quinta-feira, abril 11, 2013



                                                                           

POSTAL DA CASA DO BICO  nº8
                                                              
O Senhor Zé e o «Visconde»
Raios: tempo desalmado,esgalmido. Mácista e mal sádio. Por bor do dito cujo, deixei de encontrar  a Zefa e a Bernarda ,e de,  com elas, ter  prazer de charlar e rir. Rir sim!.Porque na minha idade rir é o melhor «xanax» para a alma retorcida. E eu,confesso, já estava farto de estar  aqui encanteirado, confinado (e desafinado) neste «estar à janela» .Parado, especado a olhar  as serranias,dorido de tanto «sobe e desce» que as curvas serranas  mostram. Neste pousio, enquanto chove e eu aqui especado, pareço estar só: eu e  o mundo. E fico cansado de tanto sonhar. Sonhar é bom.Mas sonhar, intervaladamente. Poema que me saia, fala invariavelmente da mulher amada. Começo a ficar tão farto de fingir, que até  me apetece dizer : quero-te só para sonhar contigo.

Mas uma sota, nesta segunda-feira, permitiu-me o reencontro. Eu, a Zefa e a Bernarda, falámos de muita coisa. De entre elas catei uma bonita «estória».Vo-la conto….
-Olhe –diz a Bernarda :este tempo desembestado faz-me recordar a nossa vida em pequenas. O palheiro onde nos abrigávamos do tempo, feito de um tabuado mal encostado, deixava passar o vento frio por entre as frinchas, que até zunia. Então nas noites de surriada tiravam-se os cobertores serranos da enxerga  e punham-se  a fazer de anteparo.E para não ir para a a enxerga e ter frio,  abusacávamo -nos em volta do borralho À luz de um candeeiro trémulo,  por vias da fisga ventosa que escapulia entre frinchas,íamos ouvindo os maiorais,enquanto uns cavaquitos apanhados do outro lado,no matagal da Maluca, ardiam, mitigando o frio.E entre conversa lá íamos assalgalhando, quebrando o jejum.
Numa lenga- lenga familiar, ouvíamos «histórias» do antigamente. Lembro uma que fez o encanto da minha meninice. Sabe?!: sempre pensei,  porque fui testemunha viva da heroicidade demente daqueles «arraises», que, ás vezes,até parecia não regularem bem, quando no meio do areal, frente ao desalmado mar,  gritavam : - «bota» prómar, que este mar enxogalhado não mete medo a hommes».E  nós,  que ficávamos especadas na praia arrepiadas a ver o meia lua encabritar-se na 1ª vaga, e logo atrás dela vir a segunda ainda  mais danada, arrepanhávamos os cabelos e só sabíamos gritar:- aii o meu Pai,coitadinho, que lá fica!  
Ora um dia, contou o meu avô,o Chico «Cuteta»,o Sr José (José Estevão) tinha vindo, como habitualmente, à borda a conversar com as «nossas» gentes.A saber da nossas vida. Trazia com ele uns «fidalgotes» da cidade, que se viam astrapalhados, dizia o Ti Cuteta, com a areia a entrar-lhes para as polainas. «Que inté» pareciam um barco alquebrado «a meter auga»...

E parando apresentou –os ao arraias Thomé. Um dos fidalgos, homem de larga bigodeira engomada e retesada que mais parecia imitar o «meia lua», dirigiu-se sorridente ao Thomé  dizendo-lhe:

-Atão vossemecê é que é um dos tais «ílhavos» que o «Visconde» diz, pedirem meças ao campino, a saber qual mais valente (?):  se o que defronta o touro, se o que investe o mar!!!!....Sim senhora, finalmente vejo um dessa  espécime.  E Vossemecê que pensa do que diz «Visconde»(?) pergunta o fidalgo letrado, ao Thomé.

-Ora saiba óspois que eu penso que esse tal Visconde- ósculpe mas não o conheço- é zamparilha . Ora essa :- olhe ….

E zás !!! A um boi que vinha dar o chicote ao  «càlão»,fila-o pelos cornos ,torce... torce...torce...  até que o boi ajoelha e cai de borco na areia, resfolegando e espumando, preso pelas manápulas do Thomé.
Este levanta-se, sacode as mãos, põe o boné, e diz para o amigalhaço do Sr. José:

- Ora  diga agora ao tal «Visconde» que faça isto com o mar.E veja quantos hommes eram precisos para o abraçar. Todos que há no mundo. O «manso«, esse (!), como-o eu em bifes. Sem sal parecem feitos de palha. O mar, esse (!)--e ao dizê-lo tira respeitosamente o boné - bebe-se aos golinhos, senão afogamos no seu sal. Essas gentes de que fala o dito, enfarpelam-se de vermelho e são bailarinos. Morre-lhes pouca gente, por certo. Olhe em volta Vossa Senhoria, e repare na nossa gente :  vê-os quase todos de preto. Vestem-se assim pelos que ali (apontando o mar) ficaram. Mas isso não os quita de «zangalharem» com ele, as vezes que forem precisas
Enquanto a conversa decorria, o Sr José, ria a bom rir.
-Pois …. Ó Pinheiro!!!, meteste-te com boa  rês. Logo com este gladiador do mar.  

SF   (Abril 2013) 

 

 

 

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