domingo, setembro 29, 2019









POSTAL DA COSTA NOVA
Manhã cedo, que a cama nunca fez bem a ninguém senão para morrer mais comodamente instalado, já que para o resto, para os actos mais lúdicos, a palha e areia, são bem melhore aconchegos, saí para o passeio habitual.
Jogging, como agora sói dizer-se, né?
A ria esplendorosa. Estanhada, nem uma tainha nela bulia. Sol brilhante, já bem alcandorado, depois de trepada a serra do Caramulinho onde, aqui e ali, ainda se avistavam uns farrapos sem contornos definidos... O sol invadia tudo, escorraçando a neblina matinal.
Com espírito (já) bem desperto, deixei-me contagiar pela frescura
da manhã, reforçando a alegria de sobreviver a mais uma noite, Apetecia-me ficar ali, suspenso das horas, imutável na paisagem.
Foi pois, um prazer, ir por aí abaixo de um modo tão leve, alegre, quase que num sentimento de imponderabilidade.
Oh!!! Se alguém com o espírito criativo tivesse reposto na beirada da ria, frente ao palmeiral, a antiga esplanada, e tivesse criado um ponto de passeio e lazer, que requalificação se teria feito a esta linda, intrigante, irrequieta e volúvel Costa Nova!... Coisa bonita só de ser imaginada. Mas adiante.
Eis que lá do sul, vinham duas pescadeiras ainda desempachadas, em passo mexido, firme e decidido, em conversa galhofeira. Chegadas à minha beira, abrandaram.
E uma delas (ambas sessentonas), uma trajada de luto elucidativo dirigiu-se-me, sorridente:
– Oh meu senhor, acha que somos velhos?
– Quem? – perguntei... Todos nós?...
– Sim... sim... respondeu a rir-se...
– Não; acho que somos já... é um bocado usados, atalhei.
– Oh estupor, diz a outra, eu que pouco ou nem usada fui.Mas tu que de tanto uso até criaste ferida nas costas, de tanto as esfre- gares na areia...
 – Ora, ora... se mais usara, mais gozo me dera, filha... Quanto mais uso mais òstificação... raios.
– Tem razão, mulher; o que é preciso, é amansar a fera... adiantei eu.
– Pois tem razão, amigo – disse a desbocada já com intimidade ganha num minuto. Mas é que o «bichano» aqui da Josefa só bebia e ronronava. Pouco ligava à «bichana», ògadinha por uma festinha.
– C’alte aí, sua esculhambrada, atira a Josefa ofendida. Olha que o Toino (Deus o tenha no céu e lhe dê o que lhe tirou nesta vida (dizia a Josefa, enquanto se benzia), inté era danado prà brincadeira. Só que depois com o espinhaço e as rezas daquela marafona, a Cláudia do Zé Linguiça, foi-se abaixo do espinhaço. E do resto, rapariga. O pobre bem queria, queria... eu que o diga... mas fio torcido não passa por buraco d ’agulha.
– Ensebasses o fio, rapariga...
Há dias que nascem bem. Dias bons para se nascer. Também. Mas, absurdamente desgraçados para se morrer, se for esse o caso.
Porreiros, para um recém-nascido se interrogar: valerá a pena? Mas, absurdos para ponto final à dúvida.

Senos da Fonseca


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