domingo, dezembro 27, 2009

Morrer velho,novo

Neste tempo natalício, o que me impressiona, é que dá a sensação que perdemos a memória de tudo que de mal nos aconteceu e nos propomos festejar tudo, como se só coisas boas nos tivessem sucedido.
Razão tinha aquela funcionária quando me abordou a perguntar: O Sr. engenheiro também gostaria de morrer velho?
-Sim respondeu mas velho, novo.
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Desbaratar ilusões
À noite, ontem, quando fui com filho e neto ao jantar na Residencial, ao chegar o Miguel disse-me:
-Avô vais jantar na Residencial dos velhinhos? E de imediato acrescenta: - da tua idade, melhor dizendo...
Eh! Mais coisa menos coisa as idades andam perto. Muitos que lá estão, conheci eu pessoas ainda jovens, cheias de vida, esbeltas e até bonitas.
A olhar todos aqueles dramas concluo: ali desbarato as minhas ilusões, se é que as tenho.
É tudo tão a correr …
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Se naquele momento encontrasse «Deus» á esquina era altura de termos uma conversinha ao rasgadinho.

Conto: Há cerca de dois messes apareceu-me um caso que me perturbou. Uma velhinha de 93 anos, já com grandes dificuldades de locomoção, cuidava, ela sozinha, de uma filha de deficiente, acamada desde que nasceu. Um caso que urgia resolver.
Legalmente, porém, só poderiam ser acolhidas: uma na Residencial de Idosos e a outra, a deficiente, no Lar Residencial para esse fim. Não me dei por vencido, e nem baixei os braços. Bati -me por encontrar uma solução que coloquei à apreciação superior da Tutela, que desde logo tinha negado a hipótese. Assim fiz nova proposta. As duas, mãe e filha, partilhariam um quarto que é o último do Lar Residencial e o primeiro do Lar de idosos. A «menina» seria tratada pelo pessoal do L R e a velhinha seria tratada pelos pessoal do L dos I.
Depois de muita luta lá veio a autorização. Fez-se a mudança. A felicidade parecia reinar naquela velhinha que assim se via aliviada de tarefas que aguentou toda uma vida, mas que agora não tinha condições para continuar. E por outro lado saberia que quando desaparecesse a filha estaria amparada para o resto dos seus dias.
Repentinamente ao fim de três dias sobreveio uma pneumonia à «menina». Internada de urgência no H de A, não suportou a doença, e faleceu na semana passada. Recebi a notícia como se me dessem um sopapo.
Mas que «Deus?!» poderia ser assim tão cruel? Não teria bastado a cruz que deu àquela velhinha a vida inteira? Agora finalmente aliviada negou-lhe um mínimo de tempo feliz.
Por isso a minha reacção quando estupefacto me deram a noticia.
Se eu encontrar esse tal «Deus» ali à esquina vou ajustar umas contas com ele…
E é que ia mesmo. O que vale é que anda arredio de mim: ou eu dele.

SF

1 comentário:

Maria Helena disse...

Oh Sr. Eng
Mas quem lhe disse que a vida cá deste lado é melhor do que aquilo do lado de lá? Quem o informou que a menina não estará melhor no sítio onde está agora do que quando andava por aqui a penar? Não terá sido um prémio?Em breve a Mãe a irá encontrar.
O Sr. não acredita, mas pode haver quem creia...

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