FIM DE LINHA
Estou aqui, depois…
Onde quer que estejas, sei que entenderás, porque sempre nos aprendemos a descobrir nos pequenos gestos ou nos tiques, indecifráveis para os outros, evidentes para nós.
Tenho uma vasta, dolorosa e amarga sensação de ficar, agora, só! Já todos se foram; e não sei porquê (?), deixaram-me para trás, como que para guardar a vossa memória, a mim que era o mais frágil.
Retrocedo no tempo em Vossa procura. Nem isso me vale. Parece que ao fazê-lo me é ainda mais nítido que o processo de desintegração já começou. Procuro a lógica de tudo, até da tua partida. E só encontro um sentido para a paz que encontraste, aquela paz que nunca por cá, tiveste. Aqui, neste mundo de desigualdades, Tu nunca a poderias ter encontrado. Fosse o que te rodeasse - a Ti chegava-te. Era impressionante como tudo (o pouco ou o nada) Te chegava, indiferente que eras a qualquer tipo de necessidade vã. Só que o problema não eras Tu, mas os outros. E para os outros, nada era suficiente para responderes ao que sentias ser-lhes necessário - e devido. E por isso não havia guerra que Te chegasse.
Viemos, agora de Te levar, ao teu sitio da Paz.
O sino não tocou. Não porque não quisesse - os sinos sabem por quem deverão dobrar -, mas porque Tu não quererias. Querias, isso eu tenho a certeza, que amanhã ele chamasse a rebate, todos!.. a continuar o que sempre, e só, soubeste fazer: - a distribuir solidariedade.
Pareço hoje encurralado; sinto-me a última rês a preparar-se para o abate. Se a morte - ou quando ela! -, bater de novo à porta, não posso mandar ninguém ir abrir, tenho de ser eu a franquear-lhe a entrada.
Sinto-me, pois, subitamente envelhecido; desamparado de um modo irremediável. Como que amarrado a uma solidão onde me faltam todos os que me rodearam no sonho. Sinto-me só, ao não poder partilhar a responsabilidade com mais ninguém. Agora, puseste-me a ser o número um (!) da família. E parece que o mundo me caiu em cima, como um pesadelo que me oprime e tolhe.
Parece - e não entendo este súbito parecer - que havia restos de infância, ontem ainda, e que hoje desapareceram de vez, irremediavelmente. Todos passarão - a partir de hoje - não a ver-me como o mais novo, mas a ver-me como o último abdicatário destes irredutíveis, que quiseram ser, só e apenas, não indiferentes.
As árvores morrem de pé,
e bem vistas as coisas assim foi: foste autêntica até ao fim. E isso - perdoa que Tu diga, mas Tu até o sabias - era o que eu queria que tivesses sido. Neste mundo que não tem moral, nem vergonha, em que a vergonha se transforma em impudor, não transigiste, nem sequer foste cadavérica em vida. Soubeste, até ao último dia, erguer o teu fardo à altura da cilha do burro; os outros preferem que o burro se ajoelhe para o depositar, e fazerem de conta que estão cansados.
E sabes o que lhes rói a alma?: - é que mesmo na sepultura irás prolongar a tua razão, resumida à obstinação que Te comandava e ao frémito afectivo e solidário, que Te movia. Dia a dia estes contornos sobressairão, mesmo que ausente.
«Eles», dia a dia, irão ficando mais expostos na (sua) nudez: de ideias e de ideais, que Te sobravam. Aqui, a leviandade colectiva vai ser confrontada, continuamente, com o que deixaste.
Na hora de Te incensarem - agora! - eu não esquecerei de lhes lembrar os espinhos com que tantas vezes Te dilaceraram.
Acertemos as nossas contas. Se em alguma coisa não fui capaz de Te acompanhar como merecias, foi não ter - nem manter - a Tua UTOPIA.
Por vezes, até, ta censurei; porque não acreditava que depois de tudo, ainda a tivesses. Mas no fim percebi que a tinhas - e a mantinhas intacta - apesar de todos os desaforos que foram desabando por cima de Ti.
Até sempre …
João
Ílhavo, 25 de Novembro de 2007
quarta-feira, novembro 28, 2007
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