quinta-feira, maio 03, 2012


CONVERSA  NO C.E.T.A.



O Grupo «arcádico» de Poesia d’Aveiro solicitou-me para fazer de poeta, por umas curtas horas.



Quem já não sonhou sê-lo?


O pedido da Zita, trouxe com ele, ordenança.


Um pouco intimidado aqui estou.


                                      Oh triste engano.

 
                             Córo de vergonha .só de pensar parecê-lo .


                                        Mais fácil seria sê-lo.


2 -
Disse F.Pessoa : - não o prazer; não a glória; não o poder;

Eu acrescento: a LIBERDADE unicamente. Só a liberdade de ser ou querer ser. Por isso gosto de escrever livremente, sem complexos. Gosto de escrever o comum, mas com singularidade. Ou pelo menos tento-o fazer sem peias.

                                       Sei apenas que quero zarpar


                                        Sair de mim, cortar raízes


                                        Ir tão longe, que impossível


                                        Seja voltar.



3-
E assim, entro, de vez em quando, em arremedos poéticos que chegam nos intervalos de matar o stress da procura permanente.


Da procura?! Não sei se não será antes a (minha) desconstrução, pois na verdade, quem pensa destrói-se


                                      Paguei à vida chorudo preço


                             O de quem quis, sempre ser, só e apenas


                                                                                      Eu….


4-


Vamos lá desnudar-me.

Gosto da poesia a intervalos. Porque o eu gosto sempre é de prosa. Perdoem-me os poetas presentes. Um texto de Vieira, Aquilino, Camilo, Saramago e outros, penetra mais profundamente. Sorvo-o. Tantas vezes, mais interessante que um bom poema de Pessoa – e de que eu gosto mais- é do seu sossego, desassossegado. Como o meu


                            A encontrar a natureza redoirada


                            Guardá-la no silêncio recolhido


                            Dos meus olhos amanhecidos

5-
A prosa está para a poesia,como um «lenço» de Caravagio, Rubens ou Veremeer está para o pontilhado impressionista de Monet, Renoir ou Van Gogh.

Na prosa pode-se ser inteiramente livre. Na poesia há mais rituais a cumprir. Na prosa um corpo nu de mulher descreve-se em todos os seus acidentados percursos. Na poesia basta descrever um dos seus quatro pontos cardeais.

                                 Ah(!) como é bom tanta coisa fazer


                                No cúmulo do prazer, na tua boca


                                A loucura da vida, esquecer.
7-
Na poesia em que por vezes toco, gosto de tratar metaforicamente, as impressões. E vou arrumando no papel as palavras soltas que irão compor o quadro. A maresia doce que a brisa me traz saída do ventre morno da ria (ou de outro talvez) incita as gaivotas mais leves que o ar, a noivarem num claro desassossego.


                                 Nelas invento a minha desdita


                                 De não ter asas e voar


                                Ao encontro das palavras


                               Que compõem o verbo amar .


8-


Há.Tem de haver!!!! uma das três luzes com que ilumino o «lenço»: a luz branca do sol, a amarela morna da lua, ou numa ou noutra, diluída, o azul das águas de onde virá ao meu encontro (sonhado) quem procuro na vida que não há em mim.


                                     Anda !


                                    Vem matar a minha sede


                                    Deste secreto sofrer.


                                   Antes que o estio cesse


                                   Vem! Vem me aquecer.
9-

Gosto; gosto mesmo perdidamente da Ria.

Gosto dela prenha de azul, um azul muito azul, que me encharca o olhar.

Gosto dela, nua, na maré baixo onde lhe descubro todos os doces e macios contornos, e toco em seus escondidos segredos.

Gosto dela irritada, pele eriçada pela sulada, farfalho branco a cavalgar na vaga das águas acastanhadas, ofendidas por tanto fustigo.

