segunda-feira, junho 27, 2016





(Carta da Zefa  «Trinca» para o seu home Josuè «Tròlòrò»

Meu home amigo, Josuè:

 Há marés que não te dou novas, de mim e dos daqui.
Ando estrussegada, e derreada, como a jumenta do Ti Toino.de tanta lide,a ver se ganho uns míseros reises pra umas arrecadas doiro, para fazer inveja á  Ermelinda «Catracega», que o istipor – ponha lá sr padre…ponha, não se quite , que istipor né desonra pra ninguém ,e menos p’ressa fraldoca,inté é elogio - anda sempre de montra, tu sabes bem de onde lhe vem. Manteúda pelo Ti Ricoca, lá do Arnal, a zamparilha meneia-se com mais chança que os bezerros do tio Pio, lá do Cimo de Vila.

De ti, rico,inté me roiem as cordas do coração ,que doutros baixios, desses nem te falo ,pra não te pôr mastreação atiçada, não vás desembarcar  em qualquer chaputa c’ande proaì, a se baldar por uns peixitos. C’a fome, filho,faz uma mulher se enzonar, e botar-se de fralda  alavantada ao de labaró. Mas vou-me óguentando, que mulher séria respeita  a péroga para um só bico. O teu,meu filho, de quem tenho saudades quinté roiem o peito.

Deves estar  pediqueiro de novas. Olha !... aqui vão; tão frescas como sardinha de  Junho saída no mês de Maio, porque esta terra não tem novas, só velhas encarquilhadas e penegantes, dos seus c’andam mar fora. Olha uma cliente da minha canastra, noitro dia inté me disse:

-Ai mulher…nem sei como vocês mulheres díbalho óguentam ?!

Logo lampeira,ali lhe dei cunfia: olhe se eu tivesse um homme simprinhas  comó seu óguentava uma vida. A ivernia chega para   instifazer o corpinho.

A Gertrudes «Vigia», aquela  cordilheira, escorrupicha a vidinha de todo o pissofoque  que caia na sua língua  .Anda sempre numa fona,de casa em casa, a avinhar-se, a comer e a escoldrilhar, pra ósdespois vir dar nota do que viu e oiviu, a vergalheira. Nanqueiras ver : o Padre Fradoca finou-se em casa da Rosa «Paquica». Inté  dizem uns, que o pobre foi lá dar consolo à viúva,e finou-se, o coitado, sem dizer ui!. Mas ali há peixe. Disque que, ao acudirem  ao pobre ,tiveram  c’arriar  a  óstaga,  a aliviar os cabos para lhe arriar  o mastro. Ora eu chinco que o arrais não sobe o mastro debaixo da ponte. Aquilo foi navegação em barra aberta, penso eu de que….mas seja ceguinha se o juro….que a maledicência espincha mais que vaga farfalhona na proa do barquinho.

E agora os nossos, Josuè: a tua irmã  pariu. Esteve difícil a hora, esperou-se até de manhim para chamar a Ti Micas  «Abortadeira»,  para  safar o estrafego, que o mazaruco do teu sobrinho ,é coisa  de se lhe tirar o barrete. A Micas,ainda cortou o finéu e quase que tinha de libertar o peixe pela cuada, muito apertada. O  chuço mal saído da paxona da mãe, gritou que mais parecia um possesso.  Olha Josuè:- tu bem sabes que eu sou uma mulher calada,sem responder ao que os meus olhos  paneiam. O rapaz é loiro ,parece feito de porcelana. E tu sabes que o teu cunhado pinta tão negro que lhe chamam o «Marroquino ».Eu sempre ta disse que aquele molengão  era uma lancão ,que nem para fazer filhos servia. Tu sabes que à tua irmã, o vinho lhe faz mal às pernas. A cachopa foi capaz de bebericar um copito e chegou-lhe a doença : fez-lhe abrir as pernas. Mas não há mal. O Marroquino,desausservado, anda todo contente e como o outro, diz: se tiver cornos que se não vejam; se se virem  que eu não me importe; e se eu me importar que os serre.

