Um lanço na Xávega
No sentido de relembrar tempos antigos e saber como funciona a Xávega nos dias de hoje, aprazei com o arrais Zé um embarque, para dar um lanço, no mar da Vagueira, onde o que resta do que foi uma grande companha, vara ainda hoje, ali, o seu barco de Xávega.
Às cinco da manhã já lá estava, como me fora ordenado. Cedo demais. O arrais deu para brincar comigo. No areal apenas eu e o barco, no lusco fusco da madrugada, que prometia um dia de sol intenso. Atentando melhor dei com um espectáculo interessante e pouco vulgar por estas bandas. Um casalinho aproveitava a noite quente(!) deliciando-se com a frescura das ondas, no matar(ou atenuar) o fogo que neles ardia impetuosamente. Nus lavar se deixam na água pura. E brincavam (se brincava!...) na cálida cecém da matina ,dispensando qualquer cobertura para «as suas vergonhas»Claro que nada se importaram comigo. E eu retribui o gesto…(ainda que com babada inveja) .Adiante…
Com o mestre que só apareceu lá para as oito, aprazei, finalmente e seriamente, a hora de embarque. Duas da tarde, logo após almoço.
Às duas e meia ,o trator que substitui os bois que antigamente puxavam o xávega pelos «arganéus» ( o trator dispensa tudo isso, e mesmo a « muleta») leva de zorro o meia lua, «O Novo S. José». Um pequeno meia-lua de 2R (que só leva os remos por precaução,não para uso),pouco maior que uma «robaleira».
Chegado o S.José à borda ,
com a água a chegar-lhe à focinheira, logo obedeço à ordem peremptória: «Salta».E logo eu e mais quatro «camaradas», lestos e decididos, galgámos o bordo, e entrámos na embarcação .
À ultima da hora ainda se juntam a nós mais dois rapazes. O local que me é destinado é o do antigo «vareiro»: na bica ,com os pés na «sacada» que agora segue no paneiro de proa(aonde antigamente iam os «camboeiros»),bem arrumada .
O trator, tal como a parelha de bois de antigamente fazia, entra mar adentro dando um ultimo empurrão, o que o obriga a ficar com boa parte do rodado anterior e motor, debaixo de água (como sucedia antigamente aos bois).O moço ao meu lado que olha atentamente a vaga que «lá vem» grita: é agora.Vamos!...Vamos… dá-lhe gás.E a embarcação impulsionada pelo potente motor de 80CV (os remos vão amarrados pelos punhos aos «trastes») rompe a vaga ,encabritando-se ao de leve, com umas meigas e pouco convictas vagalhoças, dando pouco tempero à aventura (para mais tarde recordar).
Dia espantoso, com o sol a esparramar-se por todo o mar de um azul intenso e vivo, que mostra uma ondulação fraca de 1m. O mar nada bole.Apenas uma ligeira ondulação como a querer dizer-nos que está vivo.Só que adormecido.E a luz intensa parece concentrar-se numa larga estrada que vai até ao fim do mundo.O mar é imenso!Maior (!), só céu que nos cobre ,azul ,muito azul,só que um pouco mais desmaiado .
O trator, tal como a parelha de bois de antigamente fazia, entra mar adentro dando um ultimo empurrão, o que o obriga a ficar com boa parte do rodado anterior e motor, debaixo de água (como sucedia antigamente aos bois).O moço ao meu lado que olha atentamente a vaga que «lá vem» grita: é agora.Vamos!...Vamos… dá-lhe gás.E a embarcação impulsionada pelo potente motor de 80CV (os remos vão amarrados pelos punhos aos «trastes») rompe a vaga ,encabritando-se ao de leve, com umas meigas e pouco convictas vagalhoças, dando pouco tempero à aventura (para mais tarde recordar).