Gosto das suas tardes cinzentas, luz intensa que me parece de uma claridade pálida, a prenunciar o estilhaçar dos céus solto das suas entranhas; e logo a luz formidável do raio a fender os ares e a estarrecer os cães que amedrontados se refugiam entre as quatro patas, escondendo o focinho.

E eu por ali fico até que o sussurrar marulhento da trovoado se afaste.


E enquanto isso vou ouvindo os barulhos do mar. A querer que as nuvens que acinzentam o céu, se vão.E o azul volte


Um barco passa ali á minha frente voando nas asas do vento. Parece que estou a ouvir o ranger das suas tábuas.


O vento forte enche a vela e de repente vem outro golpe de uma outra direcção. Sabeis o que é?! …É a volta de cão.


O arrais segura com pulso forte a cana do leme. E o barco pula e avança. Dança. E eu fico á espera


                       De quem ousar chegar


                       Ao terraço dos encantos que não desvendo


                      Moça fugida há-de velar por meu encanto


                    Já a vejo lá longe.Vem para mim, correr.
10-

E o momento chega:

O segredo que certamente há por baixo da minha vida, ou fora dela. Quando olho parece que tudo me escapa.

Se me distraio passo a ver a realidade com uma exactidão perturbadora.

                    Vejo os rios que quis levar ao mar


                     Deixados encalhados na praia…


                     Feitos espuma……
11-

Por isso, a sensação que flui em momentos em que fixo o olhar para longe e, repentinamente, resto absorto, distraído, é quando retrato a ideia. Sem corrigir dou-lhe a forma do no compasso com que me penetra.

E depois olho. E impressiono-me: não me vislumbro – não sou eu !– no que estou a ler. Mas sinto que sou eu que estou no papel a ligar, a soltar, as palavras que queria dizer. Gosto de palavrar. No arranjo das palavras existe sensualidade.

        E em gesto de pressa, arrebatador


        Desnudo-te puxando-te para mim


        Ouço o teu sussurro, sinto o teu espasmo.

        Ah !....como é bonito este poente meu, no teu corpo, hoje…




12-
Nesses intermezzos poéticos misturo realidade –ria, mar, momentos ,corpos, raízes – com sonhos. E o que são estes? Apenas sentimentos que não se sentem na vida. Por isso sempre não concretizados, mortos no fim do poema, é licito amanhã voltar a sonhar de novo.

Cada poema que nasce é, pois, e por isso, sempre o primeiro.

                       Aprouvesse eu ser flor


                       E no teu regaço lindo poria


                        Não um dedal


                        Mas um jardim todo feito d’amor…
13-

Os olhares nascem, por norma, no meu terraço. De onde vejo, mais ria e mais céu. A olhar para eles a vida dói-me menos.

Ali estou tantas vezes, eu e apenas Tu; príncipe eu, Tu a princesa, a olhar como a beleza resulta do encontro da luz da lua com as águas.

Olho-as fascinado deslumbrado. Como olho para o teu corpo de amada, desnuda, inquieto por saber que em cada olhar o vejo de um outro modo, mas sem me cansar de o desvendar. Como a lua faz à ria. E o verso sai mais quente, mais sonhador.

                           Encaixados ,


                           Somos como o sol a penetrar a sombra


                           Para trazer a madrugada.
14-

Gosto por isso das manhãs, angustiam-me os poentes que pretendo sejam rápidos. E que a manhã da noite chegue apressada, com o aparecimento da lua brilhante.

Tenho sede de olhar; descobrir novas manhãs. Sempre a fugir à mágoa inútil de não ter valido a pena. E a manhã chega,
                              
                         Ninguém sabe o que trará


                         E que importa?

                          Fados serão.


15-






Há quem viva a vida em insónia permanente. Eu vivo-a aos estremeções. Inquieto. Adorando o desafio. A minha mãe perguntava-me com frequência: Porque queres ser assim?

Eu respondia-Lhe: porque Tu, Mãe (!), não querias que eu fosse doutro modo.

                          A ousar, ousando


                         A construir, construindo,


                         A amar, amando.


SF -CETA





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