As coisas lá pela Costa não andam nada  boas. Nem ó vidas….o mar esta tisico ,escasso de peixe ,e a gente anda  aos lancões, a botar a arte no mar …e ela volta enxuta .Peixe nem  chari-lo. O Ti Batata, macambúzio, diz que aquilo são coisa de lobishomes, e garante que a sua companha é uma manada de gálicos. Palavra atina palavra, e  põe-se tudo á galipa, parecem esgalfos de sangue. Anda tudo esculhambado,sem amno.. E diz-se que a companha dos Velhos já não tem créto para mais uma rede, quanto mais para o vinho, que é o que dá freimas àquela gente para voltar à maré. Eu bem lhes digo ;se não têm vinho buem auga, calamandrões. Põem-se todos abusacados na praia, a conluiar,a comer pelo cú da guergina dos mais beberrões. Parecem umas cagarras com fome..

Meu Josuè, extremoso : mê home:

Tenho de interromper, porque o bom padre cura não me acompanha . Eu bem lhe digo que não há ninguém da tua ógalha :Tu, começada a faina, era só molhares o bico no tinteiro ,e estavas  sempre pronto para mais um lanço. Mas a pena dele é rombuda, e tem de descansar para o pobre poder ir lavar a tripa.Eu bem lhe disse: ò Sr Padre,estamos quase arribar. Aguente lá a reçoeiro mais um bocadinho, home de Deus ,que o andaço das noticias está a terminar.  Mas o pobre estava apertado, com a borda já debaixo de água, o pelingrino.

Deves ver c’a letra não é igual. É que a Pinta «Escudeira» , aqui ao lado a oivir, o de mim para ti, cuvilheiraça  de olhos e oivido,  logo se veio oferecer para  continuar. E eu aproveito, para Te dizer umas coisinhas c’a tinha, as mode, òreceio de as falar á frente do bom padre …: ah! home bô : falo  dos meus apetites, de um  cochicho..ah!...,cantava-te, enloilava-te ,enfiava as tuas pernas de cuinhas nas minhas, e irias ver a sacada  que dava à praia de manhã. Raio desta vida de separação. Uma mulher parece que nem tem direito de ter home por riba, a acalmar-lhe  as trízias e dar-lhe sastefação,  a adoçar as agruras do dia com umas licotices.

Mas o padre cura já ai volta, aliviado…. Deve ter bebericado uma chusca do tintol da Ti Taresa, ali da rua direita. Alembras-te da simpas da velhota, tão picnina e tão sinfrosa? Continua forte e rija, mas cismática, sempre a bautizar o tinto com potes d’auga da Fontoura….

E vou terminar, que o pobre cura já não escreve, já só bordeja…

Olha ! proqui anda lobishome á solta. Atão não queiras lá ver  que abotaram um saco cheio de cornos á porta do Ti  Possidónio,  lá do  Urjal de Baixo?. Coma tu sabes, a mulher, a Micas «Gerovia», depois de casar com o  arrebitado velhote, é mais séria que  a mãe de Deus(deus me perdoe…). Vai daí, o Ti Possidónio,  foi aos Sete- Carris, e pregou um retorcido par de cornos ,tão retorcido como a corda do reçoeiro,na porta do  Ti Zé «Pilado».E num papel pardo  esborratou: os meus estão ensacados…mas os teus indicam a porta aos visitantes. Vai pra aí uma cochinada, uma veniaga …não se fala doutra cosa . Sabas como são estes  badolas moinantes… danadinhos pródixote. E quando mete cornadura, mais a conversa dura…. Mas quele amercia……amercia… n’ ádúbeda,um banguina abardalado.

Adeus mê  home bô .Arrecebi os quinze  pintos ca ma mandaste, rico. Já andava inquètada ,credita : fui aos vinte oito e comprei-te uns tamancos para a procissão do S Pedro, pois o prior já marmorou que vais ser um dos andarilhos do andor. O resto meti no baú do segredo.Nem tu sabas onde ele mora, à cautela!....cum dia habemos de comprar uma casita ali no beco do «Descolhoado»,que é bem bom. Não te importes c’u nome, pois toda a gente sabe, que, descolhoado, tu?....nem ó vida…eu bem tenho a marca deles nas náudegas (o senhor cura, persina-se por mim …. No fim já sei que m’acarrega  com uns padre nossos ).

E hoje vou-me às lides, vender uns peixitos  do rio, ou uns tramoços, que mulher não se quer parada, nem na cama.

Olha Josuè da m’inhalma: vou aqui dar uma abraço ao Padre Zé, para ele te explicar melhor na carta ,como  desejava que tu o sentisses ,se aqui estivesses ao pé de mim. Adeus, intè à volta.  
Da Zefa



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A « magana » que espere....  Há dias que  ainda me conseguem trazer interesse renovado, em por cá estar  por mais uns tempos. Ao abrir logo ...