quarta-feira, fevereiro 03, 2021

 


O Espelho


Por detrás de cada espelho 

Há um acumular de silêncios por explicar,

Pedaços de vida  amortalhada 

Em tantos passos dados no ar.

 


Nos espelhos perdem-se os sonhos:

Estão lá coisas que não queremos mais ver

E não estão as que  já não existindo,

Gostaríamos que lá estivessem ainda.

 


No espelho tudo dói,

Tudo magoa,

Tudo desilude,

O espelho é como o vento

Que leva o bom

E deixa o que de mau vai restando de nós.



Fui espreitar, curioso, 

Atrás do meu espelho.

Vi 

Choro, sorriso, lágrimas, olhares de dor, sentimento,

Vi

Desalento, quimeras,  mágoas molhadas, razões esmagadas

Vi 

Amores perdidos, amores vencidos, labirintos criados no tempo,

Vi 

Crueldade, desespero, desengano, palavras mordidas, derrotas marcadas, 

Vi

Direitos ofendidos, tortura de silêncio interior, surdo lamento.

 


Dizem que as dores acabam com a sua morte

Só uma perdura  mesmo depois de morrer:

 A Ingratidão… 

Desta tralha havia  muita, atrás do meu espelho.


Peguei na tralha e estendia-a.

Fiz então dos braços 

Mastros erguidos ao céu,

Mezena e traquete cociados,

Fiz das mãos estênsulas postas ao léu,

E entre eles estendi o mariato.

Atei o que vi 

No cordel imaginário do tempo.

Estava ali, eu!... de corpo inteiro.

Assim, nu, exposto ao vento.



Parti o espelho

Quero apenas me olhar 

No espelho dos teus olhos

Ternos, profundos como o mar,

A não querer saber o que fui

Nem o que não fui,

Apenas saber o que ainda sou.


  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...