segunda-feira, abril 03, 2023

 A CAMINHO DO 25 de ABRIL....


O texto abaixo está incluido no livroA Caminho do 25 de Abril- 50 Anos  do 3º Congresso da OPosição Democrática  (1973) edição da URAP(União Resiostentes Antifascistas Porugueses)

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Os Congressos Republicanos (I e II) foram pensados, planeados, arregimentados, incentivados por Mário Sacramento. O III Congresso, chamado da Oposição (por razões que veremos adiante) nasceu, formatou-se e decorreu (apesar de M.S. já não estar, fisicamente, entre nós), sob o seu legado, inspirado no  desejo repetido da  pretensão de unidade entre as forças opositoras ao regime  Salazarista (mesmo que já sem Salazar), pois só unida, a Oposição – pensava e ensinava M.S. –, seria capaz de deitar abaixo o fascismo. A unidade seria necessária, indispensável para derrubar o regime. Depois, a escolha do novo caminho dependeria da vontade (da liberdade de escolha) de cada um.
Terei sido, certamente por mero acaso, das últimas pessoas a falar com M.S. , três dias (se bem me lembro) antes do infausto e abrupto acontecimento da sua morte.  Curioso o facto, porque premonitória foi então a conversa dessa noite. Tinha ido com um amigo (militante radical comunista), como por vezes era habitual, buscar a casa de M.S., propaganda oposicionista e jornais do “Avante” que, depois, noite dentro, íamos depositar numa certa árvore do parque em frente da fábrica da Vista Alegre, que outros militantes recolheriam, e distribuiriam ao operariado fabril.  M.S.  convidou-nos a entrar. Fomos para a sala de jantar (recordo-o perfeitamente) e um pouco surpreendentemente, mais do que habitual, M.S. mostrou-se falador, começando por nos contar a história clínica da família, admitindo haver razões (que certamente sabia bem, excelente médico que era...) para pensar, estar para breve o seu fim. Depois, a conversa virou – tinha de ser – obrigatoriamente para a política. Estava próxima a data da realização do “II Congresso Republicano”. Mário Sacramento, alma matter do fórum, mostrou-se preocupado com a possibilidade de não se conseguir um entendimento entre as forças oposicionistas que iriam estar presentes. Admitia até o surgimento de dissensões graves. Insistiu com o meu amigo (comunista radical) na necessidade de se esquecerem (ou esconderem), por algum tempo, as divergências e, prioritariamente, insistiu na praxis do unir de esforços. E brandamente – como era o seu tom –, mas insistentemente, explicava ao companheiro de jorna que era preciso, era mesmo essencial, transmitir aos militantes da área de Ílhavo (Vista Alegre), essa ideia. Derrotada a oligarquia fascista – salientava – haveria tempo para cada um se alinhar, em plena e assumida liberdade.
O “II Congresso Republicano” realizar-se-ia em 15, 16 e 17 de Maio de 1969, pouco depois da sua morte (27 Março de 1969). Temeu-se, por isso, o pior. Creio que foi evidente que o Congresso não saltou (nem se soltou) das paredes do salão do Teatro Aveirense. Ou se saltou, certo é que logo, muito cedo, as divergências surgiram, incapacitando o combate em listas únicas às “eleições” legislativas de 69. As dissidências foram muitas. O radicalismo nos bastidores do Congresso era de cortar à faca. Sentia-se e vivia-se, mesmo durante o decurso do Congresso. As comunicações muito individuais, talvez excessivamente académicas, teriam pouca repercussão motivadora, fora das élites (restritas) que se postavam à sua volta. Por vezes, muito abstratas e teóricas, defendiam atalhos que apenas dividiam (enfraquecendo) a torrente da acção caudalosa, bastante para derrube do regime.
Certo :– o tema da guerra colonial foi transversal em todas as participações. Havia clara unanimidade sobre a necessidade de se pôr termo à guerra colonial que, a primavera marcelista, pretendia claramente manter. O findar (da) dessa guerra saiu, como evidência unânime, do Congresso.  Logo que terminada, haveria que, sem demoras, descolonizar.  Era certo: a democracia queria-se. Desejava-se. Respirava-se acalorado e de um modo empolgado esse sentimento, entre a massa dos participantes. Saiu do Congresso a ideia de não se vislumbrar, para atingir tal desígnio e fim, outra via, que não o Socialismo. Contudo pairava, surda ou explícita (em restritos grupos), a questão, sem resposta evidente: que tipo de socialismo?
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 Quatro anos falhos de unidade....
