segunda-feira, março 06, 2023

 Ainda o o ÁBIO (o JA Paradela)


O Ábio tinha, há anos,ilustrado um livro « PREIA MAR »que nunca me atrevi a publicar, há muito pronto.Ainda há pouco tempo ,já doente me escrevia: » Vá (!)publica;é o melhor livro que escreveste ».Eu respondi:só se for por ter ilustrações tuas.

Cato hoje no livro um poema(?) o « Lavrar do Mar ».Incluo a  ilustração do àbio,em jeito de homenagem(para já).

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32. LAVRAR O MAR 


Olho aqueles corpulentos

Majestosos e hercúleos

Bois da velha companha

Que enlaçados ao calão da rede

A vão alando até deixar ofegante na praia

 A parir do ventre estripado 

O prateado peixe roubado ao mar. 


Animais vindos do lado de lá

Do perfume adocicado da resina

dos pinheirais

Trouxeram-nos à borda a lavrar o mar.

Vão nas manhãs de nevoeiro em parelhas

Cabeça baixa, olhar torvo, parecem, citados pelo mar, 

A investir por ele vaga adentro encharcados. 


Afagados pela maresia

Nos dias de sol espraiado

 Vejo-os resfolgarem, nariz no ar 

À procura de uma sombra no areal caiada,

 Que aqui não existe. Parecem velhos...

Os bois nasceram já velhos

Na cor pardacenta do seu costado. 


Velhos no sossego da sua existência

Vão ruminando no alento da noite, a sua ausência,

Para no amanhã acordado voltarem ao fadário.

 Sob sol escaldante , chuva de tarde desmaiada, 

Ou fustigados pelo vento gélido da madrugada,

Seguem de olhos turvos, despidos de um qualquer sudário, 

Parecem amarrados a uma existência amargurada. 


Sigo-os duna abaixo

Ao encontro do mar ousado, quebrado

Mar amargo, mar azul de tão salgado

A açoitar o xávega que, alevantado, teima ir, 

Lá longe onde moram as sereias,

Largar a rede para tirar do ventre do mar

A prata que a terra não pode parir. 


E lá vão, dobrados, encabrestados

Vão ao tropeço na areia lassa da duna.

Fustigados pelo aguilhão do abegão

Levando à sua frente, aos tropeções, os mirones

Que vindos de madrugada, de chapéu e botifarras, 

Calça arregaçada, desertam em louca debandada

 Em tropel, fugindo na frente do estoiro da manada. 


Na praia já se alinham os xalavares. 

Os bois doridos pela jornada 

Parecem perdidos no areal

Semeado de escasso espezinhado, esmagado. 

Hoje não há mais ir e voltar

Hoje mar... podes ir acolher o sol dourado

E com ele ir, lá longe, nos longes teus, namorar. 




[para que as gaivotas voando sobre os vossos beijos me venham de madrugada contar a estrela do pássaro e a estrela do grito teu...MAR!] 


SF (Março 2015) 


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