quinta-feira, julho 21, 2022

 Para mim a vida não foi cruel… (até agora!)


Hoje a conversa  esteva um pouco bizarra. Cada um, já não muito longe do fim, a deitar contas ao que resta da vida. Havia unanimidade de que é sempre bom, um homem ir à frente. Como lhe compete, observei, sabe-se lá  a dificuldade das veredas a prosseguir. Uma mulher adapta-se claramente ao aspecto mais terrível e cruel, que é o da solidão. Falo das mulheres das gerações anteriores, pois não sei se com os ganhos, ditos civilizacionais, no futuro, as coisas se irão processar da mesma maneira.

Medo da morte, logo que a conversa entra em maior proximidade, é já perceptível em todos.Eu já abordei aqui, várias vezes, o tema. Eu o que tenho medo é de um dia qualquer, ter medo dela.  Porque não há objectivamente razão para eu ter medo dela, mas sim do que virá depois dela, para os indefesos. Por muito que deixe tudo programado sei que o mundo não é bom para esses, em particular. Chegado aqui, pouco - muito pouco mesmo - deixei ficar para trás. Tive uma vida já longa, de tão curta. Duvidei por diversas vezes que isso aconteceria, pois que a minha vida foi de uma violência física, desmesurada, excessiva. No cômputo geral fui feliz (se é que se pode sê-lo, perante a realidade que nos cerca?!). Se medir essa felicidade por mim, e em mim. Ainda que menos no que me ultrapassou. E mesmo nestas situações, consegui vislumbrar razões que me recompensaram das escolhas – ou sorte - imperfeitas, e nelas mesmo soube encontrar motivação para me superar e aceitar a missão com redobrada força interior. Capaz de minimizar os imponderáveis, para os quais não tinha (nem tenho) solução, mas contra as quais lutei como se houvesse. Nunca me rendi. Fiz até dessa situação, sem queixume nem amargura (exteriores), uma procura interior que me fez perceber melhor que a franqueza e a fraqueza não admitem partilha. Amado por uns odiados (?!) por outros: de há muito que me vem sendo dada (colada) esta qualificação com a qual passei a conviver, ainda que com ela não concorde. Não é minha. Exagerada, pura e simplesmente. Mas, se tiver algo de verdade, então já agora:

Aos primeiros dei-me, mas não todo. Reservei sempre uma parte de mim mesmo, que nunca deixei antever. Por instinto de precaução. Para que se doesse, doesse menos. Por isso creio que fui mais «amado» do que aquilo que dei em troca. Foi bom. Porque, repito, não dei tudo, tendo recebido muito mais.

Aos segundos pareceu-me que não é bem «ódio» mas apenas irritação por eu nunca ir atrás deles para me poderem exibir a seu lado. Nunca soube nem me quis mudar para sítios ensoleirados: preferi sempre ficar no meu sítio: - onde mora a fantasia, o sonho utópico que me inquieta e me transforma no mexeroto que gosto de ser. Mais a viver do instinto que do acto mental.

Não tive momentos cruéis a toldarem-me a alegria de viver, salvo o desaparecimento, um a um, dos que me eram próximos. Mas mesmo essa sucessiva repetição dolorosa, aceitei-a como inevitabilidade tirana da vida. Não me revoltei contra ela (por essas serem as regras do jogo), nem contra NINGUÉM, porque só me queixaria se antes LHE tivesse agradecido a dádiva (o que nunca sucedeu).E sempre nesses actos compreendi que era melhor que tivesse sido assim, por aqueles que ali estavam, no final, já não eram os meus. Já nem sequer percebiam que eu era, ainda, o seu. E quando assim é, não é vida, é morte em vida. Sem serem cruéis, esses momentos foram terríveis estados de alma, amargos, quase ininteligíveis para a compreensão dos que me rodeavam. Eu queria amparo; o que me ofereciam era desamparo, no aconchego do tem paciência é a vida. E eu sem saber, uma vez mais, porque é que se tem de ter paciência com a vida, tive-a.

Quando deixei a vida activa, preocupei-me como ia percorrer o tempo que restava. E foi agarrando-me à construção de palavras que percebi que caminhava bem mais despreocupado do que antevira, por finalmente poder perceber muita coisa que a lufa-lufa da vida me tinha deixado escapar. A escrever, embora isolado do meu semelhante – eu!..., um obsessivo do convívio! -, parece que O visito todos os dias, para lhe dar conta dos meus desencontros, talvez para me perder ainda mais. Uma coisa é certa: -Não mudo.Porque já não tenho tempo para isso. E mesmo que o quisesse fazer, estava certo que a caneta não mo deixaria fazer. Porque então, tudo o que dissesse era mentira. E no momento mais crucial do dia, que é quando me olho, de manhã, ao espelho, ao não me encontrar comigo, tenho a certeza de que não descansaria enquanto não me fosse procurar por entre o lixo da mediocridade.

Senos da Fonseca


1 comentário:

maiaia disse...

Muito BEM Eng. Fonseca, Que grande lição da vida.
AS ARVORES MORREM DE PÉ
ABRAÇO

A « magana » que espere....  Há dias que  ainda me conseguem trazer interesse renovado, em por cá estar  por mais uns tempos. Ao abrir logo ...