segunda-feira, novembro 24, 2008

EMBARCAÇÕES TRADICIONAIS

Tive ,nestes últimos dias, o prazer de me embrenhar na leitura de dois livros.Pela matéria versada(Embarcações Tradicionais) ,ou, num dos casos, por acresecento de, a autora,ser nossa conterrânea, tornaram a tarefa «obrigatória» mas apetecível(pelo menos um deles ).
São «Regresso ao Litoral » de Ana Maria Lopes e «Cultura Popular Portuguesa» de Clara Sarmento .Deixemos por ora o segundo, e detenhamo-nos no primeiro.

Numa bela –excepcional(!) – estampa das Edições Culturais daMarinha,AML, oferece-nos um olhar atento,litoral percorrido de lés a lés, em buscas das embarcações tradicionais perdidas -ou em via de se perderem.
A autora explica : seduzida quando terminado o curso de Filologia, pela obra de Baldaque da Silva «O Estado das Pescas em Portugal», elaborado em finais do Séc. XIX e que hoje é, ainda, a bíblia da matéria, com citação obrigatória quando se aborda o património cultural marítimo do Litoral português,AML,atira-se ao traballho (em 1960) de ir reverificar a situação passado que estava mais de meio século .E assim a sua tese de licenciatura, depois editada pela Revista de Filologia com o titulo «O Vocabulário Marítimo Português e o Problema dos Mediterraneísmos», passa, ela também ,conjuntamente com o seu inspirador, a ser de citação obrigatória. Sem duvida,conjuntamente com B.da.S, os trabalhos mais completos e sistemáticos produzidos até meados do Séc XX, na matéria.
Ora AML, por casualidade, intencionalmente -ou por simples paixão que foi necessário satisfazer - efectua em períodos (anos 80 e agora 2006) que correspondem a mudanças profundas e definitivas na estrutura, e até sobrevivência da pesca artesanal, novas visitas, registando cronologicamente o sistemático desaparecimento das embarcações que durante séculos tinham povoado a beira- mar. Embarcações agrupadas em famílias diferenciadas que tendo por objectivo último a pesca no mar litoral , a exerce(i)am com instrumentos de trabalho (barcos e artes) com especificidades próprias, produto muitas vezes das suas origens, outras por diluição das mesmas misturadas com novas aculturações ,outras tantas por especificidade das condições do mar onde a faina se desenvolve(i)a.
AML -neste novo trabalho de investigação -, regista com o rigor que lhe é habitual, a situação nos períodos referidos. Junta-as às observações de 60, e com elas coteja os registos de Baldaque da Silva. Parece pois simples, a formula . Só que se imagina complexo e esfalfante, o trabalho, a percorrer o litoral de lés a lés, um litoral extenso, à cata de sinais (já raros) ,detectando os enganos( e até as simulações), anotando e cartografando os tesouros ainda encontrados.Tal e qual um filme digno de um INDIANJONES
Escolhidos os ingredientes , agora com objectivo bem fixado ( descartar mediterraneísmos pouco conseguidos, e o principal ,pondo de lado o registo das artes, que para aqui, pouco ou nada acrescentavam ),AML junta (e serve-nos) um texto limpo e límpido ,sem artificialismos desnecessários, sem academismos retóricos ,remetido ao essencial que é o de completar a informação das imagens, situando-as .Magnificamente servida destas –em qualidade e quantidade e inserção(!)–levará alguns mais distraídos a dizer que se trata de um belo álbum .E no caso isso não seria, até, grave desqualificação. Pois tal indução poderia ser levada por conta da excelente edição que valoriza indiscutivelmente o trabalho ,excedendo o habitual de um livro cuja finalidade será -agora ainda por maioria de razão - elemento chave de consulta sempre que estudiosos –ou simples curiosos - se detenham em particularizar a atenção sobre uma quaisquer daquelas embarcações míticas em fase de total e imparável desaparecimento.
É evidente que a autora –por vezes inserindo-se no texto em excessividade,emotivamente - poderia ir mais longe .Não lhe seria difícil, certamente, tal desiderato. Interrogamo-nos,assim, sobre os caminhos possíveis para concluir :- provavelmente foi melhor assim.O livro é fácil de ler, atraente no conteúdo gráfico, leve e escorreito. Temos a certeza que nenhum que se inicie na sua leitura desistirá. E isso é o mais importante de um livro.
No próximo sábado o Livro será apresentado no Museu Marítimo de Ílhavo. Aqui está uma boa razão para franquear as pesadonas e disfuncionais portadas do dito.
E talvez lá possamos ouvir como pensa a Instituição responder ao desafio de AML, sobre as metodologias de preservação destes verdadeiros memoriais da nossa cultura.
Porque voltar ao litoral, pode até a AML voltar . Mas os barcos, esses, é que não voltarão .Disso estejamos certos.

Aladino
Ps- No próximo Blog analisaremos « Cultura Popular Portuguesa » de Clara Sarmento.

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