sábado, outubro 24, 2009



CAIM

Em noite anterior, perdi umas boas duas horas a abordar o «CAIM» de Saramago. Levantei-me de madrugada, com o intento lhe dar mais um toque. Praguejando, percebi que talvez cansado da noitada, não gravei o texto. Coisas que acontecem….Aconteceu. Está encerrada a desdita...

Parece percorrer o País um frémito convulso de indignação inquisitória, onde à falta de fogueira se brame com a expulsão pátria do autor; se este fora, ainda, o tempo de Salazar, estariam já convocados vários desagravos e o «pobre» livro «Caim», apreendido e riscado a azul pelo zelo pidesco. Adiante…Mas –oh sorte saramaguiana!- se tivesse acontecido antes, o autor de «Caim» seria passado pelas brasas. Torquemada por bem menos mandou acender o lume no intuito de acabar com os maus costumes heréticos.
Leitor habitual de Saramago, apreciando os seus livros, mais uns que outros, uns obras primas outros vulgares, saídos da sua já longa e discutida lavra -quase sempre polémica o que é inteligente por parte do autor, que mesmo sendo Nobel não descura a promoção, não vá dar-se o caso de o leitor dele se esquecer - era certo que me atiraria ao «Caim», logo que houvesse intervalo no que estava a ler (Curiosamente dos irmãos Abel e Caim, Grim’s, desse notável Sepúlveda).
Dada a polémica entretanto suscitada, deixei o Sepúlveda em descanso por uns dias, e em duas noites ataquei Saramago.
O «Caim» é livro interessante :- leve de leitura, mesmo naquele jeito estranho do discurso directo em pontuação corrida, que depois de a ela habituados, permite um ritmo muito mais intenso e contínuo de leitura, tornando-se mais solta, com menos hiatos; o livro chega mesmo, em vários momentos, a fazer aflorar o sorriso pelo cutiladas cheias de humor, mimoseadas ao texto sagrado de onde é retirada a história e a personagem.Agora refeitas numa «nova» leitura literal levada a cabo por um não crente.
. Saramago reconhecendo, embora, que a Bíblia sendo mais do que um livro, pois que é uma biblioteca de vários livros, de vários autores, pretende apenas mostrar que lida literalmente, se esvai- passo a passo, facto a facto narrado- a ideia de um deus omnipresente e omnipotente, atento, bom, encerrando em si só virtudes -todas as virtudes! -«alguém !?» tolerante e apaziguador,pouco dado a vinganças deste mundo.
Ora sou eu agora, que em boa verdade Vos digo, que um agnóstico( como é o meu caso) ao ler trechos da Biblia não compreende como se possa tirar do seu conteúdo ,racionalmente, a afirmação(ou prova) da existência de um tal deus (à nossa imagem e semelhança ,ainda por cima). Podem dizer-me que a questão de Deus não é racional. Uma ova!,respondo. Podia essa afirmação ter tido um tempo para ser aceite, à falta de melhor. Com os passos gigantes da ciência, fácil é concluir que a questão se resolverá, um dia ,trazendo a explicação desse grande problema ,o qual é a razão da existência. Atrevo-me a prognosticar, já o abordei aqui várias vezes, que essa explicação se poderá resumir a um simples algoritmo que desencadeou o processo.
Saramago questiona algo tão simples como isto:
Numa infinidade do tempo- alguém consegue absorver facilmente o conceito de infinidade?! -a questão (história) religiosa, católica, resume-se temporalmente a dois mil e tantos, anos: Um ápice. Uma multimilionésima fracção do segundo elevado ao trilião, digamos, na infinidade temporal do universo . Onde esteve esse deus da Bíblia antes, nessa infinidade de tempo anterior? Por onde andou, e o que fez,pergunto? E mesmo neste curto instante que foram os dois mil anos, por onde terá andado tão distraído (e qual terá sido a causa da sua distracção,ou ausência) para se ter esquecido da tragédia humana que semeou, e literalmente abandonou á sua triste sina ?.

A Bíblia está para os católicos como o Corão está para os islamistas.
Já o repeti.O que me impressionou naqueles,foi, que fosse qual fosse a sua formação, ou nível social, os islamistas sempre me mostraram um enorme conhecimento corânico. Embora absurdo aos meus olhos, porque recolhido em escolas (madrassas) diferentes, originavam interpretações diferentes a muitos dos seus pontos.
Uma má recolha de ensinamentos do Corão justifica a onda de terrorismo islâmico que aflige,hoje,o mundo.
A igreja católica já foi, ela também, intolerante. E tem por isso na sua história, um período de trevas manchado de sangue de inocentes, num passado não muito longínquo. Hoje, pouca a pouco, a Igreja católica vem-se identificando com Cristo.
Para mim Cristo e «Deus» são conceitos perfeitamente desligados. Cristo existiu e foi um paradigma de virtudes (eu sei…eu sei…) e ensinamentos para a humanidade. Quando se pretendeu transformá-lo num filho de Deus, criou-se o absurdo. Assim, para mim não foi «deus» que criou Cristo; Cristo é que gerou pelas palavras de «outros» a necessidade de se aproximar de uma figura divina, para melhor O promover.

«Mal acomparado»: Saramago para vender o seu livro criou a polémica; os Apóstolos para «venderem» a imagem de Cristo, e a superiorizar em relação aos circundantes, deram-lhe uma áurea divina.
A Bíblia, tirando a frequência com que é lido nos templos, é algo que normalmente existe nas casas católicos só para fazer de conta e enfeitar móveis na «sala do Senhor». Conheço católicos praticantes, milagrosamente agraciados com o dom da fé, que nunca a lerem. Muitos, Diria quase todos os que conheço. E a verdade é que a maior parte nem sequer tem conhecimentos para nela penetrar, para lá de uma leitura superficial.Quanto mais para lhe descobrir o que lá não está escarrapachado.
Ler o livro de Saramago nada tem a ver com uma leitura bíblica. O livro de Saramago é apenas uma leitura de um não teólogo do que lá está.É uma obra de arte (escrita), de que se gosta ou de que se não se gosta, boa ou má, e que só e apenas deve ser julgada pelo seu valor como arte profana.
Saramago e todos os que produzem arte, são livres de a exprimir, como melhor entendem. José Saramago não pede crédito aos seus leitores, e muito menos lhes dá certeza que a sua leitura seja a correcta. Espera deseja -o ,claro! - que o leiam e no fim digam : gostei (ou detestei) o livro(como expressão artística) e não por interpretação de esta ou aquela passagem.
Estranhamente parece que ainda ninguém se lembrou de que esta incursão não é única (depois do «Evangelho Segundo Cristo»): entre outros fazem-lhe companhia o «Dios no digo esso » ou o «Evangelho Segundo Judas».Incursões recentes de escritores ao texto sagrado, desmistificando-o. Apontando-lhe diversas inverdades,ou contradições.
Porquê despejar o fel sobre o Nobel português? Será por ele ser de facto português?

Aladino

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