segunda-feira, outubro 20, 2008


Ílhavo no seu melhor…

Ílhavo foi, no último fim-de-semana, pródigo em acontecimentos de conteúdo cultural o que me apraz registar. E muito mais que os enunciar, há que sobre eles reflectir.
Comecemos, pela excepcional mostra fotográfica - A Maritime Album - patente no Museu, e com que este viu comemorado um seu aniversário do depois de ….Comemoração sem o espavento do ano passado, retirando algum dos excessos então cometidos, remetendo-se ao essencial de um aniversário.Nem que seja comemorar a perda de vários dedos, o que importa é estar vivo. Adiante…que em dias de festa não se fala nisso…

A exposição, uma punhado de obras que faz parte de um espólio de meio milhão de fotos, uma mostra a preto e branco – o que é inteiramente do meu agrado - expõe com rara beleza, e intensidade muito forte, embarcações, gloriosas ou do simples mètier. Umas a nascer outras em decomposição, mas sempre ligadas intensamente ao meio onde exercem(ou exerceram) o seu labor: ora em paz ou na guerra, a exposição diz-nos que neste mundo onde por vezes o homem parece estar a mais - ou quando não está a mais,evidencia a sua fragilidade - a beleza existe sempre, o que é preciso é ter olhos para a captar.

Mas o MMI teve uma excelente prenda, que vem enriquecer o seu património: -a oferta promovida pelos Amigos do Museu e apoiada pela Câmara, de um quadro (óleo, creio) de Fausto Sampaio, o que é um excelente dote. O lenço como não podia deixar de ser, fixava uma parte da Costa-Nova. Não sei se li que o quadro tem a data de 1933. Creio ter visto. E se creio ter visto, assumo que há qualquer coisa de estranho, pois o que lá é reflectido, é anterior a 1932.(o que pode muito bem ter acontecido). Outro pormenor estranho no quadro, é o de quem pintou esplendorosamente a Costa-Nova, não ter sido imune em recriar um azul de água, esplendoroso, daqueles que a ria só exibe em dia translúcido, puro e calmo, do sol em brasa, sem mácula de nuvem, num dia em que nunca – asseguro - um céu arrenegado como o que está patente no quadro, poderia dar. Pormenor apenas entrevisto por um amante desse azul. Em todas as circunstâncias, um bonito quadro do pintor apaixonado por este rincão que lhe forneceu paisagem natural de brilho inexcedível (o azul daquela ria !), mas e também riqueza na paisagem humana que lhe dá vida, que o artista retrata naquele jeito pontilhado tão característico do pintor bairradino.
E ainda outra prenda…
Mas na comemoração do dito aniversário do MMI, é de salientar a palestra proferida pela Prof. drª Rita Marnoto, uma investigadora muito centrada nos aspectos da Literatura Portuguesa, e seu cotejo com outras literaturas europeias, latinas.

R.M abordou de uma maneira muito límpida e cativante, o Humanismo em Camões. E em uma matéria que provavelmente se não julgaria interessante para todos, conseguiu prender os ouvintes – seus conterrâneos - com a clareza e vivacidade com que expôs o poeta pátrio submetendo-o a uma leitura actual. Camões já foi utilizado para tudo. Para o melhor e para o pior. Parece chegado o tempo de fixar a sua grandeza sem outra leitura que não seja a da exaltação da rara dimensão da sua obra épica, pioneira. E ao fazê-lo R.M não poderia deixar de sublinhar esse período em que a confiança na capacidade humana, gerada pela vitória do conhecimento sobre as coisas, fez acreditar a possibilidade de dominar o mundo e equiparar a nação portuguesa, no seu feito épico - colocando-a na vanguarda de um sentimento de superioridade - ao mundo antigo medieval, ou mesmo da Grécia e Roma.

Camões foi o relator exaltado dessa ideia advinda já de épocas anteriores (Séc. XIV e Séc. XV), mas que com os Descobrimentos fez brotar como que uma espécie de revolução histórica. Pelo feito descomunal, pela excelência dos variados víveres advindos do mesmo, a nação portuguesa pôde ombrear com o topo das nações europeias. Essa consciência foi a motivação de poetas, escritores e sábios, desde Garcia de Resende, Rodrigues de Sá, Caminha, Castanheda, Pedro Nunes, tendo finalmente atingido níveis grandiloquentes de panegírica com

Cessem do sábio grego e do troiano
..……(…) ………………………. o que fizeram
Que eu canto o peito ilustre lusitano,

de Camões.

Mas por cá…
Falou-se ainda de algo que desapareceu e de que não restava memória para o lembrar, já que o MMI nos fala em exclusivo de outras águas e de outras gentes, depois da dita remodelação que ontem se comemorou.
Ora agora essa falta foi colmatada, pois que o fim-de-semana teve um outro - e grande - motivo de interesse.
No sábado, no salão da Junta da Freguesia, Manuel Leques deu-nos um magnífico trabalho, de real importância, cujo título é bem elucidativo: «O Vale da Maias e as Azenhas de Vale de Ílhavo».
Li (já) o livrinho, e dele realço a excelente qualidade descritiva do autor. Impressiona que uma pessoa há tanto afastada do nosso convívio (pois M.L. exerce a sua actividade profissional nos EUA), zele tão bem a língua portuguesa, reproduzindo as suas ideias com tanto à vontade e precisão. Manuel Leques, que eu conhecia apenas por um outro trabalho correlacionado com o actual, agarrou no «Tombo de Águas» de D. Joana Maria de Almada Castro e Noronhas (donatária da Vila), feito por provisão régia de 1772, e conseguiu identificar as azenhas e os veios de águas aí descritos, com o panorama existente na sua meninice, no inicio do Séc. XX.
Uma excelente achega para a história local, até porque indo mais longe trata com um elevado sentido pedagógico e minúcia, em pormenor, as diversas técnicas usadas naquele tipo de centro de produção medieval que se prolongou até aos nossos dias, quase de um modo imutável.
M.L. no seu trabalho equaciona o «de onde vieram aquelas gentes que foram ocupando o vale da Madriz» e deram origem a Vale de Ílhavo?
Já falei nisso também anteriormente. Os primeiros moinhos de água que por ali proliferaram foram certamente pertencentes aos Mosteiros (Convento Jesus, Carmo etc.) e Igrejas da região. E a grandes senhores (Sousa Ribeiro, Camelo, Madahil, Vidais), que foram aforando os mesmos a naturais da região, e a outros vindos propositadamente de fora (Candelos, de Coruche).
Depois foi uma actividade que arrastou o desenvolvimento, já que o Vale era prometedor, permitindo criar grão ao pé da porta, substituindo os maninhos e a floresta, por cultivo.
Toca M. Leques. nos célebres episódios do desvio das águas para Aveiro, e depois para Ílhavo. Cenas dignas de um «quando os lobos uivam» local. Que ainda falta escrever.
Há tanta coisa que falta, que eu não sei se muito não se irá perder no tempo.

Aladino

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