sexta-feira, março 30, 2012



(Nota prévia : só agora me chegou às mãos,  uma pasta de documentos (meus), arquivados desde há vinte ou trinta anos. De que nem sabia a existência, mas que pessoa amiga foi arquivando,e agora me fez a entrega. De entre os documentos escritos, saltou-me este, referenciando a apresentação da reedição do livro de Mário Sacramento, «Fernando Pessoa –Poeta da Hora Absurda». É agradável passados tantos anos, saber que não retiraríamos uma palavra ao que então escrevemos. E desagradável, reconhecer que nada mudou por aqui).

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Ainda e uma vez mais Mário Sacramento

Viemos de assistir ao lançamento da 3ª Edição do livro de Mário Sacramento, "Fernando Pessoa Poeta da Hora Absurda".   E, uma vez mais, a interrogação surge : porquê o alheamento de Ilhavo a mani­festações sobre Mário Sacramento?; porquê este "não assumir" de paternida­de daquele que foi sem dúvida - a clara e inquestionável distância - o inte­lectual de maior dimensão e projecção de entre os que tiveram a nossa Terra por berço?

Entre a numerosa assistência, dois ou três ílhavos presentes; nada mais. De­solador, este ostracismo a que “votamos" Mário Sacramento. Porquê? …interrogamo-nos: ­

- Teria sido Mário Sacramento um mau "cidadão ilhavense" apesar de ser um "cidadão" de eleição ao nível do País?

A resposta - um categórico não: como cidadão ilhavense ele foi um  interessado, constante e participativo  nos problemas da sua Terra natal: deu-se às Associações, como seu Pai se deu aos Bombeiros de ÍIlhavo, de quem foi um dos principais pilares; interveio no Illia­bum Club onde foi um dos dinamizadores da sua legalização e estruturação, de­finitivas; foi seu animador ao longo dos anos, sempre disponível para o hon­rar - para o Honrar, sim! - com notáveis conferências que ali proferiu. E ainda na­queles tempos bem difíceis esteve na Misericórdia de Ilhavo, dedicando-se ao seu Hospital, tendo para ele planos bem objectivos  que a política da época logo cerceou...

- Teria sido, então Mário Sacramento, um profissional desinteressado que tenha deixado sequelas nos seus doentes?

Não, não foi. Categoricamente. Foi antes um notável profissional com êxitos assinaláveis - quem não se lembra de alguns deles, na fase  de lu­ta contra o flagelo da tuberculose (?!); de uma dedicação extrema aos mais carenciados, era o “médico dos pobres". Assim era conhecido :Diziam-no todos os que, necessitados, dele se abeiravam, um ror deles dispensados (por falta de meios) de pagar a consulta.

- Teria sido o Mário Sacramento um intelectual desligado dos problemas con­cretos do seu tempo, mantendo-se numa observação distanciada dos mesmos, e por isso afastado dos seus concidadãos?­

Precisamente o contrário. O que teve de extraordinário este Homem, talvez como nenhum outro intelectual da sua geração, é que sacrificou o seu amor pe­la literatura - a grande paixão da sua vida! - em benefício duma intervenção directa,  sacrificada, permanente e arriscada. Envolvimento cívico que o martirizou. E o matou!...precocemente. 
O que existe de assombroso na estatura enorme desta figura, é que não se reconhece com nitidez o campo onde Ela derramou com mais fulgor a sua tor­rente de intervenção: se na sua oficina de escritor de fim de semana, se na sua oficina do artífice construtor dum novo País, se na “forja" onde pretendeu moldar o novo Homem: o Homem do devir com quem já não caminhou lado a lado no dia da liberdade, em presença física, mas em presença espiritual, pela certeza de que esse dia iria chegar.Que  não apenas desejou ...mas pelo qual  lutou e arriscou , como só alguns poucos, o fizeram..
Em Mário Sacramento conviveu em permanência a grandeza moral do homem com a firmeza do cidadão,que nenhuma ditadura persecutório conseguiu deitar abaixo.Em Mário Sacramento nunca houve vacilação: a liberdade não tinha preço, e eu 

Então porquê este alheamento?

Quando no momento de "psicose Pessoana", perante uma torrente nem sempre inovadora de trabalhos de abordagem ao poeta do desassossego, quer feita por nacionais quer feita por especia­listas estrangeiros, é sentida a ne­cessidade de reeditar o trabalho feito há trinta anos por aquele jovem ensaísta, que, sem referências e sem a companhia de livros de consulta, preso em Caxias, fez uma abordagem polémica (e como muito bem assinalou Vital Mo­reira) sem preconceitos da incomodidade de posicionamento do grande poeta pe­rante a visão do mundo do autor, é porque o trabalho é de sobra valoroso, reflectindo a seriedade da abordagem e a justeza das ilacções no contexto da apreciação. Como já tinha si­do a abordagem a Eça, como o foi a abordagem às obras de muitos outros (Flor­bela Espanca, Raul Brandão, etc. etc.).Discutível – e MS virá a reconhecer a necessidade de a ajustar, sem em momento algum a enjeitar.

Mas então porquê? Porque é que esta Terra cujos horizontes culturais se resumem ao «vamos indo e vamos vendo” como escorre a moda, onde parece tudo no fundamental, parado, onde o essencial se atola no lameiro fétido do desinteresse, se alheia, agora e uma vez mais, de um dos seus mais proeminentes filhos:- Mário Sacramento?

Excelente madrasta, desnaturada mãe, Ílhavo é uma terra que parece perdida na sua história. Parece aceitar, comiseradamente o destino: fomos mas nunca mais voltaremos a sê-lo. Perdemos a memória e perdemos o desejo de ser. Recuperar a memória seria ir ao encontro de exemplos que já não há. Então, vulgarizou-se a ideia de conviver, comoda e interessadamente com os que há., E sendo estes arrivista, corifeus da traulitada verbal, medíocres, há que nivelar pela moda do triunfalismo trauliteiro. A mediocridade tem uma capacidade infinita de vir á tona; com as invejas a tomar de assalto o lugar do merecimento dos que foram grandes. Disso se encarrega a retórica diletante e balofa dos títeres que vão subindo à cena. 
Desse modo deixámos de tentar um futuro coerente com o passado. Vivemos num atolado imerecimento.  
A resposta às minhas perguntas é pois: PCDC .Pandemia Colectiva de Demissão de Consciências. Alheamento,indiferença.Ausência.

SF

(PS- Aqui não comentei  a qualidade do livro,feita,já então,  em outra altura. Aqui o que me importou foi realçar a ingratidão) 

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