sábado, dezembro 02, 2023

              LEMBRANDO–TE....


Fazias hoje 86 anos.....

Onde quer que estejas, sei que entenderás, porque sempre nos aprendemos a descobrir nos pequenos gestos ou nos tiques, indecifráveis para os outros, evidentes para nós.

Tenho uma vasta, dolorosa e amarga sensação de estar, agora, tão só (!). Já todos se foram; e não sei porquê (?), deixaram–me para trás, como que para guardar a vossa memória. A mim que era o mais frágil, a quem prognosticavam vida breve.

Retrocedo no tempo em Vossa procura. Nem isso me vale. Parece que, ao fazê-lo, me é ainda mais nítido que o processo de desintegração já começou. Procuro a lógica de tudo, até da tua partida. E só encontro um sentido para a paz que encontraste, aquela paz que nunca por cá, tiveste. Aqui, neste mundo de desigualdades – cada vez mais desigual, trágico onde apenas os canhões suportam a revolta dos mais fracos–  ,Tu nunca a poderias ter encontrado. Fosse o que te rodeasse – a Ti, chegava-te. Era impressionante como tudo (o pouco ou o nada ) Te chegava, indiferente que eras a qualquer tipo de necessidade vã. Só que o problema não eras Tu, mas os outros. E para os outros, nada era suficiente para responderes ao que sentias ser-lhes necessário - e devido. E por isso não havia “guerra” que Te fartasse.


 



 

Recordo que, no dia da tua morte (25 Novembro 2007) ,o sino não tocou .Não porque não quisesse –os sinos sabem por quem deverão dobrar -,mas porque Tu não quererias .Querias, isso eu tenho a certeza ,que, ao outro dia , chamasse a rebate.  Chamasse todos!.. a continuar o que sempre, e só, soubeste fazer : - a distribuir solidariedade a rodos .Como ninguém nunca o fez (ou fará !!!) na (tua) terra que fede, cada vez mais, insuportavelmente, ao individualismo egoísta , Boa madrasta mas mãe esquecida. Hoje, por cá,  faz-se  parecer que se faz, mas nada  um  faz, fazendo. À excepção do blá-blá...

Pareço hoje encurralado; sinto-me a última rês a preparar-se para o abate. Quando a morte bater de novo à porta, não posso mandar ninguém ir abrir, tenho de ser eu a franquear-lhe a entrada.

Sinto-me, pois, subitamente envelhecido; desamparado de um modo irremediável. Como que amarrado a uma solidão onde me faltam todos os que me rodearam no sonho. Sinto-me só, ao não poder partilhar a responsabilidade com mais ninguém. Puseste-me a ser o número um (!) da família.  Parece que o mundo me caiu em cima, como um pesadelo que oprime e tolhe.

Parece – e não entendo este súbito parecer –que havia restos de infância, ontem ainda, que hoje desapareceram de vez, irremediavelmente. Todos passaram, não a ver-me como o mais novo,mas a ver-me como o ultima abdicatário destes irredutíveis ,que quiseram ser ,só e apenas, não indiferentes.    

As árvores morrem de pé ,..
  (....)Bem vistas as coisas assim foi: foste autêntica até ao fim. E isso–  perdoa que Tu diga, mas Tu até o sabias –era o que eu queria que tivesses sido. E sacontecido .Neste mundo que não tem moral ,nem vergonha, em que a vergonha se transforma em impudor, sem ética, não transigiste, nem sequer foste cadavérica em vida .Soubeste até ao ultimo dia erguer o teu fardo á altura da cilha do burro; os outros preferem que o burro se ajoelhe para o depositar, e fazerem de conta que estão cansados .Cansaço foi coisa que nunca vislumbrei em Ti.

E sabes o que “lhes” rói a alma?: -é que mesmo na sepultura irás prolongar a tua razão .A razão da tua vida. Dia a dia, ela será mais evidente.

Acertemos as nossas contas. Se em alguma coisa não fui capaz de Te acompanhar como merecias, foi não ter –nem manter –a Tua UTOPIA.
Por vezes, até, ta censurei (por excessiva); porque não acreditava que depois de tudo, ainda a mantivesses, intacta. Mas no fim percebi porque a tinhas –e a mantinhas intacta –apesar de todos os desaforos que foram desabando por cima de Ti: o Teu mundo tinha horizontes que o meu não enxergava.

Até sempre … 

João
-------------------------------------
Nota. No  pretérito dia 25, fui por mero acaso ao CASCI: Do cemitério vinha uma tua antiga colaboradora acompanhada de alguns dos teus “miúdos”. Vinham do cemitério .O Helder lembrou que era o dia em que os deixaste, e eles quiseram, por iniciativa própria ,levar- te uma flor.  J


Sem comentários:

  67.   Poemas de Abril Abril: síntese inalcançável Já não há palavras  Que floresçam Abril,  Nem já há lágrima...