quinta-feira, agosto 01, 2019







Quem inspirou, quem? Moliceiro ou Varino?
Proposta para esclarecimento de uma dúvida que nunca obteve resposta ....

Há muito que procuro esclarecer-me sobre quem teria inspirado, quem? Teriam as pinturas no “Varino de carga” surgido primeiro, ou teriam sido elas mesmo,inspiradas pelas pinturas dos painéis dos Moliceiros?
Desde logo julgamos adiantar um ponto incontornável, a que pouco se tem dado importância, e é ,quanto a nós decisório :o brochar colorido das embarcações começou no mundo lagunar, precisamente no Barco do Mar das Artes (1758) (imprópria e erradamente chamado de Xávega), por razões de avistamento longínquo, já que estas embarcações chegavam a afastar-se 3 e 4 milhas da costa. Esta genial embarcação, foi pensada pormenor a pormenor como referimos largamente no livro ”Embarcações que Tiveram o seu Berço na Laguna”. As   listas e espaços brochados, eram obtidos pela aplicação de óleo extraído da sardinha–o sill, que então surgira na fábrica de Mijoulle – misturado com pigmentos. Aplicado sobre o madeirame conferia-lhe apreciável duração.


Ora o “Moliceiro” (ex-libris lagunar, pela sua singularidade) terá aparecido  nas águas da Laguna no final do Séc XVIII (?), de certeza princípios séc XIX. Respondendo à exigência   de uma embarcação mais baixa de pontal com  melhor adaptação ao fim em vista – a apanha e recolha do moliço–da  sua antecessora, a bateira ”ílhava”.. Inicialmente os barcos  moliceiros foram eram apenas embreados na totalidade, ou em caso pontuais ,brochados de branco nos painéis de proa e popa.

Das referências colhidas, podemos, com certeza afirmar que, as suas tradicionais pinturas nas embarcações do norte Lagunar, os painéis profusamente garridos,  só teriam surgido  em  fins do Séc. XIX, ou mesmo, só nos primeiros decénios do Séc.XX.
Estas pinturas, inicialmente feitas pelos próprios construtores lagunares– os mesmos que criaram o “Barco do Mar”–, eram muito “naifs”, com os painéis de proa inserindo  motivos de exaltação (ao mestre construtor, ao rei –antes da queda da monarquia –, ou ao orago da preferência) ao passo que, os painéis da ré, plasmavam   motivos da vida rural, agrícola. Nestas decorações salpicadas de sal da ironia(FM) sugestivamente  picantes,  induzindo a malícia(e algum erotismo) na  linguagem do vernáculo popular do rodapé. A que, por vezes, nem faltavam os erros ortográficos que só   valorizavam  a originalidade do conjunto..

  As imagens “brochadas” numa pintura espalmada, não exigiam, aos mestres, habilidades pictóricas de relevo. As orlas, motivos decalcados, repetidos, eram contudo, de grande variedade e intensidade cromática, numa  profusa garridice.
Vejamos então : o “Varino” de carga (que surgirá no Séc XIX ) ,sucede ao barco de “Rio Acima” .Este mais não era, do que uma evolução( expressa em dois ou três pormenores), da bateira  ìlhava”, que operou no Tejo. E, tal como aconteceu com os “Moliceiros”, que no final do Séc XIX apareceriam ainda brochados de branco  por entre o negrume do seu casco, também os Varinos começaram a aparecer assim brochados de branco nas amuras de proa.
O “Varino” de carga, cujo conceito criativo  está indiscutivelmente ligado aos mestres lagunares(emigrados para a margem sul do Tejo), construído  também em profusão, na Laguna( depois varado o mar  para Lisboa), segue uma decoração cuja tipologia não oferece duvidas: é inicialmente inspirada no “Moliceiro”, muito embora, naturalmente não reproduzisse cenas da vida rural: no “Varino “  as partes a sobressair sobre o embreadro eram, como se disse acima, as amuras, numa cor preferida do mestre ou dono (brancas, azuis, amarelas etc ),a falsa falca ,os cunhos de amarração (normalmente de um vermelho vivo) e o calcez do mastro. No brochado das amuras começaram, mais tarde, a aparecer, inserido, o nome identificativo doa embarcação.
Certo  é que em meados  do século XX, teriam sido chamados a produzir decorações, no “Varino” de carga(em alguns, de um modo restrito) pintores (profissionais  ) de faiança de fábricas próximas, sitas na margem sul do Tejo, perto do seus portos de abrigo(zonas dos pauis da margem sul. Surgiram assim , trabalhos onde se nota requintado exercício, com representações artísticas de assinalado valor, onde já se nota uma representação tridimensional (na representação floral), em que os elementos representados têm real valor artístico.

De igual modo, no “ Moliceiro” lagunar, nos   primeiros  decénios do Século XX, os mestres foram cedendo o  lugar  a novos intervenientes : pintores (a tempo inteiro ou parcial) que melhoraram a representação, apurando o desenho e extraindo efeitos apreciáveis nas orlas dos painéis.
 Embora de modo e finalidade, diferentes, as corres garridas foram aparecendo em outras embarcações tejeiras: nas Faluas, Canoas ,Catraios. E até nas Fragatas.
Ficamos esclarecidos?

Senos da Fonseca (Agosto 2019)

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