À LAIA DE EXPLICAÇÃO
A Escola Secundária de Vagos endereçou uma proposta à Câmara Municipal daquele Concelho,em que indicava o nome de Frederico de Moura para PATRONO ,da mesma .
Aquela Câmara que ainda há bem pouco tempo tinha concedido ,a Frederico de Moura, (a titulo póstumo) ,a Medalha de Ouro numa cerimónia onde, o então (e actual!) Presidente rendeu -como não poderia deixar de ser! –os maiores encómios a esta singular figura da cultura Distrital –e Nacional - veio agora reprovar a proposta –por unanimidade!- do Conselho Directivo .
Os critérios lamacentos, pantanosos , em que se movimentam estas enviesadas interferências da cor politica em decisões que deveriam requer o cumprimento estrito de normas valorativas compagináveis com a especificidade do fim –Patrono - revela um clara menoridade de probidade intelectual , cívica , e ainda uma vil ingratidão por uma figura que se alcandorou muito para lá das tricas politicas da vida.
O exemplo de Frederico de Moura ficará para a HISTÒRIA ; a «estória» da reprovação da sua indicação para Patrono, pela Câmara de Vagos ,ficará em rodapé .Não tenhamos dúvida.
Entendi por isso enviar uma carta aberta ao Dr Rui Cruz , Presidente da Câmara Municipal de Vagos .
Porque a tal me «obrigava» , o reconhecimento por Frederico de Moura .
E Já agora !...
Não fora o deéice cultural nesta terra de Ílhavo ,atingir o desaforo de vergonha colectiva , apeteceria perguntar :- para quando o reconhecimento público àquele ilustre, pelo muito que deu à cultura Ilhavense do Séc. XX?
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CARTA ABERTA
Exmº Sr Dr Rui Cruz:
Illmº Presidente da Câmara Municipal de Vagos
Tenho vindo a acompanhar - com alguma perplexidade -, a questão gerada pelo veto dessa Câmara à proposta do Conselho Directivo da Escola Básica de Vagos , no sentido de, à mesma, ser atribuído o nome de FREDERICO DE MOURA , para seu ilustre Patrono.
Sobre a reprovação –e desde já quero deixar isto bem claro -desconheço tudo o que, para além do que vem expresso na Comunicação Social, possa a questão enformar.
Por isso, da leitura decorrente do que vem sido tornado público , julgo – julgo !- ficar com a percepção que o não acolhimento da sugestão do referido Conselho Directivo por parte da Câmara de V Exª , não contará com o « entusiasmo e concordância » de V Exª. E isso, é para mim compreensível , pois, tendo estado presente na justíssima homenagem da entrega da Medalha de Ouro ( a titulo póstumo ) a FREDERICO DE MOURA , tive (aí) o grato prazer de aplaudir V. Exª, aquando das elogiosas – mas muito justas e bem a propósito – referências, feitas ao homenageado .Devo dizer a V Exª que as aplaudi na essência , na virtude das mesmas ; mas e também, devo confessá-lo, no «acessório», porque V. Exª ao trazer o elogio ao visado – figura em vida , não alinhada com as cores politicas defendidas por si - separou-se da mediocridade reinante e transversal que percorre o pais , da miopia geral dos anti-valores que se vão ,impunemente ,sentando nas cadeiras do poder , delas fazendo local privilegiado para daí ressumarem o fel bilioso , sobre quem não é dos seus . V Exª, julgo tê-lo bem presente , salientou –e bem – que Frederico de Moura já não era «deste ou daquele» ,mas de «todos» , pelo exemplo de vida ,pelo testemunho de cultura viva que nos transmitiu ,que não tem cor, data , estatuto ,ou especial destinatário, pela exemplar universalidade da prática cívica, já que visava, tão somente, a aproximação entre cidadãos da comunidade a que deu o seu melhor..E que pelo valor ,ultrapassou as fronteiras da mesma , afirmando-se com uma dimensão supra distrital , e, até –não tenhamos rebuço na afirmação -, com estatuto nacional. Cumpre-nos, por isso ,admirar essa figura ; admirá-la e sentirmo-nos – todos!... os que foram tocados pelo magnificat da sua vivência – nós também ,engrandecidos .
