Postal nº 13
E assim vai a Costa-Nova do
Prado.
Bonita, airosa e vistosa, segue vaidosa
de ser o mais lindo presépio colorido deste País.
Terra ainda criança, onde apenas
lavram duzentos anos de historial desde
que o homem violou pela primeira vez a virgindade do seu areal, a Costa
Nova do Prado é, talvez, o mais belo rincão pátrio, postado entre o mar e a
ria, que lhe deram vida e prazer.
A Costa Nova é um bodo alargado para o sensório das gentes, inebriadas
pelo despertar do sol garimpando lá da serra, a fazer ressair o verde da sua
paisagem, enquanto vai toldando de um
avermelhado suave, as águas azuis da Ria. Tão azuis que encharcam o olhar dos mirantes. A Costa
Nova é uma paleta de pintor consagrado, em que o artista vai, hora a hora,
misturando as cores pródigas da natureza, num contínuo mudar de tom. Ao meio
dia, o azul das águas, tinge o azulão do céu, onde parecem pairar, olhudos, os
anjos que nele habitam, olhando ciosos e ciumentos, a amplidão de frescura que
paira cá por baixo.
Enquanto isso, o passeante olha,
admirado e estupefacto, os palheirinhos
riscados de cores fortes, encostados beiral com beiral, como para se manterem
erectos da trabuzana ameaçadora. Dos beirais penduram-se varandas de branco imaculado, púlpitos onde
antigamente se acantonavam mirantes, olhar
perdido, embarcado na proa de um
qualquer ronceiro moliceiro, onde se lia ”bamos
lá cum Deus”. Era vê-los para cá e para lá, catando pachorrentamente a ria,
ensarilhando os seus cabelos dourados nos ancinhos calados
na borda, para com eles engordar as leiras ainda enlodadas, na suada feitura dos
largos e deslumbrante milheirais, prados enverdecidos, que completaram o nome à Costa Nova, postados ali,
na Maluca, bem à sua frente.
Hoje, é certo, falta à Costa Nova
do Prado, a beira mar ruralizada, prenhe de gente afadigada, num corrupio de
entontecer, correndo duna acima, duna abaixo, na entre ajuda, a trazer do mar a
rede que o meia-lua, foi lá longe esparralhar. O mirante, hoje, não observa,
arrepiado, o encabritar do barquito na vaga. A apontar a bica ao céu, para logo
se enterrar na vagalhoça seguinte, impulsionado por meia centena de rijos
pescadores embarcados, obedecendo, fiéis, á ordem do arrais: Rema!!!!....rema...é
agora ...vá...
E o mulherio na praia depois de
saber os seus, mar adentro, salvos desta primeira investida, esconjurado o
perigo, logo tocam os bois que parecem
descer ao areal para na sua borda lavrarem o mar.Tudo mexe a preparar a longa e penosa puxada da rede para terra.
Até que, porfírio cortado, saco
esventrado, nele ressalte em lampejos
cintilantes de mil espelhos prateados, a bela sardinha debatendo-se no estertor
do seu fim. Era uma correria atropelada. Onde se esqueciam regras, onde tudo
era luta, tumulto, vigor escorrido no ressoar de corpos, para ganho de pobre espórtula que (mal) dava para
viver.
Se é certo que hoje esse
espectáculo já não existe, porque o tempo corre célere na mudança, uma coisa
não mudou: o adormecer do sol que, à
tardinha, vem, cansado de tão longa volta, espreguiçar-se no mar.
É sempre um bodo o entardecer
neste recanto luxuriante onde a natureza foi pródiga em oferta: o azul
vivo do mar tinge-se de um afogueado
quente, vivo, que preanuncia o fim do afadigado dia. Momentos únicos onde a cor permanece em continua transmutação de vermelhões em
variadas gradações, aqui e ali, por vezes, entrecortados por farrapos de uma ou
outra nuvem, transmitindo a sensação de por ali existir na paisagem, alma!. Alma
de êxtase, que prodigamente se transmite à alma do mirante a deixar-se envolver por tão soberbo momento. Uma e outra
gaivota ziguezagueiam os ares, parecendo com esses requebros doces virem
despedir-se do barbazanas de fogo que lentamente vai mergulhando nos confins do
horizonte.
A Costa Nova, menina ainda,
parece adormecer, ao de lábaro :suave, docemente, embrulhada na esfarrapada neblina que se estende pela ria.
Mas logo vindo do outro lado
desponta uma lua cheia, a reflectir o
vermelhão do astro rei. Sobe às alturas, enquanto à sua volta a mutação e cambiantes
de cor são um manjar de enlevo para o olhar. À medida que sobe, desaparecido o “rei”,
logo a lua se cobre de um prateado extreme. E é esse prateado que vai tingir uma
ria serena, dando-lhe um aspecto de inaudita tranquilidade. Só aqui e ali
rompida pelo chape..chape...de um peixito que se deixou apanhar pela traquina
gaivota.
E a noite convida ao repouso.
Embalada neste luar, a
Costa-Nova, espreguiça-se no areal ...e adormece o corpo afadigado .
Até que de manhã o estrídulo piar
de um maçarico errante, ecoa na lusco fusco de uma luz indecisa da madrugada, a
despertar no vermelhão que desce lá da serra.
E o bulício recomeça...
Senos da Fonseca (Postal nº13)
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