sábado, janeiro 24, 2009

(Por avaria este Blog que deveria ser editado em 22.01,só hoje o pode ser)

A «indiferença» dos setenta


E pronto …quase foi preciso lembrarem-me que os setenta chegaram.


Nunca me passou pela cabeça chegar tão longe , porque sempre entendi que esfarrapando-me todo ,em tanta e tão variadas coisas,obrigatoriamente teriam de deixar marcas e mazelas, enormes.Era certo –pensava – que mais cedo do que tarde ,«isto ia-se».
E o curioso é que tive, sempre, a sensação que todos á minha volta pensavam assim. Por exemplo a minha mãe, andava sempre a querer que eu lhe desse ouvidos : não tens juízo, não te poupas ,metes-te em cada uma como se fosse a ultima coisa a fazer ….


Tinha programada há meia dúzia de anos um progressivo afastamento. Pretendia que uma parte de mim, costumada e abusivamente utilizada para situações complexas, fosse completamente esquecida. Afastado contava que já ninguém ousasse bater-me á porta. Esse tipo de coisas já não era o que gostava de me envolver, e julgo que tinha sido percebido pelos mais próximos .Remetido aos meus livros vivendo em inteira liberdade, queria afastar-me, lenta ,de um modo discreto mas inexorável, dos outros. Devagar era certo, mas afastar-me…
Pretendia refugiar-me numa certa intimidade , a pensar que tudo passaria a ser vivido numa paz interior. Desejava pois intimidecer. Ficar só, comigo mesmo, sem que ninguém tivesse nada a ver com o progressivo desencanto que a vida, chegada aqui, me faria certamente sentir . Nesta altura do campeonato tem, necessariamente, de se saber perder….
Coisa que eu nunca soube ou quis admitir e muito menos aceitar.
Para mim, anteriormente, viver era sentir-me nos outros; ora o certo é que aqui chegado já começavam a rarear aqueles que me diziam (ainda) qualquer coisa.
Mas o certo é que não sentia cansaço. Nem tinha ou sentia amargura -ou se havia ela não passava de um sussurro só para mim. Só amargo, o que é bem diferente.
Nem desilusão,sequer. Desiludido porquê ? Tinha feito o que me competia e até o que me não competia ,e portanto aceitava que as coisas acabavam como tinham de acabar ; a vida –faz parte das regras -,é impiedosa, e eu fui um felizardo que não me deixei vergar á sua impiedade. Eu é que já começava a não me sentir impiedoso para com ela ; e por isso o melhor era retirar-me de cena, e tentar vivê-la de outro modo.
Nem um queixume, pois, para lá dos desabafos no papel.


E eis que de repente tudo mudou. E a vida me voltou a me desafiar, como pretendendo encostar-me às tábuas. Foram tantos os motivos com que me pretenderam dourar a pílula que até me foram dizendo -que eu até estava muito bem …para a idade que tinha…Escusavam de ser tão beatíficos . Eu sei melhor que ninguém as mazelas que vão por aqui.
Podiam só e simplesmente, me dizer : olhe tem de ser . Que eu - porra!...não fugia. Ou pensariam que tinha medo da tarefa? Não! ; eu tinha(e tenho…) medo, é de mim
Contava a minha mãe que quando eu era miúdo e me diziam: olha joãozinho que vem lá a côca…todos ficavam espantado por eu me rir … alarvemente. Então um dia perceberam que eu entendia «Sopa..e não Côca .

Apetece,hoje, perguntar: a vida teve sentido?


Para mim teve, e muito. O sentido de a viver marimbando-me para o consentimento dos que pareciam desejosos de mo dar..só para que eu fosse(apenas) mais um, metido entre os varais da conveniência .Ora era isso que eu não queria de modo nenhum.

E querem uma confissão absurda ?!:
olho –ainda! -para a vida com o mesmo encanto –e deslumbramento –com que olhei para o primeiro corpo amado que desnudado me pareceu um mundo infindo de prazeres desconhecidos, que ávida e loucamente tinha necessariamente de descobrir por mim mesmo ,fossem quais fossem os riscos, ou as consequências a pagar pelo atrevimento.
Encanto por achar o que ela (vida) é:- magana. No inicio desafiadora .Tem uns olhos bonitos que sorriem, doces, e uma boca carnuda, túmida que entontece. Só que se nos deixamos convencer pelos encantos, não nos resguardando das tentações, logo perceberemos que somos barco perdido no mar ,endoidados nos furacões, sem saber –ou sem poder – atinar com o rumo certo .Escorraçados pelo olhar que vira feroz, comidos pela bocarra que nos mostra a dentuça, afilada.
É certo que eu brinquei pouco na vida (que raio !... nem foi, de verdade, tão pouco assim..,convenhamos).Mas ela também não brincou comigo.

Aqui chegados, estamos pois, quites.


Senos Fonseca (22.01.2009)

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