O «ílhavo» e o S. Pedro
O «ílhavo», tipo rude e forte, roncão no falar, sempre foi um homem de carácter, cumpridor nas suas obrigações e temente a Deus. Era conhecida a óptima relação que tinha com S.Pedro, orago de predilecção das gentes pisceiras, santinho a quem dedicavam fervoroso e preferencial culto. E a quem, anualmente, com júbilo, pompa e circunstância, rendiam notório e espaventoso festim, para o efeito engalanando a vila e a sua Igreja com colgaduras para receber os visitantes, que desciam a esta santa terrinha, não só e apenas no intuito de gozarem as delícias dos festejos que duravam três dias, mas atraídos, também, pelo bem receber, apanágio destas gentes remediadas, mãos abertas e coração escancarado, no propósito de fraternal convívio.
Tão boa era a relação destas gentes com o porteiro do céu que, corria à boca cheia, a faladura, ser bastante a evocação da naturalidade, para que, uma alma, ainda que muito penada e bem pesada, ida daqui, visse escancaradas as portas do Céu por aquele sempre atento fiscal do bom comportamento e virtudes, o S.Pedro.Olheiro astuto, sempre diligente e operoso, no intuito de manter o mar bonançoso do céu limpo de fraldocos.
Ora num dia em que o S Pedro foi abrir o portal, deu com um façudo mal-encarado, a quem perguntou:
-Então o que pretendes?
-Entrar no céu.
-E tu mereces a dádiva? O que fizeste para tal? De onde és?
-De Ílhavo
O S. Pedro mirou …remirou e,muito embora desconfiado, lá lhe disse
-Entra. Aguarda aí na recepção que eu vou lá dentro confirmar a listagem de embarque, chegada pela última pomba da noite.
Passados uns minutos, quando regressou para dizer ao mal encarado e mentiroso recém chegado, que não era verdade, ele, ser de Ílhavo, mas que estava, sim, na lista de Vagos ,constatou que o farjano tinha desaparecido e se infiltrara por uma das entradas laterais, nunca mais sendo visto.
S Pedro ficou fulo.( que os Santos, também só são Santos, até certo ponto).
E de si para si, lá foi dizendo: -deixa estar que quando me aparecer cá outro já não me leva assim. Vá lá um santo acreditar nestes safardanas …
Não tardou muito que ouvisse: trás…trás!..trás. Alguém chegava, parecendo ter pressa para não perder a maré da manhã.
-Já lá vai. Se tens pressa vai lá p’ra baixo, que está mais quentinho. Resmungando enquanto entreabria o portão, perguntou:
-Então quem és, e o que queres?
-Oh!... S Pedro, sou o Zé Cachino, lá da Malhada, e cri’ia que m’amabotasse aí p’ra dentro… raio! que venho cansado da viaje e c’riame chichar aí dentro. Avia-te, raios.C’ ainda perco a enchente.
- E donde és tu, ó Cachino?
-Sou d’ivalho, raios! Atão eu ia lá astrigar-me a mentir sobre a minha terra. Nado, bautizado e cebado, em íbalho, saiba vòssomocê,santinho. Astão tu não m’enxergas, não t’ alembras cá do Zé? C’inté no mês passado fui juiz da festa c’a ta fizemos lá na terrinha da lampada. És mesmo desconfiado. Mexe-te que estou p’rà aqui todo engaranhido.
-Não é isso, mas é que noutro dia apareceu-me cá um finório de Vagos – daqueles que deixaram o Senhor na rua para acudir ao bacalhau! - que me enloilou com essa de ser «d’Ilhavo….»
-É S Pedro !... raios ,estipor ,deixa-me entrar c’«amando-te um xalabar de sardinha bibinha,..a saltar …da restomenga, tenta o Cachina convencer o orago. (Que a corrupção nos céus, não é corrupção, mas dadivazinha, pagamento de promessa..esmolna.).
-Entra Cachino, entra ; por essa da sardinha bibinha a saltar, estás identificado.
Senos da Fonseca
1 comentário:
Delicioso texto, bibinho a saltar...
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