terça-feira, novembro 10, 2009


NOS VINTE ANOS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM

Hoje, quando se comemoram os vinte anos da queda do muro de Berlim, data das mais memoráveis -porque na altura inacreditável que acontecesse -, marco civilizacional que teve como consequência o desmembramento de um mundo comunista - que se dizia ser sem na verdade o ser,na práxis nem nas intenções - não pude deixar de me lembrar do episódio que há quarenta anos vivi, ao atravessá-lo.



Talvez valha a pena contar.
Tinha então trinta anos. Foi-me dada a oportunidade de, durante três semanas, viajar nos países do leste, com estadia prolongada na Polónia. Já neste Blog contei passagens desta atribulada – e inacreditável - viagem.
Ia desejoso de confirmar aquilo que na altura me merecia crédito e esperança. Tinha estudado desde os meus tempos da Universidade tudo sobre a teoria comunista. A minha bíblia, era então, o CAPITAL. À sua custa brilhei no derradeiro exame, na cadeira de Economia, arrancando um deslumbrante dezoito.
O que vi, aquilo que ali vivi (e muito foi), o espírito aventureiro de me meter em coisas que não lembrariam ao diabo, depressa me levou a perceber que aquilo era, pura e simplesmente, uma mistificação execrável de um falso regime para os trabalhadores. Uma falsidade que deveria ser denunciada. O que logo me propus fazer. Certo é que me senti profundamente magoado,descrente e desiludido, por ter sido tão ingénua e convincentemente enganado.


O que vi – vi com os meus olhos e apreciei com os meus sentidos-, não me matou a ideologia. Mas revelou-me até onde um bom conceito pode ser manejado, distorcido e depois levado á prática totalmente em contrário do que diz querer fazer.
Adiante: …
No final da viagem, no regresso, depois de mil e uma peripécias onde não faltou uma ida ao «chilindró» - já aqui a contei - eis que no aeroporto de Varsóvia me preparava para embarcar, já farto daquilo tudo, para Berlim (claro Ocidental). Teria um dia para visitar a cidade que me despertava imenso desejo de conhecer.
No aeroporto, à hora anunciada, ouço em alemão, língua que sempre me recusei a aprender (ainda que tenha andado três dias em explicações ao fim dos quais, rapidamente, concluí que era bem mais agradável dá-las (?!) eu à jovem explicadora alemã), vi um aviso - Berlin.Embarquei sem qualquer tipo de oposição.Ainda hoje estou para saber como. Depois percebi, claramente,a razão.
O avião vinha praticamente vazio. Interessante, era que estava a viajar num TUPOLEV o que me sucedia pela primeira vez (eu que os elogiava tanto, como indicador da «superioridade do sistema!). Estranhei o aspecto esquisito da pouca limpeza, do ar cansado dos assentos, da falta de bagageiras fechadas, da oferta de uma bebida (já não digo um menu, o que era habitual naquele tempo) etc.Vinha tão entretido a esquadrinhar o avião e a sentir o seu suave voar, que nem dei muita atenção àquelas questões.
Quando o avião aterrou, olhei com curiosidade pela janela.Achei, surpreendido, que o «aeroporto de Berlim (?)» era estranhamente pouco mais do que um edifício de linhas direitas, cor amarelada, desbotada, sem nenhum pormenor arquitectural espectacular.Enfim pouco mais do que uma cantina.