Ora foi nesta contingência de Homem lisonjeado que conheci V Exª e, por isso, não crendo se tenha dado o caso de V Exª ter-se transviado de opinião a respeito de Frederico de Moura , sinceramente ,não vejo razões para uma hesitação deste tipo ,salvo se ,contrariando a sua vontade , alguns próximos do poder de decisão tenham «forçado» ,agora , o caminho ínvio da «deslucidez».
Esgrime-se a justificação da reprovação dessa Câmara à proposta do Conselho Directivo ,com o facto de existirem outras figuras «Vaguenses» ,merecendo ,elas também, essa titulação . Não duvido… .
Desconheço, por meu mal – e não porque lhes falte compleição cívica para tal - as referências «encabeçadas» por tais «Figuras» para ombrearem com Frederico de Moura no investimento em papel de tão exigente qualidade –a de Patrono de um estabelecimento de ensino -, o que exige uma súmula de valores não ao alcance do comum dos Homens . Longe de os julgar, porém ...
Mas o que eu penso é que tendo o Conselho Directivo da Escola proposto o nome de Frederico de Moura –e só o dele ,e não qualquer outro mais - só havia que responder ; ou sim ou não…
Explico-me ..
Se a resposta da Câmara de V Exª fosse Sim :- tudo bem , virtude para a escolha da Escola , a principal interessada na bandeira no hastear de tal bandeira …e fazer gala na sua mostra. Se fosse não , haveria que dilucidar sobre as razões que enformam o veto , nunca - entendo eu -, pela evocação de outras hipóteses que não tenham sido sugeridas. E que o não teriam sido ,certamente, por razões de clara opção perante os requisitos a que o Conselho Directivo pretendeu dar resposta .O NÂO, por transparência e frontalidade, deveria vir acompanhado das razões porque entende, essa Câmara , não satisfazer Frederico de Moura condições para tal . Doutro modo não se clarifica , ou se empresta justiça :- baralha-se …para tornar a dar .
Sr Presidente :
V Exª saberá tão bem –ou melhor - que eu , que O Patrono de uma Escola ,é algo singular, muito diferente do acto de «pregar» uma placa numa ruela ou fontanário, uma referência que pouco maior interesse terá, do que prestar uma boa colaboração aos serviços postais .
No Patrono de uma Escola de adolescentes que sobem para a vida , pretender-se-á ver uma figura de onde jorre húmus suficiente para «povoar» o sonho desses jovens que a frequentam , servindo-lhes de exemplo nos anos iniciáticos da aprendizagem do conhecimento ,instigando-os a uma constante abertura para uma formação sólida ,mas e também, diversificada. Ao Patrono «compete» incitar no rasgar de campos de curiosidade , iluminar horizontes de saber despertar a paixão das paisagens da cultura onde se não perca a referência a valores, mesmo quando essa juventude se vir ,já embrenhada na lufa- lufa do quotidiano
Ora Frederico de Moura foi um exemplo superior dessa inquietação permanente, apostado numa aprendizagem continua e prolongada, em verdadeiro sacerdócio « de colher muito, de muitas coisas». A formação assim conseguida enraizava-se na ânsia desmedida de conhecer -e dar a conhecer – o resultado do permanente «diálogo» que travava com os mestres ,em cujos livros, insaciavelmente, abafava a exegese do saber e que, depois, incapaz de os «pôr em reclusão» só para gozo intimista , vertia-os de uma maneira viva e apaixonada sobre os companheiros de vida ou, tão só, de esporádica jorna ; tudo e todos, lhe mereciam o acto fraterno de partilha . Discorria com uma segurança incrível , não programada , genuína e de momento, com uma referência que ia da clareza e disciplina metódica de Descartes à filosofia critica de Kant ,ou ao koinos –logós Socrático , numa imensidão temporal povoada de referências a «quem pensou e por isso existiu» ; ora rumando a um outro campo ,para aí patrocinar «providência cautelar» contra (alguma) novel literatura de cordel , escanzelada se confrontada com a arte dos Senhores, de Seide ou de Tormes ,de Sernancelhe ou de Anta . Deleitosamente sensível á criação artística , Frederico