quinta-feira, junho 30, 2011

(cont)



Começa o «ala arriba» da rede. Que demora um par de horas: - duas a quatro, conforme a distância a que se largou a rede. As várias juntas de bois fortemente aguilhoadas, impiedosamente batidas nos lombos com as varas de tocar, são, pela laçada do chicote



































 «atadas» aos cabos do reçoeiro e da mão da barca.Que inicialmente separados por umas boas centenas metros, pouco a pouco, se vão «achegando», até que à vista dos primeiros «pipos» - as calimas -
                                      


                                 As calimas ou pipos

                                       


                                                               Ajeitando as mangas

(que indicam a posição das mangas da rede), não distam mais do que uns cinquenta metros, entre si. Os animais - uma boa dúzia de juntas -, libertos no cimo da duna são largados em louca correria, em tumultuosa balbúrdia, passando possantes por entre paisanos e «olheiros» que, de repente, se dão conta de estarem na linha de corrida de uma parelha.É tempo de correr para escapar, lestos, aos «cornigeros» animais. Os tocadores incitam-nos em gritaria alarve, fustigando-lhes os costados dum modo violento. «foge... foge... arreda!...», é o grito que se vai ouvindo no meio daquela confusão extrema.

Esforço supremo!..Ó!..Ó!.., arriba …riba …riba …vá .. vááá!. grita o Arrais já rouco de tanto rojar…Eh!.. raios... diabos!... puxa... puxa, vá riba !

E os bois e homens, buscando as últimas migalhas de forças conseguem tirar a sacada do mar que “re de enorme baleia agitadalá aparece, qual vent por convulsivo tremor

Eis que o saco (a coada) sobe na areia; todos vão por detrás dele, pés na água da arrebentação, dar-lhe uma espreitadela para avaliar da dimensão da sacada.

     


















   A coada arriba à praia






Raramente o pescador se satisfaz, pois que espera - sempre !... - melhor sorte.

É apenas um momento de ansiedade, tempo para um simples esgar e para rogar a praga do seu desencanto, porque logo esquece a estiporada sorte para de novo se envolver na árdua tarefa de levar a rede acima. O Arrais vem sobre o saco, soberano, calcando a pesca até ao «local» onde grita: - alto!; e aí, de navalhão em punho, corta-lhe «o porfírio» esventrando o «ajuntadouro da rede», deixando ver uma miríade de reflexos, provocados pelo sol a bater no peixe que saltita num derradeiro esforço para se libertar da prisão.

Num primeiro acto, homens e mulheres mergulham as nassas (os xalavares) na sacada, atirando «o peixe» para montes onde são separados por tipo, e depois, metido em cabazes de vime, para de seguida, ser apregoado.

 Enchendo os «nassos»

Mulherio, curiosos, pescadores e «mercantéis», por razões diferentes, começam a «cobiçar» os quinhões, que logo ali são leiloados à voz do pregoeiro - do quem dá mais (?!) - sob o olhar atento do apontador do livro que regista as vendas. Estes pregoeiros tinham com os «mercantéis» códigos estudados, sinais de licitação: - o piscar de olhos, o coçar a cabeça, o tirar do boné etc. - inacessíveis aos curiosos que só participam na licitação do «restolho».











Guarda Fiscal apontando....ao lado o «sinal»














 O peixe nos xalabares ,alinhado para a  venda





O peixe é então transportado em cabazes, nos «enxalavares» , carros de bois de duas rodas, muito largas, permitindo-lhes com mais facilidade se deslocarem na areia, conduzindo o peixe para os barcos dos «mercantéis» ou para os armazéns de salga, na beira-ria; ou para ser carregado por almocreves que o irão levar, no mesmo dia, e nessa noite, percorrendo afadigados por entre vales e serras, os caminhos da Beira interior



 O burrico o rapaz e o almocreve

 

para o entregar, ainda fresco, «amanhã» para a venda. Outra parte do lanço segue para os «gigos» (cabazes) do peixeiro



O peixeiro de Ílhavo

«ombreados» numa vara de cerca de dois metros que leva, enfiados nas suas pontas o par dos ditos «gigos», em que se carregam cerca de 50 kg de sardinha para ser vendida no mercado da Vila, ou de Aveiro.