O pior foi quando saí. Olharam, reviraram o passaporte, e depois de um palavreado ininteligível mandaram-me para uma sala. Esperei horas até que me apareceram dois polícias de aspecto feroz,encharcados em vodka, que procuraram saber como teria eu,ali, aparecido. Claro que nem eles nem eu percebemos. Eu ao que queriam; eles como ali estava,porque nem sabia onde estava. Aonde perguntava-me eu? Deu contudo para entender algo estranho quando me pediram os dóllars (ainda não havia cartões de crédito) e o passaporte onde ,era verdade- tinha-o aprendido na Polónia-, estava registada a quantidade de moeda com que entrei na Polónia, e anotados todos os gastos nas lojas não estatais(cantinas ).Por aviso do Cônsul fiquei a saber do sarilho em que me meti (e os outros) quando numa loja de casacos, comprei e paguei em dollars, cabedais para toda a família e um casaco especial de peles, soberbo, para a minha mulher .Quando na loja anunciei que queria pagar em dollars, mandaram-me calar de imediato, agarraram em mim e levaram-me para um cubículo. Espantado consegui com os dóllars, preços de 50% dos marcados em Zlots. Uma pechincha.Fui chamar os colegas de viagem e a loja ia ficando vazia. Valeu-nos, á noite, o referido Cônsul alertar para o grave erro e consequências. E para o resolver passou-nos «uma carta» de divida, de empréstimo nosso ao Consulado. Receberíamos (lá se dizia) que o valor emprestado o receberíamos em Portugal.
Voltemos a Berlim.Agora estava a fazer ,sózinho,a viagem de regresso.
Nova espera. Outro par de horas. Pelo meio, recordo-me, mandaram-me umas almôndegas intragáveis. Eu começava a compreender que algo de errado se estava a passar. Mas não me tinha apercebido, exactamente de :-o quê(?).
Só me faltava mais esta, ia dizendo de mim para mim. Às tantas entra uma mulher Policia, uma cara patibular montada num corpo de vassoura que, falando num inglês correcto, me clarifica, só então, a questão. Você (YOU) está em Berlim Oriental,Queremos saber como foi possível chegar aqui, Se o seu bilhete era para Berlim ocidental,perguntava.Eu?! Eu não fiz nada, Apanhei o avião que dizia Berlim, e nada,nem ninguém, me disseram estar eu errado, ou o evitaram…
Tá bem... Eles é que não acreditavam. Vieram as malas. Abriram tudo, conferiram dinheiro, interrogaram-me sobre o empréstimo feito ao Consulado etc. …etc. Saíam, deixavam-me sozinho; depois vinham outros (agora já a falar inglês, valeu-me isso),E as horas, a noite, a passar.
E eu fulo. A praguejar com aquela corja, estuporado com o sistema ao sentir que as minhas ilusões tinham ficado por terra (Berlim era a cereja no bolo…) naquelas ultimas semanas.
Deram-me um quarto(uma enxovia ,tipo prisão sem grades, para dormir(?). Ainda sugeri que me deixassem ir à cidade, comer ou beber qualquer coisa. Nem pensar! No aeroporto nada havia para comer além dum gulash aquoso.
De manhã batem á porta.Fui ver.Prepare-se que vai sair,disseram-me.Antes terá de pagar em dollars a viagem Varsórvia -Berlim.Mas eu tinha-a no bilhete ,recalcitrei,mas eles tinha o poder de me manter ali,disseram-meo melhor era pagar e não bufar.
Um minuto depois puxava das notas,nem recibo nem meio recibo ,Alguém as meteu ao bolso,A essa caça ao dollar já me tinha habituado.Acabou-se, Acompanhado, meteram –me num táxi (um carro infecto, uma charanga).E nele vejo-me a atravessar o tão falado muro de Berlim, depois de uma breve paragem de controlo.Tempo de o mirar, danado de não o apreciar em pormenor.Ali estava o muro que Krutvchov dizia ter sido feito para evitar que os alemães ocidentais fugissem para o paraíso do Leste. Para o que ele tinha sido feito,percebia eu ,jáentão ,perfeitamente para quê.

Vejo-me a percorrer as avenidas. Mal tive tempo de olhar. Fiquei sem ter ideia precisa da cidade. Nunca mais lá voltei. Parecia -me estar a viver um filme de James Bond e estava doido que a cena chegasse ao fim.
Passada uma meia hora deixam-me à porta do Aeroporto de Berlim, especado no passeio,malas na mão. Arrancaram com uma leve saudação. Nome dos tipos (?): nem deu para saber.
Ento olho no Aeroporto de Berlim (W), miro o edifício e noto: bem este agora, pelo menos, é outra coisa.Movimento intenso de aviõe militares,era algo de inusual num aeroporto civil.
Tempo de entrar, beber uma caneca e forrar o estômago com um scwheinaxel, Comprar um «toblarone» para o jonh, E eram horas de tomar o avião para Frnkfurt e daqui para Lisboa.
Quando cheguei e me pus a contar,em casa, as desventuras daquele mundo, ninguém queria acreditar. E correram-me com «foi o que sempre pensámos: -és um reaccionário».
Depois foram anos e anos a ouvir alguns dos que assim me apelidaram, a sucessivamente evocarem: estávamos enganados. Eu sorria-me com a cupidez daqueles iluminados,alguns que por lá tinham vivido á custa do Partido.Que deshonestidade intelectual! Alguns por aí andam sentados noutras cadeiras, jurando que agora, dizendo o contrário do que naquele tempo diziam,acreditam piamente no novo dictat.
E quando mudavam de sítio(partido) o que eu achava e acho engraçado (?), era que passavam por cima de mim e iam «empanturrar-se» lá para as direitas capitalistas.
A doutrina comunista era (e é) teoricamente boa; a sua aplicação foi criminosamente trágica. Soube-o felizmente muito cedo .Muito antes do 25 de Abril .Por isso não fiz algumas figuras tristes.
E por isso é que soube (e sei!) muito bem, e sempre, o que queria e por onde ia.

Aladino

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