retorcido como a corda do reçoeiro,na porta do Ti Zé «Pilado».E num papel pardo esborratou: os meus estão ensacados…mas os teus indicam a porta aos visitantes.
Vai pra aí uma cochinada, uma veniaga …não se fala doutra cosa . Sabas como são estes badolas
moinantes… danadinhos pródixote. E quando mete cornadura, mais a conversa
dura…. Mas quele amercia……amercia… n’
ádúbeda,um banguina abardalado.
Adeus mê home bô .Arrecebi os quinze pintos ca ma mandaste, rico. Já andava inquètada ,credita : fui aos vinte oito e comprei-te uns tamancos para a
procissão do S Pedro, pois o prior já marmorou
que vais ser um dos andarilhos do andor. O resto meti no baú do segredo.Nem tu sabas onde
ele mora, à cautela!....cum dia habemos
de comprar uma casita ali no beco do «Descolhoado»,que
é bem bom. Não te importes c’u nome, pois
toda a gente sabe, que, descolhoado,
tu?....nem ó vida…eu bem tenho a
marca deles nas náudegas (o senhor
cura, persina-se por mim …. No fim já
sei que m’acarrega com uns padre nossos ).
E hoje vou-me às lides, vender uns peixitos do rio, ou uns tramoços, que mulher não se quer parada, nem na cama.
Olha Josuè da m’inhalma: vou aqui dar uma abraço ao Padre Zé,
para ele te explicar melhor na carta ,como
desejava que tu o sentisses ,se aqui estivesses ao pé de mim. Adeus, intè
à volta.
Da Zefa
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