sexta-feira, maio 19, 2023

 Classificação de Documentos 



Esta história da Classificação  documental -hoje  tão badalada e glosada- traz-me à ideia um dos episódios mais curiosos  que vivi há mais de meio século.

Conto...


A determinada altura do cumprimento do serviço militar, na Marinha de Guerra,fui chamado pelo   Almirante Crespo ,então Comandante da flotilha (mais tarde Ministro da Marinha) que  me deu conta  de  que  me iria  destacar,  para “exercer funções de comando” no  caça  minas Stª Maria (em reparação nos estaleiros do Alfeite). Dado o navio estar inactivo, em manutenção, o Comandante do mesmo ,até então, iria ser  destacado para outra missão activa.  O sr. Almirante chamou-me a atenção para as responsabilidades que iria assumir e, entre outras recomendações e instruções  indicou-me a capacidade até onde (eu) poderia ir na abertura da documentação (incluindo correspondência).E assim fui exercer as novas funções que, eram no fundamental ,controlar e acertar com os estaleiros,  os trabalhos de reparação.

Ora em determinada altura recebo na correspondência um carta endereçada pela  PIDE, classificada como “secreto” ( exactamente o limite até onde eu  poderia abrir , acedendo ao conteúdo da sua consulta).Aberta a mesma a mesma,constatei ,estupefacto,  que  “era alertado o Comandante da unidade que o elemento recentemente embarcado,(e especificava o meu nome), era um elemento activo, perigoso para a Nação, exigindo vigilância apertada”.

Li e despachei na  missiva : Tomámos  conhecimento. O referido elemento será vigiado dia e noite ,24 horas por dia. Assinei e reenviei com conhecimento ao comando da flotilha.

Passados dias fui convocado pelo Senhor Almirante. Recebeu-me cordialmente(como era seu timbre ) e logo comentou :” aqueles gajos são mesmo estúpidos. Nem se deram ao trabalho de saber quem e porquê estava o Comando daquele navio. Mas o seu despacho....”

-Senhor Almirante : quem melhor do que eu próprio poderia seguir o elemento. Referido como  perigoso, senão eu? Até para isso dormia com ele,,,

Vi-lhe um claro sorriso maroto na cara ,logo adiantando 

-Já falei e tratei da cretinice...está encerrado .Mas...:

-Posso confiar, senhor tenente?

-Claro que sim ,Senhor Almirante. Lá fora é uma coisa, aqui é outra....

-Então olhe : vou destacá-lo (interinamente)para o draga minas S. Roque, nos estaleiros de Cacilhas. Há receios de problemas possíveis(de facto a situação, ali e arredores, estava politicamente pesada).Vai até terminar a reparação (uns dias ,lembro-me, menos de uma semana)  assumir a responsabilidade da segurança da unidade.Depois volta ao St Maria .

E assim fui... Era verdade:  a situação era tensa e havia muita notícia no ar.. 

 Responsável que sempre fui (em excesso diziam) passei algumas noites , juntamente  com o elemento destacado em serviço para o efeito ,a fazer vigilância na doca....

Fiquei para sempre ligado ao simpático (e excelente) oficial que foi o Almirante Crespo. De tal modo que, quando terminei o serviço militar (passados dois anos deste facto) fui, já civil, despedir-me dele, então já  Ministro  da Marinha .Recebido imediatamente assim que fui  anunciado. Relembrámos então o episódio grotesco. No final veio despedir-se à porta  do gabinete, de um modo bem sorridente e amigável. Não lhe pude fazer continência porque estava à civil....(e talvez ainda bem, porque eu era “fraco” nesse tipo de saudação gestual).


Senos da Fonseca



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A « magana » que espere....  Há dias que  ainda me conseguem trazer interesse renovado, em por cá estar  por mais uns tempos. Ao abrir logo ...