Aproximando-se as “eleições” de 73, foi tempo urgente de caminhar para a realização de um III Congresso. Se fisicamente não tivemos a companhia de Mário Sacramento, como mentor, planificador e aglutinador de facções, o certo é que, em espírito, ele esteve sempre presente. O Congresso foi inspirado no seu legado, na sua visão do caminho para atingir o pretendido fim: – a libertação do país da oligarquia fascista, o de caminharmos Todos unos, de braços entrelaçados. Necessário era dividir o país entre nós (todos nós!) e o outro. De um lado, o regime Fascista. Do outro a Oposição. Una no seu todo. 
Desde logo, a mudança do nome do Congresso.  De “Congresso Republicano” passou a “Congresso da Oposição Democrática”. Isso foi um claro sinal.  Clara mensagem da universalidade pretendida, provinda do mundo social, na participação (ou auscultação) diversificada de todos os que assumiam oposição ao regime, visando fortalecer o movimento oposicionista com a alargada adesão das massas populares. Regime que, já sem Salazar, assumia, contudo (perigosamente), numa maneira menos enroupada, dita primaveril, o levar à prática um salazarismo disfarçado, porquanto com o marcelismo, a guerra colonial era para continuar. E em força. A exploração do trabalho não tinha abrandado. Antes aumentara, fruto da concentração do capital, consentida ou até incentivada. A corrupção disparara, ainda muito mais feroz, uma vez ausente o “olheiro” de Stª Comba que, admitindo-a no segredo dos gabinetes, a consentia em círculos mais restritos, menos vulneráveis à exposição pública.
O “III Congresso”, pretendido ser de “toda” a Oposição, alterou, por isso, para tal desígnio, o seu esquema organizativo, em relação aos anteriores. Criaram-se organizações distritais, abriu-se a Comissão Executiva à inclusão, na mesma, de representantes distritais, incentivando um trabalho activo de proximidade, conducente a uma maior e mais representativa abrangência plural de opiniões. Pretendia a Comissão Nacional uma maior mobilização das mais diversas classes (participantes ou ouvidas), de diferentes condições sócio- económicas. Houve a pretensão explícita para a apresentação de comunicações colectivas, em contraponto com as teses individuais, por vezes pouco comunicativas, demasiado intelectualizadas, mais atrativas pelos nomes dos autores do que, propriamente, pelo conteúdo entendível ou perceptível, da exposição. Importante foi ter-se assumido que, fosse na preparação, fosse no desenrolar do próprio Congresso, seria levada à prática uma ampla liberdade nas matérias expostas, quer no conteúdo quer no modo de as apresentar.
O “III Congresso da Oposição Democrática ” foi pois muito mais mobilizador, muito mais participado (perto de 4.500 congressistas, presentes). Desde a primeira hora, a Comissão Nacional traçou as linhas pretendidas (inspiradas pelo espírito tutelar, presente, de Mário Sacramento), assumindo, como fundamental, nas discussões preparatórias, o objectivo final pretendido:  o da unidade. Permitir (ou até desejar) que o Congresso  se tornasse  um fórum opinativo, vivido na mais ampla liberdade de funcionamento, na apresentação dos problemas quotidianamente sentidos e vividos de igual modo por todos, fossem quais fossem as tendências opinativas (os caminhos) a seguir, como solução de soluções. Só a finalidade seria transversal: derrubar o marcelismo.
As conclusões do Congresso assumem claramente a vitória da unidade conseguida no fundamental, quando referem a necessidade de atrair e mobilizar aqueles que sempre lutaram pela democracia (...).  A unidade é um facto real e concreto de uma frente ampla e unitária contra o regime. Um facto que será o único meio capaz de implicar a transferência do poder da oligarquia para as camadas populares.
(.....)
Em boa verdade, facilmente constatável, o programa das Forças Armadas libertadoras de Abril, subscrito por Melo Antunes, inspira-se muito nas premissas incluídas nas dissertações e conclusões do “III Congresso da Oposição.  Democrática”. O derrube do regime, premonitoriamente equacionado na tese de Medeiros Ferreira, como possível consequência de um golpe militar, aconteceria mesmo, mais tarde, contrariando a desconfiança generalizada da proximidade e subserviência, das forças armadas ao regime.  Finalmente(!), em Abril de 74, foi-nos  devolvida a LIBERDADE.
A Liberdade que todos quisemos e desejámos ver. Que muitos outros, bem mais importantes na luta pelo seu alcance, não viram, mas quiseram, tanto ou mais merecidamente, que nós. Para “eles” o meu agradecimento.
Senos da Fonseca


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