de Moura não perdia a ocasião, se ela se ajustasse ao momento ,de nos dar conta do contexto económico ,religioso e social vertido na linguagem do maneirismo de Domenikos Greco ,ou, levando-nos pela mão para a “Aula de Anatomia” de Rembrandt, ou ainda , maliciosamente, descrevendo-nos as obscenidades de “Las Majas” de Goya , sublinhando-nos a atmosfera –temporal e espacial - em que se teriam desenvolvido as mais belas peças saídas do génio artístico do Homem. E quando o voar tinha tectos mais baixos, sublinhava com « ternurenta » amizade a teia, díspar mas frutuosa, em que se enredou João Carlos, colega de proscénio na profissão e na cultura , degustando com requinte de apreciador insaciável o multifacetado empenhamento do «ílhavo» na resposta aos sinais que lhe inundavam a imensidão da inquietude artística que procurava satisfação nas mais variadas formas em multifacetados ensaios (pena ,goiva ou simples lápis)
Difícil é , em Frederico de Moura ,distinguir o homem do intelectual, pois nele as duas afirmações conviviam em permanente e absoluta simbiose .Mostrou uma insaciável disponibilidade para tudo quanto à condição humana se põe em desafio , assumindo o desassossego de uma alma inquietada pala necessidade do renovo permanente do «sujeito» da mesma .
Era um espírito «em graça» de recolha de impressões maravilhadas da natureza , e nesta , deteve-se em particular atenção ao espaço geográfico onde fincou as suas raízes ; desconfio que ninguém –e foram muitos e grandes que o tentaram fazer – descreveu como ele o Homem da Laguna no confronto suado com a paisagem. Um dia confessou-me emocionado ; “Sabes – disse-me enquanto vertíamos o olhar deslumbrado sobre os tons em constante mutação , que a ria nos ia exibindo –das coisas de que levarei saudade quando me for ,é da maravilha desta ria que me preenche o ser e me desperta o afago de todo o meu olhar”.A admiração é o principio da ciência de todas as ciências ,;mas é-o também da própria transmissão dessa ciência..Isso era –Lhe intrínseco…
Tinha uma minúcia de observação para a paisagem humana contemporânea , vincada nas pinceladas impressionistas com que retratou, numa perfeição estética sublime, figuras que o tocaram profundamente. Tinham um fio comum esses retratos que nos legou : exaltavam com a mesma força com que o escopro deixa ruga na pedra , numa minúcia de observação e de rigor anatómico , de um modo objectivo ,probo e escrupuloso , os valores vitais dos biografados , catando minuciosamente os sinais com que justificava a impoluta compleição moral ,intelectual ou humana do retratado.
Foi um Homem fiel ao Povo da Terra que serviu em sacerdócio de entrega, com um grau de competência invulgar .Mais do que invulgar : notável, a excepcional bitola profissional que lhe era reconhecida por todos os Colegas com quem convivia de perto ,e mais ainda , por muitos daqueles com quem ,por razão profissional , longe do seu meio , conferenciava .
Por tudo –e eu sei, que o que não sei sobre tal figura ,é imenso ! - não me restam duvidas que não seriam apenas os alunos a recolher a benfeitorias de exibirem «um tal Patrono» ; Os Mestres, esses também , teriam em Frederico de Moura um notável exemplo de pedagogo de todas as horas, de todas as circunstância ,em todas as vertentes humanistas . A ciência pode estar contida nos livros ;mas a vida , a largueza de horizontes ,a profundidade a inteligência ,essa tem de brotar do Mestre ,da sua paternidade espiritual , assegurada pelo prestigio. Quem melhor do que ninguém no caso vertente ,reúne esses requisitos ?:-importaria saber-se…
Porque , julgo mesmo que em Frederico de Moura estava ,afinal , o excelente pedagogo, o Mestre de uma matéria multidisciplinar ,complexa exigente a que se chama, VIDA .
Espero sinceramente que V Exª tenha a força e coragem suficiente para corrigir –a bem de Vagos – tal iniquidade.
Respeitosos e atentos cumprimentos
Senos da Fonseca
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