As «pescadeiras», depois de darem uma mão na «safa» do peixe, esperam pelo  pela



 A Peixeira da Costa-Nova

repartição do lotes .É tempo de encher as suas canastras, «atapetadas» por um oleado que evita o escorredoiro, e lá partem estugando o passo numa correria para apanhar a barca da passagem que as levará ao outro lado, à Maluca, de onde partirão ajoujadas ao peso do carrego. Que bem equilibrado sobre a rodilha ou sobre o chapéu de «penache», não necessita sequer de mão para o ajeitar ou segurar. Graciosas, descalças, mãos na cintura, seguem lestas em passo leve mas corrido, até que as primeiras casitas da vila aparecem lá ao longe; é então que da garganta fina, esbelta, orlada de belos cordões e libras d’oiro - seu único derriço! - sai o grito em voz sonora, clara e apelativa, no pregão: “Olha a sardinha da nossa costa! Freguesa!… venha «cumprar q’é do noisso mar”….


E assim vão calcorreando todas as ruas das redondezas até de noite, tempo de chegar a casa mortas de fadiga, mas ainda, com tempo, arte, e folguedo q.b., para fazer um «trauto» com «seu Arrais» no folhelho aconchegado onde se fez mulher… vai para um par de

Invernos»…, (…“que mulher «d’íbalho» não casa de verão!... não há tempo… nem homes em terra, para tal….”)

-------------------------------------------------------------------------------

Era assim no meu tempo de rapaz.
Lembro-me desse tempo.De muita e boa gente desta terra.De vez em quando repuxo-os à memória e brinco com eles.
Deambulava então pelo Curtido a fazer barquinhos de casqueira com o Ti Antoninho Ronca,saltava á Manguinha para chatear o bondoso Ti Cunha, e enfronhava-me nos Sete Carris à procura de uns olhos lindos.Havia tantos c'um homme (quase) nem sabia para onde cair.Ou caía em todos .
E às vezes dava de caras com o pai de uma,barrete negro encafuado na cabeça até ás orelhas,borla caida,com olhar de poucos amigos.Parava o atrevimento.
E eu olhava-lhe para o peito troncudo,cachimbo de pederneira abocado ao lado, e via o camisolete de flanela grosso,espicaçado de cores fortes,e sonhava ter um igual. Eu queria-lhe a filha ...e o camisote.Mas o olhar refreava-me os intentos.
Essa é a galeria de Homens e Mulheres que já não há.
Nesses tempos ,meus amigos,todo o Portugal deveria olhar para Ílhavo de calcanhares unidos e de chapéu reverencialmente tirado.Hoje andam para aí uns sanapaios engordados no aquacultura.
Os outros de antigamente era  gente nauda e criada aqui,nestes becos ,veias singulares onde pulsava vida e morte,capaz de dar cara para uma nova História Trágico Maritima.
Por isso me lembrei de lhes fazer justiça.
AH! arraias Parracho;ah! arrais Ançã,ah arrais Cajeira;ah arrais Batata;Piorro,Agualusa e Bicarada ;ah Càloa mulher «d'um carago»,relíquias de uma história que hoje se esconde,venham de novo contá-la.
E vós mulheres em cujos olhos ardentes  tantas vezes me enliei rondando a soleira das suas  portas- menos do que agora queria!-,meneiem esse esbelto perfil,afogueiem esses carnudos lábios,mostrem como o vosso ondular imitava o ondular do mar,e como o vosso corpo acolhia o Vosso arrais,como o mar acolhia a quilha do seu barco em momento de estrambolho desejado.

Senos da Fonseca(Junho 2011)

Nota: A grande maioria de fotos foi levada a cabo por Rui Bela.)















 
















                                                



                                                  









                                        





































                                     




















Sem comentários:

A « magana » que espere....  Há dias que  ainda me conseguem trazer interesse renovado, em por cá estar  por mais uns tempos. Ao abrir logo ...