domingo, dezembro 27, 2020

 O que valeu ao «Cantigas» é que o raio do canário …era canária….


Intriguei-me nestes últimos dias por nunca mais ter posto a vista em cima, à Tibéria e à Josefa, que, como por encanto, desapareceram do mapa. Afinal, nesta última segunda-feira, novo encontro. Fiquei, então a saber, porque se eclipsaram: peixeiras na praça, esta fecha(agora) às segundas. E é só neste dia que elas vêm desenferrujar as pernas. La vie oblige…

- Ó Senhor: dantes era uma fona. Daqui p´ra «Ibalho«, fazer a venda,  voltar pela noitinha derreadas, esgalfas, mais tesas que o carapau ressequido que não tivera freguesa...Aí sim (!)...aí é que estas perninhas, que agora parecem mijadas (com sua licença), eram roliças, duras e torneadinhas como pitorras.  Ai do zamparilho que se astrevesse a meter-se no meio delas. 

- Era assim, era…. ajunta a Zefa. Às vezes era já noitinha e o que valia era que aquele caniné do Labareda nos esperava. Até que todo o pessoal arribasse à Maluca, feita a venda na Vila.

- Atão hoje não têm nenhuma estória para me contar? interroguei eu…a meter cúnfia.

- Credo, você parece q’uè bruxo. Olhe!...vinha agora a lembrar, com a Zefa, da história da Pauseira «Canária». A Pauseira era uma savelha de se lhe tirar o chapéu. Mulher danada.De sim ò sopas. Mulher de, ou fora ou adentro … a meio é que se não podia ficar.

- Conte lá Ti Tibéria….conte raios que sou todo  interessado.

E a Zefa não se fez rogada.

 - A Pauseira tinha na sua casinha, ali nas dunas, um canário que estimava muito. O raio do pássaro um dia apareceu esmorecido. Parecia que tinha lançado um grapelim ao trapiche e de lá não saía, nem para molhar o bico. E pior, nem piava. O estupor do canário, dizia o Luís «Cantigas», o serrazina do home da Pauseira: – dá-lhe uma «passarinha» a ver se o bicho desperta. Olha que o que o bicho tem, é falta da «passarinha». T’ asseguro.

- Pois, quem não tem falta da «passarinha» és tu, «Cantigas». Há benícias que nem lhe pões a vista em cima. A vista e o resto, raios, diz inquisilenta a Pauseira ao seu homem. P’ra ti esconjurado, «passarinha» é o garrafão do tinto. Ora vai-te, que eu tenho mais que fazer c’abanar o traseiro.


«O Cantigas» lá foi a resmungar, para a vida. A «Pauseira» ficou a fazer horas para ir p’rà escorcha, aproveitando para fazer um caldo de conduto para a ceia. A meio da manhã batem ao «portaló».

- Quem bate? E abre a portinhola do palheirote. Cá fora, especado, o Arnaldo «Mijinhas», uma espécie de botadinho à parte, atrapalhado e nervoso, diz à Ti Pauseira:

- O Ti Luís mandou-me aqui, dizendo para Vossemecê me dar «passarinha» que ele não teve tempo de lhe pôr a boca em cima.

- O Luís mandou-te mesmo, para eu te dar a «passarinha»? Ai ele quer mesmo enfeite? Anda cá filho, que eu dou-te a dita. E agarrando o «Fininho» puxou-o a si com força, atirando-o para o catre disposta a cumprir ordens, que Capitão manda imediato obedece.

Só que o Arnaldo pouco dado a empostas do género, incapaz de ciar em mar tão encapelado, fixou com pavor a trabuzana que para ele representava a Pauseira e, espavorido, dá de se libertar do corpo da fera desembolada, escapulindo-se ao lancão d’alentada mulheraça.

À noitinha, quando o Luis «Cantigas» voltou da faina, a Pauseira não esteve com meias palavras:

 – Olha lá ó seu zamparilho, atão tu agora já não te satisfazes com a «passarinha», e mandas substitutos p’ràconchegar?

- C’a estás tu pra aí a xanar, raios? Eu mandei o «Fininho» buscar o garrafão de vinho. A que tu chamas «passarinha», homessa (?!).

- Homessa (!) digo eu; o que te vale é que o raio do canário é canária. Senão a estas horas estavas mais enfeitado que o manso do boi amarelo do abegoeiro Ti Aparício.


- Á ganda Ti Zefa. Vamos lá acabar a voltinha, que para a semana vossemecê conta-me outra. Combinado, remato eu bardaleiro?

- Pois atão. Se lhe der volta, apareça lá pela praça. Há lá bom peixe. O que está a dar, agora, é «a
chaputa
». De entupir uma jaja.


Senos da Fonseca    



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