Dia espantoso, com o sol a esparramar-se por todo o mar de um azul intenso e vivo, que mostra uma ondulação fraca de 1m. O mar nada bole.Apenas uma ligeira ondulação como a querer dizer-nos que está vivo.Só que adormecido.E a luz intensa parece concentrar-se numa larga estrada que vai até ao fim do mundo.O mar é imenso!Maior (!), só céu que nos cobre ,azul ,muito azul,só que um pouco mais desmaiado .
O «reçoeiro» que liga a embarcação a terra, corre veloz sobre a alheta de BB, de ré, enquanto nos dirigimos um pouco para norte. Vogamos paralelos á praia, dela distanciados uns bons 100 metros. Percorridos cerca 300m a norte, guina-se para fora, rumo a Oeste .
Largam-se os 1200 metros do «reçoeiro» antes do «càlão» ir borda fora. A este liga-se uma bóia de sinalização, presa a um chicote de 30/40 metros. .A «manga» da rede difere das antigas por não ter «cortiçada» (sendo por isso «menos boieiras»), pois que o cabo de nylon flutuante faz o mesmo efeito.Tem 300 metros de comprimento. Na parte inferior,no «promeu», leva a «chumbada» para arrastar a varredoura pelo fundo. Neste aparelho já não existem as «pandas»,malhas de barro de três furos, que antecederam as chumbadas fazendo o mesmo efeito que estas(afundar o «promeu»).
É chegado o momento de o arrais gritar ao moço: «à borda».Com isso quer dizer que a «sacada» e a «coada» devem ser ajeitadas sobre a borda de estibordo, de um modo impecável, para permitir o seu corrimento sem ensarilhar. Guina-se entretanto para sul. Chegada a vez, o saco sai pela alheta de bombordo a toda a força (nota-se neste momento um particular e intenso esforço, pedido ao motor, com o fim de abrir a «bocada» ).Colocada a sacada no mar , segue a «alcalena», e o resto da manga do sul:- «caçarete» ,«regalo» até chegar ao «claro» que antecede o «càlão».
Presa a este, começa a sair a «mão da barca»,o cabo por onde a rede vai ser puxada para terra (e pelo «reçoeiro»). O «Novo S. José» ruma então já a terra. Para trás as bóias: da «coada» ao centro ,e as dos «càlões» ,a norte e a sul. Quase chegados o arrais faz a pergunta :
-Astão mestre (que sou eu..)!.Eu até me esqueci de lhe praguntar : vossemecê sabe nadar ou não?.
Apeteceu-me responder-lhe como o Ançã : pissalho!
Eu um descendente (?!) do arrais Tomé Rhonca,o tal que ia ali às Américas a nado enquanto a Maria preparava o conduto,não havia de saber nadar? Hòmessa ,crendas lá ber ...Mas o bom homem não o fez por mal. Melhor seria prová-lo .Rápido tiro o boné a e T-shirt e mergulho do «castelo» no mar. Faço os últimos 100 metros a nado ao lado do S.José. Outro camarada, entusiasmado, salta, ele também, e acompanha-me.
Na praia um monte de veraneantes recebe a embarcação que rapidamente é atrelada ao trator que a leva até às dunas.Lá no cimo é voltada ,prôa ao mar,pronta a meter de novo o redame.
Reunidos antes de se começar a alar o redame, digo-lhe:
-Tome para uma cerveja com os camaradas---
-Rosa! Vá … vai à loja buscar umas cervejolas. C’a este camarada é companheiro. Vai num pé e vem no outro.
Esta simples mas tão acertada, como subtil, diferença, martelou-me os ouvidos pelo dia fora. Vá-se lá perceber como é que um homem simples clarifica tão bem a dicotomia entre camarada e companheiro. Que grande lição….Anda para aí tanta gente sem o perceber.
Fico a matutar.Que gente é esta,o pescador da xávega, hoje?O lavrador que desceu á borda,humanizando e ruralizando o areal, já partiu ,hà muito(?!).E levou com ele os bois.O espetáculo perdeu força e movimento.Perdeu beleza.
(Cont)
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